Fraude em reconhecimento de graduação

Fraude em reconhecimento de graduação

Documentos sugerem fraude em reconhecimento de graduação de grupo educacional

Ação civil em SP pede que MEC investigue Laureate, que afirma não ter tido acesso a teor de acusações

Thiago Domenici    SÃO PAULO | AGÊNCIA PÚBLICA

 

Uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF-SP) em setembro pede que o MEC (Ministério da Educação) realize processos fiscalizatórios no grupo educacional Laureate. A rede, que tem mais de 200 mil alunos no Brasil e é dona de FMU | FIAM-FAAM, Anhembi Morumbi, UNIFACS e UNP, entre outras, vendeu sua operação em outubro para o grupo Ânima por R$ 4,4 bilhões.

Motivada por acusações em reportagens da Agência Pública e de Carlos Giannazi (PSOL), deputado estadual de São Paulo, a ação do MPF cita “falsificação de documentos, declarações falsas, ludibriações de agentes fiscais do MEC, entre outras, para conseguir o credenciamento e o recredenciamento de seus cursos [Laureate Brasil] junto ao MEC [...]".

O reconhecimento da graduação pelo Ministério da Educação é obrigatório para a validação do diploma.

Procurado, o MEC declarou que "instaurou procedimento administrativo de supervisão para apurar as denúncias que chegaram ao conhecimento do Ministério" e não se posicionará sobre o tema até o trânsito em julgado.

A Laureate Brasil, em nota na noite de sexta, afirmou que “segue estritamente a legislação brasileira” e que “possui um Código de Ética e Conduta que reúne todos os princípios e os valores da companhia”. “A Laureate sempre esteve e permanece à disposição das autoridades responsáveis para elucidar quaisquer supostas denúncias.”

Segundo um ex-professor do grupo Laureate que atuava na Universidade Potiguar (UNP-Natal), novas irregularidades teriam acontecido entre 2019 e 2020. O professor, que pediu para ter seu nome real omitido por temer represália, será chamado de Brener nesta reportagem.

Campus da faculdade Anhembi Morumbi, da Laureate, na Mooca, em São Paulo

Campus da faculdade Anhembi Morumbi, da Laureate, na Mooca, em São Paulo - Marcelo Justo - 8.mar.18/Folhapress

Brener diz que era comum forjar atas de reuniões obrigatórias de NDE (Núcleo Docente Estruturante) e Colegiado para justificar o reconhecimento de cursos de graduação no MEC. “Como professor de história, assinei atas do curso de design”, diz, reforçando que as reuniões não aconteciam. Além dele, outros professores confirmaram a situação e, envergonhados, dizem ter medo de perder o emprego.

Em outro caso, Marília (nome fictício a pedido), ex-coordenadora do curso de Fisioterapia da Unifacs de Feira de Santana, na Bahia, gravou um vídeo em que assina atas de reuniões que nunca teriam acontecido. Na ocasião, março de 2019, ela já não trabalhava mais para a Laureate. “Falsificar documentação é crime e a Laureate fantasia para o MEC”, conta.

Marília reuniu documentos, emails e planilhas que indicariam ações nada convencionais para adequação das estruturas físicas e acadêmicas para receber o MEC, segundo ela, numa clara tentativa de driblar a legislação educacional. “Muita coisa que não existia era criada. Como eu estava no cargo de gestão, tinha que participar, me engajar nesse processo."

Num email de maio de 2018 obtido pela reportagem, uma gestora da Unifacs escreve sobre uma situação crítica no campus Feira de Santana e que pode trazer resultados indesejáveis para a universidade: “Ainda temos cursos que não entregaram nenhuma ata do ano passado [2017]. Precisamos resolver isso com urgência (…)”.

Marília relata que, pessoalmente, a pedido dos superiores colheu a assinatura de professores para lidar com a situação, e alguns dos signatários não faziam mais parte da instituição.

Segundo depoimentos colhidos pelo MPF, há indícios de que as situações denunciadas tiveram a anuência de gerentes, coordenadores, procuradores acadêmicos, reitoria e diretoria Nacional de Regulação e Suporte Acadêmico da Laureate.

Em email de 21 de março de 2018, a Coordenadora dos Laboratórios de Saúde responde a uma mensagem em que a procuradora institucional da Unifacs anuncia a visita do MEC entre os dia 15 e 18 de abril de 2018 para o reconhecimento do curso presencial de fisioterapia. “Temos pouco mais de 20 dias para organizarmos nosso campus Getúlio Vargas (…) merecemos #Nota5”.

O conjunto de mensagens analisadas, no entanto, aponta uma série de pendências pedagógicas e de infraestrutura. "Quando veio o MEC foi um arranjo. O MEC foi embora, já não tinha mais nada. Nem bebedouro na sala dos professores”, diz Marília.

Numa tabela de pendências para receber o MEC, um email cita: “Colocar pelo menos 1 mesa com 5 cadeiras, um computador, ambientar o espaço como se estivesse sendo utilizado. Faltando a mesa com 5 cadeiras”.

Algumas salas que apresentavam odores fortes, segundo a direção, deveriam ser preparadas para o dia da visita com odorizadores que amenizassem os cheiros. Livros obrigatórios que faltavam na biblioteca de fisioterapia foram trazidos da Unifacs de Salvador. Marília afirma que, após a visita, os livros foram devolvidos.

Os laboratórios dos cursos de saúde estavam, segundo os emails, fora dos padrões e sem itens básicos como armários, lixeiras e dispensadores de álcool em gel. Num dos casos, sobre acesso a equipamento de informática, a lista de pendências pede para “apresentar laboratório de aula sem mencionar que é de aula”.

As conversas indicam uma manobra ilegal que aumentaria a nota da avaliação do curso. Marília explica: “Eu tinha alguns professores que, embora dessem aula no curso, não eram especialistas, e foram substituídos por mestres e doutores para não cair o indicador da nota”. A alocação docente está registrada numa troca de emails que começa no dia 12 de abril de 2018.

A tabela anexada a essa troca de emails indica nomes de docentes que seriam inseridos como sendo do curso de fisioterapia. Uma das professoras em questão, do EAD em São Paulo, que prefere não se identificar, relatou à Pública que não ministrou a disciplina que lhe fora atribuída na tabela.

Os emails também mostram que os Planos Individuais de Trabalho (PITs) dos professores eram alterados para corresponderem às propostas da reitoria. A certa altura, uma das gestoras percebe um registro errado no documento de um docente que seria apresentado na visita do MEC. “[…] As horas de orientação estão para SSA [Salvador] ao invés de FSA [Feira de Santana]. Pode, por gentileza, reajustar e me enviar?”

As alterações provisórias surtiram efeito. O relatório final dos avaliadores do MEC considera, por exemplo, a sala de professores como "muito boa" —a mesma sala que, conforme orientação nos emails internos, foi criada às pressas.

Reuniões cujas atas, segundo Marília, foram inventadas ou adulteradas também são classificadas como "muito boas", e, como resultado, o Núcleo Docente Estruturante foi considerado "atuante" pelo MEC. Também o colegiado foi citado como tendo periodicidade fixa de reuniões e registro das decisões, mesmo sem seguir a legislação educacional.

O relatório cita ainda professores que não integram o quadro docente de Feira de Santana. "Como coordenadora do curso, nunca vi nem ouvi falar de pelo menos seis docentes registrados no relatório final do MEC", diz Marília.

Esta reportagem foi produzida pela Agência Pública e publicada em parceria com a Folha. Leia o texto completo em apublica.org

 

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/11/documentos-sugerem-fraude-em-reconhecimento-de-graduacao-de-grupo-educacional.shtml




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