Frio que matou o mendigo
Não foi o frio que matou o mendigo
Por Fabio Poletto Franco, professor da Rede Municipal de Porto Alegre
Foto: Ana Carolina Pinheiro
Escuto pela janela o barulho do vento rasgando a rua Duque de Caxias nessa noite de quase zero grau. Enquanto eu dormia, um morador de rua morreu de frio na madrugada do dia 6 de Julho em Porto Alegre. Há menos de 200 metros do Palácio Piratini, casa do governador, há meio-quilômetro do Paço Municipal, casa do prefeito. Ignoram os desabrigados e deixam morrer por negligência.
Na madrugada seguinte, o Inter abre as portas do Gigantinho para os desabrigados terem onde dormir. O Grêmio envia 300 colchões e cobertores para o abrigo improvisado no ônibus oficial. Os torcedores se orgulham de seus clubes e dão trégua à rivalidade. Os gestos rendem notícias, reportagens e posts no facebook, incluindo até vídeo de torcida organizada cantando o hino do clube.
Parabéns ao Inter, que tomou a iniciativa, e parabéns ao Grêmio, que apoiou o rival na causa. Mas os mais de 2 mil moradores de rua da cidade terão que esperar frio intenso e favor de clube de futebol para diminuir a chance de morrer?
Faz 2 anos que ambos fizeram força para continuar isentos de IPTU e outros impostos. Alegam que fazem parte das entidades culturais, recreativas e esportivas sem fins lucrativos, portanto contribuem com a sociedade gaúcha. Porém, somando o faturamento de Inter e Grêmio de um ano, chegamos a 300 milhões de reais. Dúzias de imóveis dos clubes não pagam IPTU, incluindo os seus estádios de futebol (o morador do barraco do Mário Quintana paga IPTU, mas o Beira Rio e a Arena não).
Talvez o dinheiro não cobrado desse imposto daria para construir e fazer a manutenção de albergues para todos os mais de 2 mil moradores de rua da cidade. Portanto abrigar gente do frio é quase um pedido de desculpas, é uma contrapartida de empresas milionárias que são isentas de impostos. Por outro lado, o governador e o prefeito agradecem aos clubes, que estão fazendo os papeis de gestores das necessidades sociais.
O governo cobra imposto do barraco do pobre e isenta os clubes, mas diz que não tem grana pra abrir albergues. Diz que o caixa tá quebrado, mas a brigada militar tem um custo aproximado de 7 milhões por ano para fazer a segurança de estádios de futebol no estado. Grande parte desse dinheiro é gasto em jogos da dupla grenal, tanto que a Brigada queria cobrar 100 mil reais por jogo. Os clubes não gostaram da ideia, embora adoram a isenção de impostos.
É a política do Pão e Circo? Não: pois o bandejão foi fechado, a coreia não existe mais, a popular foi pro fosso e o jogo quente só por pay-per-view. O que mata é a política da isenção de impostos pra quem tem dinheiro e isenção das responsabilidades dos governos com os pobres.
Referências:
https://www.jornaldocomercio.com/site/noticia.php?codn=134249