Fuga pela porta dos fundos
Fuga pela porta dos fundos combina com a biografia de Bolsonaro
Em 28 anos na Câmara, o futuro ex-presidente sempre foi um político minúsculo e chegou ao poder por acidente de percurso
A opção de Jair Bolsonaro em deixar o Brasil pela porta dos fundos, fugindo para os Estados Unidos como se temesse uma prisão iminente, revela que os quatro anos como presidente incidental não tiraram dele o espírito de baixo clero, marca dos seus 28 anos como deputado federal. Para não passar a faixa ao adversário, Bolsonaro comporta-se em suas últimas horas no poder como o mau militar que foi, o deputado medíocre cuja carreira foi marcada pela improdutividade, o presidente caricato que se imaginava imbatível (ele diria imbrochável). Os quase dois meses que separam o segundo turno do voo rumo a um país cujo idioma não domina foram marcados pela inutilidade. O presidente sumiu, não reconheceu a derrota, semeou falsas esperanças nos golpistas que até hoje não aceitaram o resultado das urnas e matou a maior parte do tempo enfurnado no Palácio da Alvorada. É um desfecho compatível com a biografia de quem se notabilizou por defender a tortura e os torturadores, atacar mulheres com seu linguajar de baixo calão e semear confusão por onde passou.
Não se poderia esperar de Bolsonaro que agisse como Fernando Henrique Cardoso, que transferiu a faixa a Lula e só então viajou para Paris, cidade onde estudara e dera aulas. Fernando Henrique viajou em avião de carreira, hospedou-se no apartamento de um amigo e levou uma vida de cidadão comum ao lado de dona Ruth Cardoso, sem se intrometer nos assuntos de governo.
Bolsonaro viaja antes de terminar o mandato, em avião da Força Aérea Brasileira, com a intenção de se hospedar na casa de um amigo, sem data prevista para a volta. Tecnicamente, terá de passar o cargo ao vice-presidente Hamilton Mourão, que poderia reduzir o impacto do fiasco cumprindo o ritual da transmissão de cargo, mas ainda não mostrou disposição para fazê-lo.
Que fique claro, Bolsonaro não é obrigado a passar a faixa para Lula. Esse rito não tem qualquer valor legal. A negativa é simbólica da visão distorcida que exibiu na pandemia, no exercício diário do poder e na eleição. O general João Figueredo, aquele que um dia disse preferir o cheiro do cavalo ao cheiro de gente, também não quis passar a faixa a José Sarney. À época, alegou que não considerava Sarney herdeiro legítimo do poder, já que o vencedor da eleição direta era Tancredo Neves, internado na véspera da posse.
Bolsonaro entrará para a história como um presidente improvável, que chegou ao poder pelo voto popular, na esteira do imenso desgaste sofrido pelo PT e da prisão de Lula, o candidato que à época poderia tê-lo derrotado. Não é impossível que tente voltar em 2026, mas será, para sempre, um fugitivo político.