Fundeb melhora distribuição de recursos

Fundeb melhora distribuição de recursos

O ano de 2020 acabou com uma vitória: a sanção da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 15/2015, que garantiu mais recursos e tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Além do aumento para 23% de contribuição mínima da União para o financiamento da educação pública, o novo Fundeb conta com mudanças no sistema de distribuição, que passa a ser híbrido, considerando o sistema atual, mas trazendo avanços para equidade.

No entanto, o texto ainda é conservador em relação a algumas modalidades importantes e que sofrem historicamente com subfinanciamento, como a educação do campo, quilombola, indígena e a própria educação infantil. O alerta é da coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Alessandra Pellanda.

A aprovação da PEC era fundamental para o financiamento do setor após a instituição do teto de gastos (EC 95), que congelou os investimentos em educação e saúde por 20 anos a partir de 2016. Com isso, a medida inviabilizou as metas do Plano Nacional da Educação, principalmente as referentes ao Custo Aluno Qualidade (CAQ) e Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi).

Nesses cinco anos de tramitação da PEC, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação atuou na articulação de setores de defesa da educação pública. Foram produzidas comunicações didáticas para explicar a pauta para a sociedade e a campanha abriu diálogos com parlamentares. Em entrevista, Pellanda relembra os principais desafios do processo, as conquistas e perdas do texto final e destaca o que esperar do Fundeb em 2021, seu primeiro ano em vigor. Para ela, a mobilização social foi decisiva.

Qual sua avaliação sobre a aprovação do novo Fundeb?
Andressa Pellanda: Representou uma grande conquista para a educação e, consequentemente, para a sociedade brasileira. A política de fundos, ainda que necessite melhorias, mostrou-se sólida e garantidora de direitos. O Fundeb anterior colaborou com a expansão da oferta, permanência e alguma melhoria de qualidade. Porém, necessitava de investimentos mais robustos, ser mais equitativo, indutor de qualidade e sustentável.

Quais as propostas da Campanha que foram aprovadas?
Pellanda: O fundo se tornou permanente; passará a receber 23% de complementação mínima da União em recursos novos, sem descobrir outros programas essenciais, como os que dependem do Salário-Educação. Ganha um sistema de distribuição híbrido, que considera o sistema atual, para não desestruturar nenhuma rede, mas traz inovações para equidade. Ele constitucionaliza o Custo Aluno-Qualidade como parâmetro de qualidade e mecanismo de controle social, melhoria da gestão, segurança jurídica, fazendo avançar a justiça federativa no Brasil. Incorpora o Sinaeb [Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica] como política de avaliação que inclui, mas também supera avaliações de larga escala. Por fim, destina 70% dos recursos para a valorização dos profissionais da educação e proíbe o desvio para pagamento de aposentadorias.

Quais outras conquistas merecem ser destacadas?
Pellanda: A atuação do movimento negro garantiu que parte do recurso, relativo a 2,5 pontos percentuais da complementação da União sob a sigla VAAR considerasse características de raça e etnia, trazendo um aspecto de financiamento afirmativo e antirracista. Isso ainda deverá ser regulamentado na Lei do Sinaeb, mas já foi dado mais um passo importante. Por fim, pudemos garantir a relação explícita dessa regulamentação com o CAQ, que era ausente do texto e foi incorporada.

Quais retrocessos o texto final apresenta?
Pellanda: Pontos que já haviam avançado na política de educação especial e abrem caminho para uma agenda oposta à educação inclusiva. O texto não define prazos e travas para vários conveniamentos, cujo uso deveria ser transitório e já superado, priorizando investimentos em educação pública. O texto também não é ousado nos fatores de ponderação para etapas e modalidades historicamente subfinanciadas e cujas distorções precisam ser imediatamente corrigidas, como educação infantil, do campo, quilombola, indígena e educação de jovens e adultos.

Como foram as disputas na construção desse texto?
Pellanda: Foram cinco anos de tramitação marcados por fortes tentativas de redução do recurso público para a educação pública, de privatização da educação e de desresponsabilização do papel da União no financiamento ativo da educação básica. Ataques que vieram de ONGs empresariais, como o Todos pela Educação; do governo Bolsonaro, via Ministérios da Educação e da Economia; de partidos da base aliada e ultraliberais, como PSL e NOVO; entre outros. Eles defenderam um percentual pífio de complementação [da União] de 15%; uso de recursos de outros programas para o Fundeb, em uma agenda de ‘cobertor curto’. Foram contra a incorporação do CAQ e defenderam políticas de financiamento com base em resultados em larga escala, que aprofundariam desigualdades educacionais em vez de corrigi-las. Porém, foram vencidos por nossos estudos técnicos de alto nível, mobilização social e articulação política de instituições e ativistas que defendem a educação como direito.

E os últimos momentos da aprovação da lei, em 2020?
Pellanda: Atabalhoados. E colocaram as conquistas da EC 108/2020 [, que tornou o Fundeb permanente e ampliou a participação do governo no financiamento da educação básica] em risco, pela possibilidade de virar o ano sem essa regulamentação, o que inviabilizaria o início de implementação do Fundeb a partir de janeiro de 2021. Havia ainda o risco de ser editada uma Medida Provisória com retrocessos, abrindo espaço para agendas privatistas e inconstitucionais. A Câmara dos Deputados aprovou um texto inicial que seria extremamente danoso ao Fundo, que poderia levar a uma perda de quase R$ 16 bilhões para o setor privado. A mobilização da Campanha, da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) conseguiram fazer com que esses pontos fossem rechaçados no Senado Federal e em última votação na Câmara. Não houve vetos.

Qual foi o papel da mobilização social nesses ganhos para o Fundeb?
Pellanda: Decisivo. Com o distanciamento social da pandemia, ocupamos as redes sociais, principalmente Twitter e Whatsapp. Conseguimos mostrar as vozes de educadoras e educadores de todo o país, dialogar com deputados e senadores e criar peças de comunicação que “traduzissem” o jargão da área do financiamento. Houve articulação institucional em rede e de advocacy, em negociações diretas nos bastidores. Merece destaque o trabalho do professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante de nosso Comitê Diretivo Daniel Cara nessa agenda de articulação com os partidos e parlamentares. Trabalho feito com a experiência de quase 15 anos na construção de leis para a educação.

Como ficou a costura no Fundeb com Sistema Nacional de Educação (SNE), Sinaeb e CAQ?
Pellanda: O Fundeb é uma política importante de financiamento da educação, mas não a única. Por isso, é importante que se relacione com todo o sistema da educação, para construirmos políticas que conversem e não tenham limitações já na sua estrutura legal. O Fundeb precisa ter relação direta com o SNE  que, ao ser regulamentado, fortalecerá o sistema federativo na área da educação. O mesmo para o Sinaeb, primordial para construir uma avaliação ampla, multidimensional e profunda da educação básica e de seu financiamento, trazendo mais eficiência às políticas educacionais e ao recurso público. Já o CAQ não somente alia qualidade ao financiamento da educação, como é mecanismo de transparência, possibilitando melhor gestão e controle interno e externo do recurso.

O que destacaria sobre o Fundeb em 2021?
Pellanda: Inicia-se sua implantação com percentual a mais de recursos da União e necessidade de ser construído com novos mecanismos de funcionamento. Houve um golpe na base de cálculo porque, em 2020, o governo reduziu o valor por aluno, o que influenciou também no piso salarial dos professores. Por isso, partiremos de um patamar menor nos dois casos. Também será necessário o processo de regulamentação do SNE, Sinaeb e CAQ — agendas grandes, complexas e necessárias ao bom funcionamento do Fundeb a médio e longo prazos. Para completar, foi sancionada, no final do ano, a LC 176, que trata dos novos repasses da União para compensar a isenção do ICMS sobre produtos exportados. A educação foi retirada do direito de recebimento desses recursos com a aprovação do novo Fundeb, ainda que precisássemos de ambos. Esses cortes são a forma do governo e apoiadores de um Estado mínimo seguirem subfinanciando a educação e cumprindo a agenda absurda do teto de gastos. Dessa forma, o ano de 2021 ainda será de muito trabalho.

Veja mais:

Especial Financiamento da Educação – de onde vem o dinheiro

 

Atualizada em 06/01/2021

 

https://www.institutoclaro.org.br/educacao/nossas-novidades/reportagens/novo-fundeb-deve-melhorar-distribuicao-de-recursos-para-educacao-diz-campanha-nacional/ 




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