Greve de estudantes na USP

Greve de estudantes na USP

Estudantes da USP lançam greve por contratação de professores

Curso de Letras é um dos mais prejudicados da universidade e estudantes reivindicam contratação de 114 professores. Segundo deputado, reitor e diretor podem ser convocados a dar esclarecimentos na Alesp

Na noite de segunda, 18 de setembro, pouco antes do início das aulas noturnas, professores e estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP receberam um comunicado de cancelamento de todas as aulas da unidade sob a justificativa de “iminente oportunidade de dados ao patrimônio público”. Em pouco tempo, uma assembleia se formou no saguão do prédio das Ciências Sociais, onde foi votada a adesão do curso à greve da Letras por contratação de professores. Às 19h, todos os prédios da FFLCH já tinham aderido à paralisação, com piquetes nas entradas. 

Ranqueada pela primeira vez entre as cem melhores universidades do mundo, de acordo com o QS World University, a universidade sofre com lotação de circulares, péssimas condições do seu Conjunto Residencial (CRUSP) e falta de professores em diversas unidades. Desde a última semana, estudantes da Letras realizam uma série de mobilizações por contratação de docentes. Segundo um Dossiê publicado pelo Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” (Caell) em 2023, só o curso de Letras precisa da contratação imediata de, no mínimo, oitenta professores, e de 114 para um funcionamento digno. Dados no Anuário USP e do Portal da Transparência mostram que a FFLCH perdeu 71 professores entre 2014 e 2023. 

“Desde o ano passado, quando voltamos do ensino remoto, tivemos falta de salas de aula para retornarmos de forma segura ao modo presencial. Neste ano, começou a ficar mais aguda a questão da falta de professores”, afirma João Vitor Pereira, de 22 anos, graduando em Letras/Espanhol e integrante do Caell. “Tive colegas que não conseguiram cursar Língua Espanhola 3, por exemplo, disciplina obrigatória oferecida uma vez ao ano. A pessoa tem a graduação atrasada por um ano.” Segundo o estudante, o curso teve uma série de disciplinas não oferecidas desde o início do ano, além de salas lotadas e esgotamento dos docentes. 

 

Assembleia Geral da USP pela greve que ocorreu na terça-feira, 19 (João Vitor Pereira)Assembleia Geral da USP pela greve que ocorreu na terça-feira, 19 (João Vitor Pereira)

Um dos departamentos mais prejudicados é o de Letras Orientais (DLO), que oferece graduação em sete habilitações: Árabe, Armênio, Chinês, Coreano, Hebraico, Russo e Japonês, algumas disponibilizadas apenas na USP. Letícia de Souza, de 19 anos, mudou-se neste ano da cidade de Valença, no interior do Rio de Janeiro, para São Paulo com o objetivo de cursar Coreano na USP. “A situação é bem frustrante, porque me distanciou de um plano que eu tinha criado, principalmente, de fazer intercâmbio para a Coreia durante a habilitação. Talvez tenha que escolher cursar outro idioma”, explica a jovem, que tem um interesse pela cultura coreana desde os 15 anos.

Ainda de acordo com o Dossiê, diversas habilitações foram fechadas no período noturno em razão da insuficiência do quadro docente. Souza explica que estuda no noturno porque estagia ao longo do dia: “Depois do trabalho, vou direto para a universidade e lá tenho aula até às 22h30”. A caloura acrescenta que, pela configuração atual, é muito improvável um aluno conseguir manter as aulas somente no noturno: “Temos que abrir exceções de dias para cursar disciplinas no matutino”. 

Em pronunciamento publicado em 17 de setembro, Paulo Martins, diretor da FFLCH, afirma que, nos últimos oito anos, apenas oito professores foram contratados pela faculdade. “Com a nova gestão reitoral houve a distribuição, dentro da universidade, de 879 Claros Docentes. Desses, 70 vieram para a FFLCH”, afirma. Martins alega que os cálculos das necessidades dos departamentos não são feitos pela direção, mas por uma comissão especializada, que avalia o número de docentes necessários. “Apenas dois cursos estão tendo algum tipo de problema com relação a esses concursos. Não nos chegou nenhum outro curso que esteja com problemas e que não estejam sendo respondidos. Esses são os cursos de Japonês e de Coreano”, acrescenta. 

Para Pereira, estudante de Letras/Espanhol, a fala do diretor não condiz com a situação experienciada pelos estudantes, já que outros cursos também apresentam problemas: “Neste semestre, a matéria de Literatura Japonesa Moderna II foi cancelada e várias pessoas tiveram sua formação atrasada por conta disso. Os cursos afetados incluem também o Espanhol, Francês, Alemão”. “Há professores que, quando ficam doentes, decidem dar aula ainda assim, mesmo sem ter certeza sobre a própria saúde, por não terem substitutos”, acrescenta o estudante. 

Em entrevista ao Roda Vida, em agosto de 2023, Carlos Gilberto Carlotti Junior, reitor da USP, afirmou que os esforços atuais são uma forma de voltar aos números de 2014, ano no qual a universidade passou por uma crise e teve redução do corpo docente, sob a justificativa de o número de cursos ser o mesmo. “Voltar aos números de 2014 não é suficiente, porque os números de 2014 não eram suficientes. Em 2014, as habilitações do DLO não estavam disponíveis nos dois períodos e já era muito precarizado”, explica Pereira. Segundo a Associação de Docentes da USP (Adusp), o déficit é de 1039 professores na universidade. 

Na Assembleia Geral da USP desta terça, 19, foi aprovada greve geral a partir de quinta, 21, em defesa de melhores condições de permanência estudantil e contratação de professores. 

A QUESTÃO DA USP NA ALESP 

Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) afirma que, no primeiro semestre de 2023, realizou uma audiência pública com os estudantes da FFLCH na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). “Estamos acompanhando isso há um bom tempo, não só no curso de Letras, mas também em toda a FFLCH, na Pedagogia, na Matemática… Inclusive, a USP tem promovido Programas de Demissão Voluntária, para que os servidores saiam”, afirma o deputado. 

Giannazi destaca que os cursos mais precarizados são também os que contam com o maior número de estudantes periféricos: “Há um desmonte deliberado, muito por conta da presença de alunos de escolas públicas e que entraram por meio de cotas raciais”. “Eu protocolei uma convocação em caráter de extrema urgência nesta terça, 19, para que o diretor Paulo Martins e o reitor Carlos Gilberto Carlotti venham participar em duas comissões, na de Educação e Cultura e na de Ciência e Tecnologia, na qual está inserida a USP, para explicar a demora nas contratações. O requerimento deve ser aprovado nesta semana e isso deve acontecer em duas semanas”, explica o deputado. 

Outro dado mencionado por Giannazi diz respeito ao orçamento aprovado para a USP em 2023: “A universidade tem o maior orçamento de sua história em 2023, com R$ 8,4 bilhões. E, mesmo assim, não foram feitas as contratações ou ocorrem por modelos temporários e precarizados”, afirma. O deputado acrescenta que levará o caso para o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, para que seja investigada a contratação de professores via contratos temporários.

FONTE:

https://diplomatique.org.br/estudantes-da-usp-lancam-greve-por-contratacao-de-professores/ 




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