Greve Sanitária da Educação
A Greve Sanitária da Educação e a polêmica volta das aulas presenciais
Escolas sem condições e precipitação na reabertura são algumas das questões que permeiam a volta das aulas presenciais em Porto Alegre; no Estado, só 7% das escolas receberam alunos.
Filipe Bertoglio / #ExplicaçãoHumanista
Apenas 80 das 1.136 escolas de ensino médio e técnico mantidas pelo Estado do Rio Grande do Sul receberam alunos depois que o retorno das atividades presenciais foi autorizado, na terça-feira, dia 20, em meio à pandemia de Covid-19; 7% do total. O balanço foi divulgado nesta quinta-feira, 22, pela Seduc (Secretaria Estadual da Educação): 443 instituições de ensino são de municípios com decretos proibindo o retorno presencial.
Em Porto Alegre a situação é ainda mais conturbada. Paralisadas desde março devido às medidas de prevenção ao novo coronavírus, as aulas e atividades presenciais das escolas públicas e privadas começaram a retornar em 28 de setembro. Mediante decreto, a prefeitura estabeleceu um retorno gradativo, durante os meses de setembro, outubro e novembro, alegando já haver condições sanitárias para a reabertura, justificadas por estudo da SMS (Secretaria Municipal de Saúde).
O Simpa (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre), do qual fazem parte muitos professores da rede municipal de ensino, reagiu e decidiu, em assembleia, pelo início de uma greve sanitária, que entrou em vigor na segunda-feira, dia 19. A entidade afirma que a decisão da prefeitura foi precipitada e que a maioria das escolas municipais não oferece condições sanitárias para o retorno das atividades presenciais.
Mas o que é uma greve sanitária e por que o Simpa optou pela medida? Qual o futuro das aulas presenciais na rede municipal? São as respostas que o Humanista buscou ao se debruçar sobre os primeiros dias de retorno das atividades.
Por que retornar ao presencial?
No dia 18 de setembro, a prefeitura de Porto Alegre liberou um parecer técnico a respeito das condições sanitárias e da situação de enfrentamento ao coronavírus na capital. O estudo feito pela Secretaria Municipal de Saúde serviu como embasamento para a retomada das atividades presenciais de ensino, tanto das redes públicas, quanto privadas em Porto Alegre.
Baseando-se principalmente na taxa de ocupação de leitos de UTI por pacientes com Covid-19, o estudo concluiu – ao analisar o período do dia 12 ao dia 19 dos meses de junho, julho, agosto e a primeira quinzena de setembro – que houve uma estabilização no que diz respeito a esse indicador. Somados a isso, outros fatores foram levados em conta, como a solicitação diária de leitos de UTI para Covid-19, a taxa de ocupação de enfermarias Covid, a evolução da taxa semanal de casos, entre outros. O estudo completo está disponível na página sobre Volta às Aulas da prefeitura.
Além da justificativa sanitária, a prefeitura afirma que o retorno às aulas é essencial para os desenvolvimentos cognitivo e emocional da criança. “Houve prejuízos na aprendizagem pela ausência do contato presencial entre professor e aluno por mais de seis meses. O ensino precisa seguir para garantir o bem-estar, a saúde e o acesso ao conhecimento dos alunos”, afirma a cartilha disponível no site da prefeitura. “As aulas presenciais são determinantes para a educação e precisam ser retomadas para que se evitem mais perdas no processo de aprendizagem das crianças. Há segurança sanitária para o retorno, conforme mostram os dados epidemiológicos da Secretaria Municipal da Saúde.”
A partir disso, foi estipulado pelo Decreto 20.747, de 1º de outubro, um retorno gradativo das atividades nas redes pública e privada da capital gaúcha, respeitando medidas profiláticas e sanitárias nas instituições de ensino para prevenção, detecção e comunicação de casos de Covid-19. O calendário do retorno seguiria estas datas:
O Decreto estipula um protocolo sanitário unificado, a ser adotado por todas as instituições de ensino de Porto Algre. O texto trata de medidas de comunicação – tais como produção de materiais instrutivos para a comunidade escolar e famílias e notificação a todos os envolvidos de casos suspeitos ou confirmados -, de distanciamento físico – distância de 1,5 metro entre mesas e cadeiras, limitação de 15 alunos por sala, e diminuição dos fluxos dentro da escola e em horários de entrada e saída -, de equipamentos – uso de máscaras por pais, alunos e professores, com ressalvas especificadas -, de higienização e cuidados com o ambiente – limpeza de superfícies comuns a cada turno, não compartilhamento de materiais pessoais e disposição de álcool gel 70% em todos os ambientes da escola. O decreto também traz medidas que dizem respeito à detecção de casos e ao transporte escolar.
A greve
No dia 5 de outubro, deu-se, efetivamente, o retorno das atividades em 159 escolas municipais e comunitárias de Porto Alegre, para a educação infantil, terceiros anos do ensino médio e EJA (Ensino de Jovens e Adultos). Reportagem do jornal Sul21, porém, questionou as condições de preparação das escolas públicas. Diretores de colégios como Saint-Hilaire e Anísio Teixeira relataram dificuldades de acesso à verba extra disponibilizada pela prefeitura, por motivos burocráticos, por tempo insuficiente para o devido preparo da escola – as aulas presenciais foram anunciadas no dia 14 de setembro – e por falta de especificações no decreto, no que diz respeito à aplicação, fiscalização e manutenção das medidas sanitárias exigidas.
Em resposta às condições observadas no retorno às aulas, o Simpa decidiu manter a decisão de greve sanitária, tomada no dia 25 de setembro, que entrou efetivamente em vigor no dia 19 de outubro. A greve sanitária, ou ambiental, é assegurada por jurisprudência do TST e tem por finalidade “implementar adequadas e seguras condições de trabalho, enquanto bem de uso comum do povo. O objetivo específico de tutela é a saúde e a qualidade de vida do trabalhador”, diz parte do texto. Tratando-se, portanto, de direito à saúde e à vida, a greve sanitária, quando corretamente baseada, não necessita preencher todos os requisitos exigidos na Lei de Greves e é amparada pelo Artigo 9º da Constituição Federal.
O Sindicato indica a falta de adequação das escolas como motivo de risco à saúde de alunos, famílias e da comunidade escolar. “Nós temos documentos de 80 escolas (num universo de 98 escolas da rede municipal) que comprovam a inadequação sanitária para o retorno presencial”, afirma Márcia Loguercio, diretora adjunta de saúde do trabalhador do Simpa. “Estamos fazendo um mapa da Covid, então nós já temos nas nossas escolas 23 casos confirmados […] desde o anúncio da necessidade do retorno.”, completa Márcia. Os casos ocorreram principalmente em equipes plantonistas das direções das escolas.
De acordo com a entidade, a precipitação da volta às aulas é exemplificada em diversos níveis. Segundo Márcia, muitas escolas tiveram de demitir equipes terceirizadas de limpeza durante a paralisação, e as equipes recém contratadas não tiveram tempo para treinamentos de segurança para mitigação da pandemia. Em matéria de orientações para a sala de aula, o decreto não especifica como deve ser feita a logística de distribuição de alunos em grupos, para que não se exceda o limite de alunos por sala, levando em conta as medidas de distanciamento físico. O documento também deixa a cargo da escola a medição de temperatura de pais e alunos no portão de entrada: “Nós não temos portaria, nem serviço de guarda nas escolas, acabou nesse governo Marchezan […] Quem é que vai fazer esse controle? Vai ter que ser um professor, alguém da equipe […] e vai estar em desvio de função.”
Segundo o decreto, também ficaria a cargo das escolas a aquisição de EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) – tais como máscaras, escudos faciais e luvas – e a produção de materiais instrutivos sobre cuidados e higiene. Contudo, devido à paralisação, a troca de direções nas escolas só foi feita há poucos dias e em várias das instituições os trâmites burocráticos, de ordem bancária e cartorial, necessários para acesso à verba, ainda não foram completados. “Tem escolas que acessaram verba, mas que tem que fazer o plano para a compra (dos EPI’s), isso está escrito na legislação, tu não compra de um lugar qualquer, tem que ter no mínimo três orçamentos.”, explica Márcia. Além disso, para estabelecer as quantidades a serem adquiridas, é necessário um levantamento do quadro de docentes e equipe, de quantos são do grupo de risco ou estão com a doença, por exemplo.
Além das medidas relacionadas à mitigação do quadro da pandemia nas escolas, as instituições, paralisadas desde março, estão enfrentando outros problemas de diversas ordens. “Tem de tudo nessas escolas, janelas que não abrem, […], escola que não tem capina, que o mato tem dois metros de altura, escola que está sem água, sem condições elétricas”, alega Márcia. As novas direções devem, portanto, lidar simultaneamente com ajustes infraestruturais e de ordem sanitária. Devido a isso, os números de adesão à greve do Simpa são incertos. “É difícil de dizer quantas escolas não abriram por conta de greve, porque várias escolas não abriram por questões sanitárias.” Das 42 escolas infantis, apenas 19 estão em funcionamento, e nas escolas fundamentais, apenas 6 de 56 reabriram. As outras permanecem fechadas por motivos diversos.
Futuro incerto
Apesar das alegações do Simpa, a Justiça determinou, na quarta-feira, dia 21, o encerramento da greve e o retorno total dos professores da rede municipal de ensino às atividades. O texto do desembargador Leonel Pires Ohlweiler alega “inexistente a motivação declarada para o movimento paredista, acarretando violação à Lei 7.783/89, fixando multa diária de R$ 40 mil por dia de descumprimento da decisão judicial”. O Simpa já emitiu nota, ainda na quarta, afirmando que recorreria da decisão.
FOTO DE CAPA: Banco de imagens Pixabay