Ideologia desmonta o RS
A ideologia que vem desmontando o estado do RS peça por peça
A aprovação na Assembleia Legislativa, no final de junho, do projeto de reestruturação do IPE Saúde, proposto pelo governo Eduardo Leite (PSDB), representa mais uma etapa da aplicação de uma ideologia que mergulhou o Rio Grande do Sul em uma situação de estagnação econômica e deterioração social.
O discurso que expressa essa ideologia é monotemático: privatizações, desmonte de estruturas públicas do estado, retirada de direitos dos servidores públicos, enfraquecimento dos serviços públicos, renegociações de dívida com a União que não só não resolvem a crise financeira, como também a agravam. Tudo isso feito em nome da suposta necessidade de sanear as finanças do RS. No entanto, objetivamente, quanto mais essa cartilha é aplicada, mais o estado fica estagnado.
O receituário privatista e de ataque permanente ao setor público começou a ser implementado de forma mais sistemática no governo de Antonio Britto (PMDB, na época), com a privatização da Companhia Riograndense de Telecomunicações.
A CRT, vale lembrar, foi privatizada em duas etapas: a primeira ocorreu em 1996, quando o estado vendeu 35% de suas ações, e a segunda, em 1998, quando o restante das ações foi vendido. Ambas as etapas ocorreram no governo Britto. O vencedor dos dois leilões foi o consórcio formado pela Telefónica de Espanha e pelo Grupo RBS, principal propagandista ideológico dessa cartilha que, segundo incontáveis editoriais publicados no jornal Zero Hora, tiraria o estado da crise e o levaria a um período de prosperidade e empreendedorismo.
Além de vender a CRT e uma parte da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Britto firmou um acordo de renegociação da dívida com a União (do então governo Fernando Henrique Cardoso), o qual, supostamente, resolveria de uma vez por todas a crise financeira do estado, o que, como se sabe, não aconteceu.
Caso fosse reeleito, o seu próximo alvo para privatização era o Banrisul, o que acabou não ocorrendo em razão da vitória de Olívio Dutra (PT), nas eleições estaduais de 1998. Os quatro anos do governo Olívio e, mais recentemente, os quatro anos do governo Tarso Genro constituem o único período na história política recente do estado em que a cartilha neoliberal não foi aplicada no Rio Grande do Sul. Coincidentemente (ou não), foram os dois únicos períodos de quatro anos em que a economia gaúcha cresceu acima da média nacional (9,8% contra 9,6% no governo Olívio Dutra e 10,8% contra 9,7% no governo Tarso Genro).
Esses dois governos representam duas ilhas cercadas pelos governos de Antonio Britto, Germano Rigotto, Yeda Crusius, José Ivo Sartori e, agora, Eduardo Leite. Em todos esses, os servidores públicos perderam direitos e a população, serviços públicos.
Conforme levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o número de servidores do Poder Executivo do Rio Grande do Sul caiu 19,7% nos últimos seis anos, passando de 153.040 trabalhadores ativos em 2015 para 122.852 em 2021.
Por outro lado, a população do estado aumentou de 11,175 milhões de habitantes, em 2015, para 11,442 milhões, em 2020. Ou seja, 267 mil pessoas a mais para serem atendidas por serviços públicos com 30.188 servidores a menos. Só na área da Saúde, o número de servidores diminuiu 29,2% no referido período, passando de 4.547 servidores (2015) para 3.219 (2021), totalizando 1.328 servidores a menos.
Peça por peça
Depois de privatizar a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) e encaminhar a venda da empresa de transmissão de energia elétrica do Grupo CEEE, o governo Eduardo Leite partiu para privatizar a água e o saneamento, vendendo a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), processo que ainda é objeto de uma disputa judicial. Confirmada a privatização da Corsan, o estado terá entregue para a iniciativa privada os setores de água e energia, dois serviços públicos essenciais à população. Tudo em nome da “superação” da crise financeira e da “modernização” do estado.
Em 2022, Eduardo Leite defendeu e implementou a adesão do Rio Grande do Sul ao chamado Regime de Recuperação Fiscal (RRF), um novo acordo de renegociação da dívida com a União, argumentando que esse seria o melhor caminho para resolver a questão da dívida do estado.
Em contrapartida, o RS se comprometeu a adotar medidas de ajuste fiscal e a privatizar empresas públicas, entre outras medidas. Agora, um ano depois, Leite admite que será preciso “repactuar” esse acordo e que ele não resolve o problema do endividamento do estado. Assim, o setor público do RS vai sendo desmontado peça por peça sem que a prometida solução da crise se confirme e sem que a economia do estado como um todo saia do quadro de estagnação.
Marco Weissheimer é colaborador mensal do jornal Extra Classe.
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