IE, redução de turmas e privatização
Instituto de Educação: Redução de turmas e ‘privatização’ de espaços provocam temor
Escola deixou prédio histórico com 1,4 mil alunos em 2016 e deve voltar com 1 mil em 2024, dividindo espaço com outros serviços.
Por Luís Gomes 21/07/2022
O governador Eduardo Leite (PSDB) visitou na quarta-feira (19) o Instituto de Educação General Flores da Cunha e reafirmou a promessa de que as obras de restauro do prédio histórico, localizado na Av. Osvaldo Aranha, estarão concluídas para que os alunos retornem ao local no início do ano letivo. Desde 2016, os alunos do IE têm aulas em quatro locais diferentes, o que fez com a que escola tivesse uma redução dos cerca de 1,4 mil estudantes, na época da saída do prédio, para os atuais 1.005 matriculados.
Segundo o governo do Estado, 60% das obras, cujo orçamento atual está previsto em R$ 23,4 milhões, já estão concluídas. A principal polêmica em relação à reforma é de que, diferentemente do que previa o projeto original, o prédio não abrigará apenas a escola, mas também outros três novos espaços.
Dos 12 mil metros quadrados de área total, 2 mil m² serão destinados para o Museu da Escola do Amanhã. Outros 2 mil m² serão divididos entre o Centro de Formação e o Centro Gaúcho de Educação Mediada por Tecnologias (Cegemtec). Isto é, a escola perderá um terço de seu espaço original no prédio. Na prática, isso significa a redução do número de salas de aula, de 27 para 17. A escola também contará com dois refeitórios (um para a escola básica e outro para a educação infantil), uma quadra coberta, uma quadra descoberta e três laboratórios.
A deputada estadual Sofia Cavedon (PT), que preside a Frente Parlamentar em Defesa do IE 100% Escola Pública, encaminhou na última terça-feira (18) um ofício ao procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, com uma série de apontamentos referentes ao restauro da escola.
Uma das principais preocupações da deputada é o encerramento da Educação Infantil no prédio da Osvaldo Aranha e a redução de 27 para 17 salas de aula destinadas à educação. “O prédio restaurado do IE tem 27 salas de aulas, mais laboratórios, sendo que o da Educação Infantil são cinco salas que proporcionam cinco turmas de turno integral ou 10 turmas de meio turno, além de contar com lactário e refeitório, e a Seduc prevê somente uma turma de Educação Infantil, e no Dinah”, diz.
Sofia refere-se ao Colégio Professora Dinah Néri Pereira, anexo do Instituto de Educação, que passará a receber turmas de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental, proposta que é criticada pela deputada, uma vez que faria quase dobrar a previsão de alunos no anexo. “Hoje, a escola [Dinah] tem 243 alunos. Pela proposta da Seduc, passará para 434, mesmo com espaços restritos, sem acessibilidade, quando chove não tem recreio, pois o pátio coberto é pequeno, não tem segurança e uma única entrada e saída”, diz a deputada.
Sofia questiona ainda o fato de que, segundo o projeto apresentado pelo governo, apenas alunos da 6ª série em diante serão atendidos no prédio histórico da Osvaldo Aranha.
Diretora do Instituto de Educação, Alessandra Lemes pontua que a escola solicitou a manutenção das atuais turmas e que, apesar de ser uma responsabilidade municipal, ao menos uma é necessária em razão do Curso Normal. “Todos os anos, na verdade, a gente tem quase que uma luta para conseguir a manutenção de abertura das turmas de educação infantil e tentar manter o número que se tem. Nós queríamos manter três turmas, não foi possível. Nos liberaram apenas uma para este ano. A gente insistiu e conseguimos mais uma, então estamos com duas turmas de educação infantil e pretendemos mantê-las. É certo que uma turma eles autorizam, agora a outra a gente vai ver como fica”.
A posição oficial da Secretaria de Educação (Seduc) é de que, conforme preconiza o Regime de Colaboração e a Constituição, a prioridade do governo do Estado é a gestão do Ensino Fundamental, compartilhada com os municípios, e do Ensino Médio, sendo a Educação Infantil prioridade dos municípios. “A Educação Infantil do Instituto seguirá sendo atendida sem nenhum prejuízo aos alunos matriculados. Haverá permanência de pelo menos uma turma de EI como turma de aplicação do Curso Normal e Aproveitamento de Estudos, formação Magistério”, diz nota da secretaria.
Sofia avalia que, apesar de a educação infantil ser, sim, de responsabilidade municipal, há falta de vagas no município de Porto Alegre e o fechamento das turmas no IE amplificará o problema.
A deputada também expressou preocupação com o fato de que o governo vem afirmando que as instalações das estruturas paralelas à escola não terão custo para o Estado, mas que um projeto de colaboração técnica traria a previsão de uma parceria com a empresa privada Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IBG), em que o Estado gastaria R$ 21,4 milhões somente para formular as diretrizes de gestão. Ou seja, quase o mesmo montante da previsão de gastos totais com a reforma do IE. Para Sofia, a proposta de colaboração técnica prevê serviços “muito semelhantes” ao acordo de cooperação técnica já firmado, e que deveria ser gratuito, como a elaboração de diretrizes, projetos, diagnósticos para a implantação do CDPE, do CEGEMTEC e do MUSEDUCA.
Além disso, avalia que as mudanças no projeto promovidas no governo Leite atrasam a obra e trazem perdas pedagógicas e econômicas para a educação estadual, tomando parte importante da escola para outros fins, que poderiam ser desenvolvidos em outros espaços. “Para que se tenha uma ideia, a fim de transformar o IE em Museu, o governador pretende retirar do edifício toda a Educação Infantil, quebrando a integralidade de atendimento do Educandário que atende Curso Normal e seu currículo prevê a prática de ensino”, diz a deputada no documento.
Ela pede que o MPC investigue os fatos relacionados a possíveis prejuízos aos estudantes e aos princípios da eficácia, transparência, impessoalidade e economicidade na gestão da reforma.
Mãe de dois alunos do IE que se formaram durante o período da reforma, Maria da Graça Moralles já presidiu a Comissão de Restauro do Instituto de Educação e hoje atua no Movimento em Defesa do IE. Ela avalia como negativos os anúncios recentes do governo do Estado. Maria da Graça diz que a qualificação dos espaços para a escola e para o usufruto dos estudantes foi o que o motivou a mobilização da comunidade escolar para garantir a reforma do prédio.
“O que está acontecendo? É uma peça publicitária, em que o governador se promove em cima de um projeto construído de restauro que já estava em andamento e o governo dele interrompeu, alegando falta de recursos financeiros. Ele mostra a obra como se tivesse sido um trabalho dele, quando, na realidade, o governo dele paralisou essa obra porque achava que era muito dinheiro para investir em uma escola. Ele só tocou de novo, não quando tinha recursos, mas quando tinha um novo projeto. E dá para ver, claramente, a privatização entrando ali”, afirma.
A reforma do IE começou a ser pleiteada pela comunidade escolar em 2010, quando se verificou a necessidade de seis reformas nos prédios da escola, que estava com o ginásio de esportes prestes a ser interditado, problemas no telhado, falhas na rede elétrica, entre outros. A reforma só seria aprovada em 2013, no então governo de Tarso Genro (PT), que buscou um empréstimo junto ao Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) para bancar a obra, orçada então em R$ 22,5 milhões.
O governo realizou as licitações do projeto e para as obras de fato, que foram vencidas pela empresa Portonovo Empreendimentos e Construções Ltda, mas esta só assinaria o contrato ao final de 2015, já no governo de José Ivo Sartori (MDB). Para o início das obras, os alunos do IE foram transferidos para as escolas Roque Callage, Rio Branco e Felipe de Oliveira no início de 2016. Apenas as crianças dos anos iniciais permaneceram na Dinah Neri, prédio anexo do IE que seguiu aberto após o início das obras.
No entanto, por conta do atrasos nas obras, que nunca passaram de 10% do cronograma previsto, a Seduc decidiu romper o contrato com a Portonovo em agosto de 2017. Um novo processo licitatório foi aberto e só encerrado em 2018. Vencedora do processo, a Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S.A. retomou as obras em 17 de outubro de 2018. No entanto, devido a seguidos atrasos nos pagamentos por parte do governo do Estado, a empresa alegou que não tinha mais condições de seguir a reforma e interrompeu os trabalhos em 1º de agosto de 2019 e, sem que a situação fosse resolvida, parou totalmente em setembro.
Apenas em 14 de outubro de 2021, o governador Eduardo Leite anunciou a retomada das obras como parte do programa Avançar na Educação. A retomada, contudo, ocorreria a partir de uma mudança no projeto, com a escola passando a partilhar seu espaço com a implantação do Centro de Desenvolvimento dos Profissionais da Educação, do Centro Gaúcho de Educação Mediada por Tecnologias e do Museu Escola do Amanhã.
“O governo, durante a crise fiscal, não conseguiu sustentar os pagamentos e as obras pararam. Retomamos esse processo e hoje fico muito feliz em ver os resultados. O prédio ficará totalmente recuperado e renovado e também receberá um centro de educação mediada por tecnologia, um centro de formação de professores e um museu, que queremos que seja visitado por toda a nossa rede e por outras redes de ensino como uma referência e um farol para a educação do futuro”, disse o governador, durante a visita às obras da escola.
Maria da Graça questiona o benefício que os alunos do IE terão com as promessas de inovação tecnológica do governo do Estado. Para ela, os novos espaços prometidos resultarão, de forma negativa, na retirada de espaço que deveria ser dos alunos. “O Instituto de Educação General Flores da Cunha foi construído em 1935 como um projeto de escola em uma área central, para ter amplo acesso à educação pública”, diz.
Ela acredita que o projeto de restauro deveria contemplar a possibilidade de recuperar o número de alunos perdidos ao longo do tempo, uma vez que, na época da saída do prédio, a escola já funcionava abaixo de sua capacidade em razão dos problemas estruturais. “Aquele espaço, em tempos áureos, já teve até 3.000 alunos. Que alunos nós vamos atender? Alunos de escola pública, alunos que precisam, alunos que trabalham. A gente atendia Grande Porto Alegre, porque é de fácil acesso. Então, é isso que está sendo tirado da comunidade portoalegrense, um espaço de educação, de informação, para criar um centro de referência que não diz nada para os alunos. Vem para satisfazer uma propaganda de governo, mas não para colocar ali alunos que possam ser educados todos os dias, que tenham aulas ali”, diz.
Já a diretora Alessandra Lemes avalia de forma mais positiva. Ela pontua que, agora, é possível dizer que as obras estão acontecendo e imaginar que o próximo ano letivo já iniciará com o “retorno à casa”. “Após sete anos fora daquele espaço, agora a gente vê uma perspectiva positiva de retorno, para que a gente possa iniciar o ano letivo de 2024, assim a gente espera, nessas novas instalações. Para nós, comunidade escolar, alunos e professores, que estamos ainda hoje partilhados em espaços diferentes, é motivo de alegria”, afirma.
Alessandra afirma que o compromisso assumido pela Seduc é de que a comunidade escolar do IE terá autonomia para definir como o espaço da escola será utilizado e que isso ocorrerá a partir do mapeamento anual, a ser realizado no último trimestre deste ano, de quantas turmas serão abertas para o ano seguinte. “E aí a gente vai esperar que sejam homologadas, o que não depende de nós. Mas, a princípio, pretendemos manter o número de turmas que temos hoje. O espaço contempla esse número de turmas”, diz.
A respeito do número de turmas que a escola terá, Alessandra afirma que é necessário “trabalhar dentro de uma perspectiva bem mais realista”. Ela destaca que a escola chegou a ter mais de 2 mil alunos em outra época e que, quando deixou o prédio para a reforma, já estava reduzido a 1.426 alunos. Ela pontua que questões demográficas captadas no Censo de 2022, como o aumento da taxa de mortalidade e queda da taxa de natalidade, indicam que não é possível retornar a um número muito superior a este. Ainda assim, acredita que, com o retorno para o prédio do IE, que é de acesso mais fácil, a tendência é, sim, aumentar o número de alunos.
“Esse número que nós almejávamos, ele realmente não vai ter mais, porque as famílias têm poucos filhos, tem todo uma questão demográfica. Mas, assim, é da manutenção deste número atual até uma capacidade possível que a escola tem de 1.500 a 1.600 alunos, isso comporta perfeitamente. Por quê? Porque as sala de aulas que temos lá são maiores do que as que gente hoje utiliza nos espaços que ocupamos. São salas de aula mais amplas, com capacidade para até 30, 35 alunos, coisa que, nos espaços que temos hoje, a possibilidade máxima é 25 alunos. Mais do que isso, infelizmente não se tem mais público”, avalia.
A Seduc informa que a instituição de ensino possui atualmente 1.005 alunos matriculados, sendo 34 da Educação Infantil, 556 no Ensino Fundamental, 371 no Ensino Médio e 44 na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e que eles “poderão retornar aos estudos no local após a conclusão das obras”.
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