Ilusão do eleitor
A grande ilusão do eleitor
Política é, em boa parte, um jogo de retórica e encenação. Talvez por isso o eleito seja chamado de representante. A esquerda costuma chantagear o eleitor com uma ameaça: se a direita ganhar, o fascismo tomará conta de tudo. A direita dá o troco: se a esquerda vencer, o comunismo entrará pela porta da frente dos lares. Outra ilusão vendida ao cidadão é a que diz respeito à prioridade numa eleição. Por exemplo, tirar fulano do poder. Ingênuo, o votante pensa que os grupos com afinidades ideológicas se juntarão, com a chapa mais competitiva, para alcançar a meta fixada e alardeada como fundamental para o futuro da coletividade.
Logo se percebe que há outras prioridades mais urgentes e nem tão dissimuladas quanto gostariam os seus defensores: o interesse dos partidos, a vontade de um candidato, o lugar de cada ator na estrutura de poder de uma sigla. Tirar fulano do poder costuma ser apenas a terceira prioridade. O eleitor, porém, tem as suas astúcias. Boa parte finge que acredita e, na hora do voto, crava a sua prioridade. Na prática, é assim: o partido pensa antes de tudo na sua estratégia de ocupação de poder. Dentro dele, quem tiver mais força, impõe o seu nome ou nome que quiser. A partir daí é convencer o eleitor de que a escolha feita deve ser validada.
Nesse jogo entram elementos externos incontornáveis. A rejeição de alguém pode ser injusta, mas é um dado de realidade, um fato, e não se pode ignorá-la. O “teimoso” do eleitor quando rejeita alguém não quer saber se está certo ou errado: rejeita e ponto. Não gosta e não vota. Por que desafiá-lo então? Por arrogância, vontade de tentar a sorte, vaidade, exposição e, dizem os paranoicos, até para queimar um nome nas disputas internas de uma tribo. O eleitor não é racional. Não vota só por razões econômicas. Tem suas manias, seu estilo, suas loucuras. É assim mesmo.
Em São Paulo, a rejeição ideológica a Guilherme Boulos (PSOL) deve bloquear o seu caminho no segundo turno, que é quando as abóboras tendem para o centro do caminhão, mesmo que esse centrismo seja apenas ilusão de ótica para a classe média ver. Ricardo Nunes é o bolsonarismo atucanado. No Brasil atual a polarização direita/esquerda domina como nunca. O duelo mais direto é entre PT e PL. Mas pode também se dar por meio de outras siglas satélites: MDB, PSD, PSOL. O PDT, no Rio Grande do Sul, consegue a proeza de ser municipalmente neutro e nacionalmente engajado à esquerda. Há quem chame isso de diversidade interna. Outros preferem o termo incoerência. A cada um conforme a sua capacidade hermenêutica pragmática.
Apesar de sexagenário e vacinado contra retórica partidária, volta e meia caio na arenga sobre a prioridade de uma campanha. No meio de caminho é que percebo as pedras. Elas estavam, porém, visíveis desde o começo: pouca discussão, falta de espírito para uma escolha aberta dos nomes, jogo jogado de antemão ou pelas regras de quem dá as cartas e joga de mão. Ilegítimo? Não. Ilegal? Tampouco. Ilusório? Até a raiz da lógica política.
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