Impactos do modelo de escolas militarizadas
Exclusivo: As escolas cívicas-militares são parte de um projeto das Forças Armadas para 2036
Em entrevista do Fórum Onze e Meia, a especialista falou sobre as perspectivas para a educação no Brasil e os impactos do modelo de escolas militarizadas imposto durante o governo Bolsonaro
Catarina de Almeida Santos, pedagoga e doutora em educação pela USP.
Créditos: Nina Quintana/Flickr
Por Ana Mércia Brandão
Escrito en BRASIL el 17/7/2023
O governo Lula comunicou na última quarta-feira (12) que vai encerrar o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), uma herança da gestão de Jair Bolsonaro. O programa foi lançado em 2019 e era a principal bandeira do governo da extrema-direita para a educação. No bojo do otimismo em torno do encerramento do Pecim, através do programa o Fórum Onze e Meia, a Revista Fórum conversou com a pedagoga e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), Catarina de Almeida Santos, para entender o que está por trás da militarização escolas, quais seus impactos e quais as perspectivas, de forma geral, para a educação no Brasil.
“Se a criação do Pecim contribuiu para a expansão e ajudou nesse processo de militarização, há lógica em acreditar que o fim do Pecim possa frear esse processo. Mas essa descontinuidade do Programa precisa vir acompanhada de uma ação de desmilitarização, já que é um processo ilegal e inconstitucional, que não está previsto em nossa base legal, nem na Lei de Diretrizes e Bases da educação”, explica Catarina.
O modelo das escolas cívico-militares é diferente daquele das escolas militares mantidas pelo Exército, são as chamadas escolas militarizadas. Para além do Pecim, a militarização de escolas é realidade também como medida de governos estaduais e municipais no Brasil, e exige debate. Para a pedagoga, que atualmente é professora associada da Universidade de Brasília (UnB), isso faz parte de um projeto de manutenção da estrutura social que engloba, também, iniciativas como o homeschooling e o projeto Escola Sem Partido.
“É um projeto de sociedade que está imbricado na lógica da militarização, assim como em todas as bandeiras conservadoras, de conservação dessa estrutura presente em nossa sociedade. Portanto, não é possível analisar a militarização das escolas fora desse projeto, fora da militarização do Estado como um todo, e da militarização em âmbito mundial”.
Leia a entrevista na íntegra a seguir, que foi gravada ao vivo no programa Fórum Onze e Meia, da TV Fórum, e apresentada por Luiz Carlos Azenha e Ana Prestes.
Ana Prestes - Foi muito discutida a decisão do governo Lula e do ministro da Educação, Camilo Santana, de descontinuar um programa de militarização das escolas estabelecido no governo Bolsonaro. Como chegamos a esse processo de militarização, quais seus efeitos e o que significa a descontinuidade desse programa hoje?
Catarina de Almeida Santos - A primeira questão que precisamos debater é que a militarização não começou em 2019 com o Pecim. Quando falamos de militarização, estamos nos referindo à transferência das escolas civis públicas, por decisões de gestores locais ou, no caso, pelo Pecim, para as diferentes forças de segurança, e inclusive para organizações privadas formadas por policiais para atuarem nessas escolas. Isso se expandiu muito nos últimos anos.
Em meados da década de 1990, essa questão da militarização ganhou força em Goiás, quando o então governador Marconi Perillo militarizou a Escola Hugo de Carvalho Ramos, que fica em uma região relativamente nobre de Goiânia. A partir disso, o Marconi Perillo continuou esse processo de militarização, que se espalhou para outros estados do Brasil, como Bahia e Amazonas. Vários outros estados entraram nessa lógica de militarizar escola, ou seja, de repassar as escolas que todos nós estudamos para as polícias.
Isso é diferente das escolas militares, que são as escolas que pertencem ao Exército, e das escolas que pertencem a algumas polícias militares estaduais e das escolas do Corpo de Bombeiros. No início de 2019, tínhamos cerca de duzentas escolas militarizadas no país, predominantemente nas redes estaduais, mas também nas redes municipais, algo que ocorria muito na Bahia. Com o Pecim, esse tema entrou na agenda nacional e o processo de militarização se expandiu. Então, hoje, temos mais de mil escolas militarizadas no Brasil. É difícil ter um número exato, pois os municípios militarizam por conta própria, e são cinco mil e seiscentos municípios. Então, não temos um dado exato de quantas escolas foram militarizadas.
Estou falando de números aproximados do que já conseguimos levantar. Se a criação do Pecim contribuiu para essa expansão e ajudou nesse processo de militarização, há lógica em acreditar que o fim do Pecim possa frear esse processo. Mas essa descontinuidade do programa precisa vir acompanhada de uma ação de desmilitarização, já que é um processo ilegal e inconstitucional, que não está previsto em nossa base legal, nem nas diretrizes e bases da educação. Portanto, os estados e municípios estavam fazendo isso de forma ilegal. Temos vários pareceres de ministérios públicos apontando essa ilegalidade, além de uma ação no STF.
A ação do Ministério da Educação do Governo Federal, além do fim do programa, deve incluir medidas de desmilitarização, de declarar que é ilegal e que não é possível colocar a polícia para gerir a escola. Então, o fim do programa é uma ação importante, mas precisa vir junto com a desmilitarização. Se não há a desmilitarização das demais, os estados e municípios poderão manter essas duzentas escolas que foram militarizadas antes do Pecim. Portanto, acabar com as escolas do Pecim passa por acabar com todas as escolas militarizadas no Brasil ou pelo Ministério da Educação dizendo que se, de acordo com a Constituição, é competência exclusiva da União estabelecer leis e diretrizes para a educação nacional, então a União pode articular esse processo e dizer que não temos base legal, que isso não está previsto e é proibido e ilegal militarizar escolas no país, que isso não é uma modalidade existente em nosso arcabouço legal.
Luiz Carlos Azenha - Você está com um livro sobre a Juventude Hitlerista [da Susan Campbell Bartoletti] exposto na sua estante. Você colocou lá por acaso? Ou esse modelo de escola militarizada te lembrou um pouco essa história?
Catarina de Almeida Santos - Eu comecei a estudar e buscar esses livros quando comecei a estudar militarização. Na verdade, eles estavam ali separados porque ontem uma amiga minha estava aqui e eu estava discutindo com o companheiro dela essa questão. Mostrei esses livros, mas alguém também me mostrou o Chico Soares [José Francisco Soares, professor e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira] contando essa história, de como o Mussolini estava fazendo isso, e peguei esse livro para falar para ele: “bom, eu ainda não estudei sobre essa questão do Mussolini, mas olho muito para como a lógica do nazismo se faz presente nesse debate ou nessa questão da militarização”.
Tem outro autor que costumo usar também, o Tzvetan Todorov, sobretudo sua obra “Diante do Extremo”, para imaginarmos como os agentes do fascismo ou do nazismo eram pessoas comuns formadas a partir de uma lógica. Então, fui estudando muito esses livros sobre a juventude hitlerista porque está dentro da lógica do que se tenta fazer com os estudantes dentro das escolas militarizadas. É a lógica do bater continência, obedecer comando, da uniformização, da negação do sujeito. Quando você tenta padronizar todo mundo, você está negando a diversidade, o diverso dentro da escola. Então tem muito dessa lógica da juventude hitlerista, por isso que o livro estava aqui e coincidentemente apareceu. Mas ele serve de base. Costumo dizer que a militarização mexe em toda a complexidade do processo educativo e do que esperamos que a educação possa fazer.
Para entender esse processo, começamos a olhar para todas essas nuances, para o que ela nega, para suas consequências. Não é fácil buscar argumentos e base teórica para justificar algo que não precisaria ser justificado, tamanho é o absurdo de você imaginar agentes de segurança treinados – e quando falo de agentes de segurança, penso na perspectiva da segurança mencionada no artigo 6º da Constituição, como um direito social assim como a educação. No caso do nosso país, não temos segurança, temos violência, na verdade. E é preocupante formar sujeitos para naturalizar o que o braço armado do Estado faz. Ele mata e encarcera a juventude da escola pública. Vimos mais uma criança morrendo por “bala perdida”, entre muitas aspas, por exemplo, no Rio de Janeiro, a caminho da escola.
Quantos dias as nossas escolas ficam sem aula devido à ação da polícia? Então, você treina aqueles que vão ficar na escola – porque a escola militarizada expulsa o que eles consideram ser alunos problemáticos – para naturalizar isso, para naturalizar o fato de o Estado acabar com a vida de uma parcela significativa da população brasileira, que são os meninos negros, periféricos e com baixa escolaridade, o que é muito comum no Brasil. E não sou eu que estou dizendo, são os dados que estão mostrando.
Luiz Carlos Azenha - Os militares, em junho de 2022, mandaram um informativo para os veteranos, dizendo que estão convocando veteranos do Exército para atuarem no apoio à gestão escolar e à gestão educacional, enquanto professores e demais profissionais da educação continuariam responsáveis pelo trabalho didático-pedagógico. Eles mencionam que reservas das Forças Armadas, policiais e bombeiros também poderiam atuar. O que significa isso? Qual é o papel que eles desempenham nessas escolas militarizadas? Eles dizem que não participam do currículo.
Catarina de Almeida Santos - Bom, aí temos que discutir qual é a concepção de currículo. Porque quando falamos de currículo, não estamos falando apenas do ensino de conteúdos específicos. Esses conteúdos, inclusive, são alterados de acordo com a lógica de quem está na gestão da escola. Nessa lógica, há nuances diferentes em diferentes estados, onde a escola militarizada é completamente comandada pela polícia, tanto na gestão pedagógica quanto na gestão administrativa, por exemplo.
Mas há algo estranho em separar as gestões. A gestão administrativa precisa ser pensada para alcançar os objetivos da escola. Não posso ter uma visão de gestão administrativa diferente da gestão pedagógica. O processo escolar é um todo. Não há como separar ou ter perspectivas diferentes de gestão. Além disso, inventaram a categoria de gestão disciplinar, que não existe no direito administrativo brasileiro. De onde tiraram essa história de gestão disciplinar? E qual é a disciplina na área de segurança? O que chamamos de disciplina na área de segurança é a obediência irrestrita às ordens hierárquicas e não a construção do respeito. É a lógica do “manda, quem pode, obedece, quem tem juízo”.
Na escola, a perspectiva de disciplina com a qual trabalhamos é a capacidade de formar sujeitos para conviver e respeitar coletivamente, viver em sociedade. A lógica da disciplina escolar é o aprendizado do respeito. Conviver e respeitar uns aos outros, não porque alguém armado diz para fazer aquilo, mas sim porque temos respeito pelo outro, o que é diferente. Então, na escola, objetivamente, a gestão administrativa precisa desenvolver um conjunto de ações para alcançar o que a gestão pedagógica precisa. Vou dar um exemplo. Os manuais que regulamentam ou dizem como essas escolas militarizadas devem funcionar dizem que os estudantes não podem correr na escola, não podem sentar no chão, não podem ter álbuns de figurinha, todos devem ter o mesmo corte de cabelo, o mesmo tamanho de brinco e a maquiagem tem que ser discreta. Então, se a gestão pedagógica disser que correr é fundamental para o desenvolvimento desse projeto, que todos devem sentar no chão, que o cabelo pode estar desalinhado, a gestão administrativa vai dizer que não pode. Como elas não interferem uma na outra? Não existe essa separação dos processos de gestão no interior da escola.
Essa é uma forma de fazer de conta e falar para a sociedade que eles não vão interferir na escola, que estão apenas lá para ajudar, manter a disciplina e a ordem, porque essa é a lógica da área de segurança. Mas é extremamente preocupante que ainda não tenhamos essa compreensão de que aquilo que a área de segurança pode fazer não é dentro da escola. Aquilo para o qual foram formados e treinados não pode ser feito dentro da escola, porque a escola é o princípio oposto. E aí há uma questão interessante. No nosso imaginário, pensamos que a escola é pública porque é financiada pelo Estado. Mas na verdade, a escola é pública porque precisa atender a todos os públicos, independentemente de credo, raça e orientação. É o lugar de todos, de todas as tribos.
Essa escola, para ser aquela que não atende a interesses concessionais, de grupos de empresários e categorias profissionais, ela precisa ser financiada pelo Estado, ou seja, com nossos impostos, que todos nós pagamos. Então, a escola não é pública por ser financiada pelo Estado, mas, sim, ela é financiada pelo Estado para ser pública e respeitar diferentes perspectivas. Quando se militariza a escola, ela deixa de ser essa escola pública. Passa a ser a escola de uma categoria profissional. Não por acaso, o ofício do MEC diz que os sistemas de ensino devem reintegrar as escolas à rede regular de ensino. O governo admite que, ao serem militarizadas, as escolas deixam de seguir os princípios públicos do Estado e passam a seguir a doutrina, os interesses e objetivos de uma categoria profissional, que nesse caso são os profissionais da área de segurança.
Essa invenção de que só vão cuidar disso ou daquilo é uma forma de controlar a escola, encarcerar corpos e comportamentos, para evitar aquilo que os militares ou conservadores entendem que os alunos da escola pública não podem ter acesso ou desenvolver, porque pode ameaçar a ordem estabelecida por eles.
Ana Prestes - Tem um gráfico que mostra como cada estado tem pago os salários dos professores. Em último, o Rio Grande do Sul é um dos que pagam menos. Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre e Pará também estão entre os que pagam menos. Curiosamente, em alguns desses estados é onde há um maior enfrentamento ao Governo Federal para manter as escolas militarizadas. Queria ampliar a discussão porque já faz tempo que há essa questão da ideologia de gênero, Escola Sem Partido, mudanças nas legislações dos estados e no DF, por exemplo, houve uma mudança para pais de alunos poderem praticamente inquirir os professores. Na época do Plano Nacional de Educação, dentro da Câmara, queriam tirar a palavra "gênero" de tudo. Ou seja, é algo que faz parte de um conjunto. Queria que você fizesse uma reflexão nesse sentido também. Esse processo não será fácil, como você mencionou, mas como interrompê-lo e tirá-lo de cena?
Catarina de Almeida Santos - Vou trazer aquela famosa frase do Darcy Ribeiro: “A crise da educação no país não é crise, é projeto”. É a manutenção de uma estrutura da sociedade brasileira que é racista, misógina, capacitista, discriminatória e desigual socialmente. É disso que estamos falando. O ataque é diretamente à escola pública, seja no caso do homeschooling, seja na questão do Escola Sem Partido, seja na questão da militarização. Além disso, podemos falar da Reforma do Ensino Médio, dos currículos voltados para treinar os alunos a responder questões, dessa ideia de que a escola pública tem dinheiro demais.
Tudo isso faz parte do projeto de destruição da escola pública, do fim da escola pública, ou pelo menos dessa escola pública que atende ao que está no artigo 205 da Constituição, que é o pleno desenvolvimento do sujeito, a formação para a cidadania, a formação para o mundo do trabalho que não seja a uberização, por exemplo. O sistema educacional brasileiro hoje tem cerca de 56 milhões de estudantes, sendo maior do que a população de qualquer país da América do Sul. São 56 milhões de estudantes em um país com uma população de cerca de 204 milhões de habitantes, de acordo com os dados do último censo. Isso significa que temos mais de 60 milhões de pessoas envolvidas na educação, incluindo profissionais da educação, pais e responsáveis. Toda a sociedade brasileira está imbricada diretamente na escola.
A educação básica pública tem 40 milhões de estudantes. Se abalamos as bases dessa escola, abalamos a estrutura dessa sociedade. Então, quem quer controlar a escola, quem quer dizer qual escola cada grupo da população brasileira deve ter, entende o potencial que a escola tem. Por isso, precisa controlar a escola. Então, quando dizem que a escola precisa ser sem partido, não é sem partido político, não é sem sigla partidária, mas significa não tomar partido contra aquilo que mantém a estrutura da sociedade como está organizada.
Por que não podemos debater a questão de gênero? Debater a questão de gênero é questionar a estrutura misógina que existe em nossa sociedade. É questionar o país que mais mata pessoas LGBTQIA+. É questionar a violência sexual que crianças e adolescentes sofrem, perpetrada pelos mesmos defensores dessas escolas 'sem partido'. Então, é preciso controlar essa escola para que ela não seja uma escola minimamente revolucionária. Uma escola em que os alunos entendam que existe um conjunto de pessoas, em número muito menor na nossa sociedade, que têm todos os privilégios, e que isso não pode ser privilégio de alguns. Uma escola que questione essa estrutura. Trago aqui Anísio Teixeira, quando ele dizia que “A educação não é privilégio, a educação tem que ser direito”. E a democracia depende de nós criarmos essa máquina de fazer democracia, que é a escola pública. Então, quando vemos, por exemplo, estados que pagam tão pouco aos professores serem capazes de manter um programa que tira dinheiro da educação para aumentar os salários dos militares, mas não quererem investir na carreira docente, na formação inicial e continuada, em concursos públicos, que terceirizam os processos, isso diz muito sobre qual sociedade eles querem manter.
A quem e o que a escola pública de qualidade ameaça? E o que precisamos fazer nesse controle da escola pública, nesse encarceramento da escola pública, para que essas estruturas se mantenham? Quando falamos desse processo, estamos pesquisando e escrevendo muito isso, que esse controle vai além das escolas militarizadas. O projeto de nação lançado pelos militares em fevereiro de 2022 – acho que olhamos muito pouco para aquele projeto – tem os militares falando até de 2036. Sempre falando nessa lógica de que tudo foi organizado, que está tudo bem, porque os militares tomaram o comando. Eles falam sobre a ideia de expandir as escolas cívico-militares sem que os militares precisem estar dentro da escola. E aí compreende-se o que significa essa higiene na lógica do projeto de nação dos militares. É disso que estamos falando quando temos esse conjunto de governadores querendo manter o controle da escola pública, querendo manter o controle dos nossos estudantes.
E não pensem que as escolas militarizadas são as escolas que vão acolher os vulneráveis. Os vulneráveis são presos e mortos pela polícia, isso é o que os dados da realidade desse país mostram. A população carcerária no Brasil é majoritariamente masculina, negra e com baixa escolaridade. É para lá que vão os alunos que estão na escola pública. Então, quando as escolas são militarizadas, os chamados vulneráveis da escola são expulsos. Não é por acaso que, quando se militariza, pegam as escolas com melhor infraestrutura, as mais bonitas, as mais novas. Não é por acaso que, ao olhar as fotografias das escolas militarizadas em Goiás e no Amazonas, descobrimos que essas escolas não têm a cara do perfil da escola pública. São escolas brancas, que cobram taxa, com engarrafamentos na porta para entrar. São escolas de uma classe média que não consegue pagar escola particular e quer que a escola pública esteja lá sem que o seu público esteja interagindo com seus filhos ou com aqueles que estão sob sua responsabilidade.
Então, a escola militarizada não é a escola da elite econômica desse país, nem a escola dos pobres, daqueles que estão mais vulneráveis, mas, sim, é a escola daqueles que estão ali para formar esse grupo que vai manter todo esse discurso, todas essas mentiras e toda essa estrutura que está presente em nossa sociedade. Os demais têm que ficar subalternos, inclusive, com o mínimo de acesso à escola. É uma escola que precisa negar que esse grupo continue indo para a universidade. É um projeto de sociedade que está imbricado na lógica da militarização, assim como na Escola Sem Partido e em todas as bandeiras conservadoras, de conservação dessa estrutura presente em nossa sociedade. Portanto, não é possível analisar a militarização das escolas fora desse projeto, fora da militarização do Estado como um todo, e da militarização em âmbito mundial.
Cria-se uma necessidade e um ambiente em que a militarização ou o militar se tornam imprescindíveis na sociedade. É ele que vai estabelecer a disciplina, garantir a segurança, melhorar a qualidade da educação. E aí eu me pergunto: por que os militares são insumos de qualidade para a educação? Deveriam ser insumos de qualidade para a segurança, mas pelo que estamos vendo, não é isso que têm sido. Não conseguem lidar com a área para a qual foram formados, que é atuar na segurança, e agora têm que lidar com a área da educação.
Costumo dizer que se a pedagogia da escola fosse para o quartel, teríamos melhores resultados do que com a pedagogia do quartel vindo para a escola. Ou do que com a pedagogia Piaget substituída pela pedagogia Pinochet.
Luiz Carlos Azenha - E sobre aquele plano dos militares falando de 2036. Eles estariam de volta, junto com o general Heleno, que foi ajudante de ordens do Sílvio Frota, aquele que tentou dar um golpe no Geisel. Eles estavam ali com um projeto de vinte anos de poder. Eles não queriam largar o osso do Bolsonaro, a quem eles apoiaram e por quem só não deram o golpe por causa dos Estados Unidos, porque os militares americanos vieram para cima deles e disseram: “vocês vão se ferrar”. Por que eles tinham um projeto de bolsonarização do Brasil para as próximas duas, três décadas?
Catarina de Almeida Santos - Queria deixar alguns elementos aqui para pensarmos sobre a necessidade de a sociedade brasileira como um todo debater de forma franca e sincera o que queremos com essa história de militarização das escolas. Porque as pessoas tendem a dizer que essas escolas apresentam melhores resultados. E não é verdade.
Primeiro que temos escolas públicas que não são militarizadas e têm resultados melhores. Segundo, os resultados que as escolas militares apresentam não acontecem porque são militares, mas porque têm melhores condições. Têm melhor infraestrutura, nunca falta professor e selecionam o aluno que estará lá. Então, o que a sociedade realmente está buscando com a escola militarizada? Será se é o policial dentro da escola mesmo?
Se estão dizendo que querem segurança, os agentes de segurança não estão conseguindo garantir segurança. São elementos muito importantes para refletirmos e debatermos com a comunidade o que realmente queremos com essas escolas. Já temos pareceres de vários Ministérios Públicos brasileiros, decisões judiciais mostrando a ilegalidade e a inconstitucionalidade de militarizar a escola, porque a militarização fere os princípios, que são muito diferentes entre as duas áreas. Não podemos aceitar, por exemplo, um termo de cooperação entre a polícia e as escolas públicas que diga que na escola militarizada não pode ter distorção de idade-série, não pode ter educação de jovens e adultos, não pode ser inclusiva.
A escola pública é exatamente para isso, para ser inclusiva, para trabalhar com todos os sujeitos. Portanto, chamo as pessoas para o debate. É um debate essencial se queremos mudar a história do Brasil. Evitar que o 8 de janeiro se repita passa por pensarmos em um outro processo educativo, uma escola com outra cara e outras possibilidades.
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