Inclusão: omissão e sobrecarga
Inclusão: omissão de escolas sobrecarrega professores
Pesquisa revela que instituições da educação básica do ensino privado do Rio Grande do Sul não disponibilizam a estrutura nem pessoal de apoio necessários para a efetivação de uma educação inclusiva
Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de outubro de 2022
O acúmulo cada vez maior de trabalho extraclasse não remunerado, que vem sendo relatado pelos professores do ensino privado, é ainda maior para os docentes que atuam com a inclusão escolar. Sem o comprometimento da escola, a educação inclusiva acaba sob a responsabilidade apenas dos professores, acarretando ainda mais trabalho para além da carga horária contratada. Em muitos casos, os docentes arcam até com os custos de materiais e equipamentos. É o que mostra a pesquisa Realidade Docente do Ensino Básico 2022 – Trabalho Extraclasse, realizada pela consultoria FlamingoEDU para o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), o Sindicato dos Professores do Ensino Privado de Caxias do Sul (Sinpro/Caxias) e o Sindicato dos Professores do Ensino Privado de Ijuí (Sinpro/Noroeste).
A pesquisa confirma uma realidade relatada reiteradamente pelos professores aos sindicatos nos últimos anos. De acordo com a diretora do Sinpro/RS Cecília Farias, o levantamento embasará uma campanha para que os professores que trabalham com alunos com deficiência tenham o necessário apoio material e humano com vistas à efetiva inclusão.
Realizada entre os dias 15 e 29 de agosto, a sondagem abrange 969 professores que responderam ao formulário com 26 questões objetivas sobre a escola, o professor e o aluno, e também fizeram relatos sobre sua realidade em resposta a uma questão aberta, dissertativa.
A maioria dos docentes que participou do estudo atua na educação básica (93,5%), cinco são de escolas de educação especial, oito de profissionalizantes e 49 enquadradas em outras categorias.
Condições de trabalho e estrutura
A inclusão de estudantes com deficiência na escola regular está alicerçada na estrutura legal, amparada na perspectiva de que os direitos humanos devem ser garantidos a todos e, no que diz respeito à escola, devem ser asseguradas as condições de acesso e permanência.
Para tornar a inclusão efetiva, cabe à escola o preparo do corpo docente, a adaptação do projeto pedagógico, a produção de materiais pedagógicos, a mediação do desempenho, a fomentação de um ambiente de cooperação e livre de preconceitos, entre outras medidas. Mas não é bem assim que vem ocorrendo. Com a omissão de muitas escolas, os professores vêm assumindo todas as demandas e, muitas vezes, custeando-as.
Sobre as condições de trabalho, somente 27,4% dos professores que participaram da pesquisa responderam que contam com ambientes adequados e bem equipados, enquanto 28,3% alegam não ter em suas escolas um espaço físico para o atendimento dos alunos com deficiência. Para 25,6%, o ambiente é pequeno, mas devidamente equipado, e 13,2% informaram que existe espaço, mas sem ferramentas e materiais para os alunos.
Em relação ao desenvolvimento dos alunos, 46% revelam que assumem a responsabilidade, 24% contam com materiais básicos, e apenas 9% têm condições adequadas.
Os docentes informaram que gastam, em média, anualmente, R$ 300,00 do seu próprio salário com a compra de materiais de apoio que não são disponibilizados pelas escolas.
Também falta pessoal de apoio para atender aos alunos com deficiência, como determina a legislação: 26% responderam que não contam com nenhum apoio, e 33,2% disseram que o apoio em sala de aula é prestado por uma pessoa sem formação.
Educação Inclusiva: falta de capacitação e apoio
A maioria dos docentes (60,4%) recebeu alguma capacitação para atuar junto aos alunos com deficiência, mas os 307 que atendem a 1.677 alunos especiais, ou seja, média de 2,65 alunos com deficiência por turma, disseram que não contam com qualquer formação para essa atividade. A percepção dos docentes é que, além da falta de formação para fazer frente às demandas da educação inclusiva, não há carga horária para planejamento de atividades, materiais didáticos e avaliações.
Quase metade dos docentes que responderam à pesquisa desconhece o projeto político-pedagógico da escola e o regimento escolar, um dado alarmante, já que o documento deveria ter sido construído pelo coletivo escolar e cumprido pelo corpo docente.
Com relação ao engajamento das famílias para o atendimento desses alunos, 22,3% informaram que é baixo, o que dificulta ainda mais o trabalho docente.
A sobrecarga de trabalho não remunerado é demonstrada por 119 entrevistados, que disseram atender a mais de 10 alunos com deficiência. Outros 12 relataram que atendem a mais de 30 alunos com deficiência.
“Os estudantes são atendidos com toda atenção e carinho. Entretanto, nem sempre me sinto apto para atender a todos, principalmente os de inclusão, visto que nossa formação não previu esta necessidade. Precisamos aprender a diferenciar melhor os transtornos e as deficiências. Precisamos discutir, cada vez mais, os diagnósticos que nós, professores, ajudamos a produzir junto com os médicos”, desabafa um docente na resposta à questão dissertativa.
Para o pesquisador Heitor Strogulski, “a escola tem dificuldade em estabelecer objetivos claros a serem alcançados pelo aluno. Fica a cargo do professor adaptar o currículo, muitas vezes sem nenhuma referência”.
“Já havíamos constatado a exaustão dos docentes com o trabalho extraclasse ordinário, ou seja, aquele que o professor sempre fez. Há ainda mais trabalho do que o incorporado durante a pandemia e, agora, ainda, a dedicação necessária para planejamento, elaboração de materiais e avaliações adaptados para os estudantes com deficiência”, alerta Cecília. “A jornada de trabalho dos professores parece não ter fim. É preciso que as escolas entendam que estão ultrapassando os limites e que é necessário repensar a elasticidade do trabalho docente.”