Inclusivismo, termo da teologia
'Inclusivismo': ministro usa termo da teologia para falar de educação de crianças com deficiência; entenda
G1 ouviu quatro especialistas em educação - eles afirmam que a palavra empregada por Milton Ribeiro não é usada em políticas públicas ou debates na área. 'É uma criação imprópria para significar inclusão forçada', explica pesquisadora da Unicamp.
Por Luiza Tenente, G1
Ministro Milton Ribeiro participa de programa na TV Brasil — Foto: Reprodução/Youtube
O termo "inclusivismo", mencionado mais de uma vez pelo ministro Milton Ribeiro, não é usado em discussões acadêmicas ou em políticas públicas da área de educação, segundo especialistas.
Quatro teóricos ouvidos pelo G1 afirmam que a expressão provavelmente foi "inventada" pelo ministro para criticar a matrícula de crianças com deficiência em escolas comuns.
Para Maria Teresa Eglér Mantoan, doutora em educação e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Unicamp, "inclusivismo" seria "uma criação imprópria para significar uma inclusão impingida [forçada]".
O termo não consta na versão mais atualizada do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), de 2021, nem nos principais dicionários: "Michaelis", "Houaiss" e "Aurélio".
É uma expressão nova que existe, a princípio, apenas na teologia - exatamente a área de formação do ministro Ribeiro - para representar uma ideia sem ligação com o debate educacional.
Segundo Eulálio Figueira, professor de ciências da religião da PUC-SP, ela é empregada principalmente no campo da pastoral. Ele cita o exemplo do padre Júlio Lancellotti, conhecido por lutar pelos direitos humanos e prestar assistência à população de rua de São Paulo.
"Ele é considerado inclusivista, porque leva a dimensão do credo dele, sem se importar se quem está recebendo a ajuda é católico ou não. Não existe esse proselitismo; não há a preocupação em converter o outro", explica. "Não importa a fé do sujeito a quem se destina a ação."
O que o ministro quer dizer, então?
Nos contextos em que a expressão é usada pelo ministro da Educação, "inclusivismo" parece ser uma crítica à "inclusão" - prática de possibilitar que todos os alunos, com ou sem deficiência, tenham acesso às escolas comuns, à aprendizagem, a espaços adaptados e a tecnologias assistivas, por exemplo.
Em 9 de agosto, Ribeiro afirmou, em entrevista à TV Brasil, que "nós temos, hoje, 1,3 milhão de crianças com deficiência que estudam nas escolas públicas. Desse total, 12% têm um grau de deficiência que é impossível a convivência. O que o nosso governo fez: em vez de simplesmente jogá-los dentro de uma sala de aula, pelo 'inclusivismo', nós estamos criando salas especiais (...)".
Nesta terça-feira (23), o ministro mencionou mais uma vez o termo. "Nós não queremos o 'inclusivismo', criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar."
A jornalista Claudia Werneck, fundadora da Escola de Gente - Comunicação em Inclusão, diz que não conhece a palavra.
"Ninguém que trabalha com educação inclusiva usa esse termo. Deduzo que ele queira criticar a inclusão e dizer que, na prática, ela significa colocar uma criança com deficiência na sala de aula, mas não garantir o direito à aprendizagem. Mas isso é tudo, menos inclusão."
Outra especialista que também desconhece o vocábulo é Eliana Cunha Lima, coordenadora de educação inclusiva da Fundação Dorina Nowill.
"Fiz mestrado e doutorado em educação inclusiva e posso dizer que 'inclusivismo' não existe na área educacional. O ministro parece querer expressar que a inclusão é algo ruim para todos - pessoas com ou sem deficiência", afirma.
Luiza Corrêa, coordenadora no Instituto Rodrigo Mendes, tem a mesma interpretação.
"Esse termo não existe. O ministro está falando como se inclusão fosse apenas colocar as crianças em salas comuns, sem que elas participem efetivamente do processo de ensino-aprendizagem", diz.
"É uma desculpa pra segregar esses alunos, e, em vez de investir recursos públicos para acessibilidade arquitetônica, formação de professor e elaboração de material inclusivo, passar a colocar o dinheiro em escolas especiais. É um retrocesso."
O G1 perguntou ao MEC qual seria a intenção de Ribeiro empregar com frequência um termo que só existe, em tese, na teologia. Também questionou qual sentido o ministro pretende atribuir à palavra. Até a última atualização da reportagem, a pasta não havia respondido.
Aumento da presença de crianças com deficiência em salas comuns
Nos últimos anos, apesar de ainda haver obstáculos, o Brasil avançou em direção à inclusão. Em 2020, segundo o Censo, o país tinha 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na educação básica. Entre eles:
- 86,5% estudavam nas turmas comuns;
- 13,5% estavam em salas ou escolas exclusivas.
Em 2005, o total de pessoas com deficiência matriculadas era bem menor (492.908), e a maioria delas (77%) permanecia em espaços específicos para alunos com necessidades educativas especiais - apenas 23% eram incluídas nas salas regulares.
Vídeos de Educação
Abaixo, veja o vídeo em que a professora Noadias Novaes, do Ceará, conta como montou um projeto de "educação inclusiva delivery", indo à casa dos alunos com deficiência e dando aula nas ruas durante a pandemia.