Inconstitucionalidade programa de militarização

Inconstitucionalidade programa de militarização

Especialistas do direito à educação defendem no STF a inconstitucionalidade do programa de militarização das escolas de São Paulo

Pesquisadoras/es ligados à Campanha Nacional pelo Direito à Educação participaram de audiência pública nesta terça (22/10)

 

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, nesta terça-feira (22/10), a audiência pública que debateu o “Programa Escola Cívico-Militar” no Estado de São Paulo.

A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações que tramitam na Corte sobre o tema. Educadores, juristas, parlamentares, autoridades e representantes de órgãos públicos e de entidades da sociedade civil apresentaram informações ao Tribunal.

Participaram da audiência representantes de entidades integrantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. 

O objetivo do evento foi colher informações técnicas e especializadas para subsidiar os ministros no julgamento do caso. A data do julgamento ainda não foi definida.

A questão é tratada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7662 e 7675, apresentadas, respectivamente, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra a lei paulista que institui o programa de militarização nas escolas públicas estaduais e municipais de educação básica.

Em junho deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ao Supremo parecer a favor da inconstitucionalidade do modelo. 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação atua nacional e internacionalmente, produzindo estudos e incidindo politicamente, em defesa da desmilitarização de todas as escolas do país.

No mês passado, a Campanha levou ao Comitê dos Direitos da Criança (CDC) da ONU, em Genebra, na Suíça, dados sobre o aumento estarrecedor da militarização das escolas no Brasil, que cresceu 344% nos últimos seis anos, afetando diretamente cerca de meio milhão de crianças e adolescentes em 23 estados e no DF. O CDC incorporou aos seus questionamentos ao Estado brasileiro essa e outras contribuições da Campanha.

Veja abaixo resumos e trechos das falas das participações de especialistas integrantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e outros especialistas de referência. A ordem que segue a das falas da audiência.

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Lucas Sachsida, representante do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG)

Lucas Sachsida afirmou que as escolas militarizadas ferem inúmeras regras da Constituição Federal de 1988. Citou como exemplo o princípio da gestão democrática de ensino e o Plano Nacional de Educação. Para ele, as escolas devem ser construídas como ambientes plurais, de desconstrução de desigualdades.

“Destaco a impossibilidade da separação de gestão escolar e gestão pedagógica. Toda vivência dentro da escola é uma vivência pedagógica. O alimentar é uma vivência pedagógica, basta olhar a Lei do PNAE, que dispõe expressamente formas e porcentagens de compra de alimentação local para integração daquela sociedade ao ambiente escolar e do ambiente escolar àquela sociedade.”
 

Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo

Élida Graziane acredita que a Lei Complementar Estadual sobre o programa de escolas militarizadas invade a competência privativa da União para definir o que é ou não despesa para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Ela enfatiza que o STF já decidiu que recursos destinados à educação não podem ser usados para despesas de outras áreas.

“É importante, nessa seara, do que é ou não gasto, assim inserido tanto no Fundeb quanto no piso em educação, que se tenha clareza que é a União no art. 70 da LDB que dita o que é ou não elegível. (...) Ainda que se traga a ideia de um gasto para promover segurança pública no espaço da escola, esse gasto não é elegível como educação.”

 

Denise Carreira, representante da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) - integrante da rede da Campanha

Denise Carreira afirmou que pesquisas acadêmicas têm mapeado aspectos dos programas de militarização das escolas que ferem o direito à educação e demais direitos humanos. Relatou casos de perseguição a profissionais de educação e a estudantes que questionam a ordem militar e a censura a conteúdos críticos, como os relacionados à história brasileira, à diversidade sexual e às mudanças climáticas.

“Expresso veementemente [em nome da FE-USP] o nosso posicionamento contrário a programas destinados a militarização de escolas públicas do Estado de São Paulo e em outro Estados e Municípios do país. (...) Como instituição formadora, afirmo que militares não são profissionais de educação e nem educadores. O art. 61 da LDB estabelece quem são considerados profissionais de educação e as exigências da formação necessária para o exercício da função educadora, que abarca da atuação da sala de aula e outros espaços escolares, junto a crianças, adolescentes, jovens e adultos, à gestão escolar e redes de ensino.”


Salomão Ximenes, representante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). É professor da UFABC e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), entidade membro do Comitê Diretivo da Campanha

Salomão Ximenes afirmou que nenhuma instituição de pesquisa em educação de referência no Brasil e no mundo defende a militarização das escolas como solução para a área. Para ele, o modelo não é uma saída aceitável do ponto de vista científico, pedagógico e da Constituição Federal, além de colocar o país na contramão mundial do que é o direito à educação.

Ximenes também reforçou que os recursos públicos direcionados às escolas do país devem estar ancorados na Constituição Federal de 1988, e que as escolas militarizadas não estão nessa previsão. 

O professor citou a recente Nota Técnica da Fineduca e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação que atualiza os valores do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) para 2024, colocando quanto deve custar a implementação de um padrão mínimo de qualidade para todas as escolas públicas, de acordo com a Constituição.

“[É no financiamento adequado que] deveríamos estar direcionando todos os nossos esforços e não desperdiçando recursos em políticas não ancoradas na Constituição de 1988.”

“Queria destacar [também] aqui um desses posicionamentos [de organismos internacionais contra a militarização das escolas], o mais recente, que são “Os Princípios para a Implementação do Direito à Liberdade Acadêmica”, um documento endossado pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, inclusive o Conselho em que o Brasil tem assento agora durante a 56ª Sessão finalizada em maio deste ano. Peço permissão de ler o que o Conselho Direitos Humanos endossa como um terceiro princípio: ‘A proteção, a promoção e o desfrute da liberdade acadêmica exigem a autonomia das instituições acadêmicas, de pesquisa e de ensino’, e segue, ‘os Estados responsáveis pela educação devem garantir a segurança e integridade das instituições educacionais e das pessoas, abstendo-se ao mesmo tempo da militarização, da vigilância e de outras medidas que prejudicam a liberdade e a autonomia acadêmica’. Isso é parâmetro internacional de realização do direito à educação, reconhecido pelo órgão máximo de proteção a este direito no sistema internacional.”


Miriam Fábia Alves, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)

Para a representante da ANPEd, o modelo ameaça a gestão democrática da escola e interfere na prática pedagógica, pois impede a deliberação coletiva, o diálogo e a participação que regulam a vida escolar. A seu ver, “escola não é um quartel”, mas um espaço da formação humana em sentido mais amplo.

“O que as experiências [de militarização das escolas] têm em comum? Têm em comum a entrada da vida militar dentro das escolas públicas civis. A escola é pública, é civil, mas [há a entrada com] monitor, com o comandante da escola, com uma doutrina militar, com uma prática de ordem unida na escola. (...) Com esse modelo, nós temos aberto caminho para uma diferenciação brutal entre as redes estaduais e municipais deste país.”

 

Catarina de Almeida Santos, representante do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME), integrante do Comitê DF da Campanha

Catarina de Almeida Santos afirmou que, após a implementação do modelo no Brasil, houve, em alguns casos, a descaracterização e a apropriação das escolas públicas civis, pois as unidades escolares passaram a ser chamadas de “escolas da Polícia Militar”.

“Todas as escolas [devem ter] as possibilidade dos diferentes estarem dentro [delas]. Nós fazemos um debate muito sério na sociedade brasileira sobre a necessidade de que as nossas escolas públicas se organizem para atender as diferenças, e não que as escolas definam como são.”
 

Fernando Cássio, da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), do Comitê Diretivo da Campanha
Para o representante da REPU, que é professor da FE-USP, o programa instituído em São Paulo pretende criar uma sub-rede de ensino. 

“Temos evidências para afirmar que a militarização exclui ativamente os estudantes mais vulneráveis. E, sob vários pontos de vista, tanto em Estados quanto em Municípios, não existe muita diferença prática entre a militarização e processos ordinários de privatização escolar que rompem com a universalidade do acesso com a garantia de condições de permanência na escola pública.”


Fernando de Araújo Penna, do Observatório Nacional da Violência contra Educadoras e Educadores (ONVE)

O educador rebateu argumentos apresentados anteriormente, especialmente pelo representante do governo de São Paulo, de que as escolas militarizadas teriam gestão democrática. 

“Isso é difícil de acreditar porque, quando uma escola se converte a esse modelo, ou você aceita ou sai. Isso não é democrático. (...) É uma subversão de tudo o que se discute na academia sobre gestão democrática.” 

Pena também afirmou que a transformação dessas escolas não foi discutida com a sociedade.
 

Bárbara de Oliveira Lopes, da Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação, do Comitê Diretivo da Campanha

Para Bárbara de Oliveira, o modelo é incompatível com o papel social da escola de enfrentamento das desigualdades e de valorização das diversidades. Ela ressaltou que os jovens são titulares de direito e, por isso, é fundamental ouvir o que eles têm a dizer sobre a militarização das escolas.

“A militarização das escolas se baseia na imposição da ideologia militar, da disciplina rígida, da hierarquia, da padronização e do combate ao inimigo. Em um país construído sobre as bases do racismo e do sexismo, a militarização é um fenômeno que vem incidindo sobre as diversas esferas da vida.”
 

Deborah Duprat, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

A jurista afirmou que a educação é o espaço experimental da vida coletiva e tem como objetivo inicial o pleno desenvolvimento da pessoa. Segundo ela, as unidades militarizadas inserem, no ambiente escolar, visões típicas da caserna, incompatíveis com a dimensão democrática do “aprender e ensinar”.

“Quando a gente pensa que, na atualidade, a liberdade de expressão, a circulação de ideias livres – que permitissem as possibilidades de pensamento – agora é invocada para falseamento da verdade, para disseminação de mentiras. Da mesma maneira, a democracia passa a ser concebida como um avanço de visões militares sobre espaços civis. A escola, que foi pensada como espaço de experimentação da pluralidade, também perde esse sentido e passa a ter o sentido de controle, de adestramento, uniformidade dos corpos.” 


Com informações do site do STF.

(Foto: Fellipe Sampaio/STF).

 

FONTE:

https://campanha.org.br/noticias/2024/10/24/especialistas-do-direito-a-educacao-defendem-no-stf-a-inconstitucionalidade-do-programa-de-militarizacao-das-escolas-de-sao-paulo/ 




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