Indignação fechamento da escola
Fechamento a Escola Estado do Rio Grande do Sul: Comunidade manifesta indignação contra decisão do governo Leite
“Arbitrariedade”, “autoritarismo” e “ato criminoso” foram alguns dos termos utilizados hoje (4) em audiência pública para a decisão do governo do Estado de fechar a Escola Estadual de Ensino Fundamental Estado do Rio Grande do Sul, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre, e o ingresso à força ontem no local para remoção de equipamentos e materiais. Mais de cem pessoas acompanharam a discussão, realizada em ambiente virtual, de forma conjunta pelas comissões de Educação e de Segurança e Serviços Públicos, com a presença de dois secretários estaduais, Faisal Karam e Regina Becker, da Educação e do Trabalho e Assistência Social, respectivamente.
A presidente da Comissão de Educação, deputada Sofia Cavedon (PT), enfatizou o apoio a ocupação do prédio da Escola, pela comunidade, contra a sua transferência, ocorrido durante a audiência, e solicitou a imediata retomada da gestão física da escola pela direção, que precisa entregar materiais didáticos e pedagógicos para alunos e está sem acesso ao prédio que teve seu cadeado trocado pela Seduc. "Para a construção do programa para moradores de rua, motivo da retirada da escola do local basta dialogar com todos os equipamentos já existentes na cidade", afirmou. A deputada informou que havia tentado registrar um Boletim de Ocorrência nesta quinta-feira (03) sobre a invasão, mas que as peculiaridades do episódio dificultaram a tarefa e sugeriu o envio de um ofício das duas Comissões para a Segurança Pública denunciando o ocorrido. Ela também disse que cobrará medidas do Ministério Público e demais órgãos relacionados ao tema.
A audiência foi uma solicitação do CPERS Sindicato.
Representando a entidade, Edson Garcia contou terem sido procurados pela comunidade escolar, que estava apavorada com a possibilidade de fechamento da escola e de ela migrar para outros estabelecimentos de ensino, que, por sua vez, diziam não ter como recebê-la. Segundo o dirigente sindical, a escola era a única do centro da cidade que possuía EJA de ensino fundamental. Ainda segundo ele, nenhum pai, mãe ou responsável colocava o filho em uma escola por acaso. A decisão, disse, era fruto de ponderação a partir de uma série de fatores, e cada escola tinha as suas especificidades, suas características para receber o público a que se destinava. Disse que a decisão do governo soou muito autoritária, unilateral, e pediu respeito aos pais, professores e alunos. Recordou campanha de alguns anos atrás com o mote “quem fecha escolas abre presídios”.
A diretora da escola, Elisa Santanna, relatou o processo que culminou com a invasão do prédio ontem por agentes do Estado. Disse que no dia 10 de agosto recebeu uma comunicação de que teriam que se mudar para o Instituto Parobé, porque a escola seria utilizada para um projeto social e havia sido escolhida por sua localização e por ter poucos alunos. Argumentou que teria que consultar a comunidade escolar e lhe responderam que isso não era necessário por conta do decreto sanitário referente à pandemia. A diretora rebateu explicando que devia essa consulta à comunidade. Ela também afirmou ter solicitado uma justificativa do projeto todo, o que nunca lhe foi entregue. No dia 12 de agosto, reuniu-se com a direção do Parobé e conheceu as dependências do local, verificando que não havia a estrutura, nem a segurança necessária para seus alunos, que são crianças. Fizeram uma ata do encontro que foi posteriormente protocolada. Disse também que, inicialmente, haviam dito que seriam utilizadas para o projeto social somente determinadas áreas, mas depois que seria toda a escola. Questionou a duração do projeto e lhe responderam apenas que seria “enquanto durasse a pandemia”. Informado, o Conselho Escolar foi totalmente contrário à medida e organizou, assim, um ato de protesto no dia 24 de agosto, seguindo todas as normas sanitárias. A diretora prosseguiu o relato informando que ontem (3) recebeu um e-mail solicitando as chaves da escola. Disse que, como não estava bem de saúde e tinha pessoa próxima positivada para Covid, recusou-se a ir. Mais tarde, para sua surpresa, soube que a Secretaria da Educação havia entrado na escola,no local, isto é, arrombou a escola, já que não tinha a chave, retirando todo o mobiliário, impressoras e tudo o que havia na secretaria da escola. Elisa classificou a situação como muito grave e explicou que a secretaria realizava um trabalho fundamental, imprimindo certificados, tendo acesso à impressoras e à internet, e que tudo isso estava agora inviabilizado. Contou que depois assistiram às imagens da retirada por meio das câmeras e que não sabiam para onde haviam sido levados os equipamentos. Disse que era uma escola pequena, mas que os alunos tinham ótimo desempenho, e que os pais levavam em conta a localização e o próprio fato de ser uma escola pequena e segura, com vínculos estabelecidos entre alunos, professores e funcionários.
O vice-diretor da escola, Pablo Kmohan, disse que esteve ontem na escola e que precisavam entregar currículos do EJA para os alunos e não podiam fazê-lo. Disse que estava com a sobra do cadeado quebrado e considerou a situação absurda. Segundo ele, a escola não havia entregado a chave porque respondia legalmente pelo prédio, ao passo que o estado era mantenedor, e que, além disso, toda a comunidade era contrária ao fechamento. Disse que viu o gesto criminoso do Estado a desvalorização de todo um trabalho realizado em uma escola com importância histórica, fundada por Leonel Brizola, com quase 300 alunos.
Bianca Garbelini, mãe de uma aluna, deu um depoimento emocionado do que a escola representava para a filha e a família. Disse que a escola não era apenas um prédio e as crianças não eram apenas números e que aquilo que aconteceu ontem foi um ato criminoso e antidemocrático. Contou que a filha possuía deficiência e que a escola realizava um excelente trabalho nessa área. Disse ainda que a filha amava a escola, os professores e colegas e que, durante a pandemia, período em que já haviam sofrido tantos prejuízos emocionais, ela pedia para passar na frente do prédio para atenuar a saudade das atividades escolares.
Posicionamento do governo
O secretário estadual da Educação, Faisal Karam, argumentou que havia todo um histórico a amparar a decisão do governo. Disse que havia a necessidade de uma reforma no prédio e que, portanto, as atividades teriam que ser transferidas de todo modo, e a isso se somava o fato de haver cinco escolas ociosas nas proximidades. Segundo ele, era uma questão de “aproveitamento de espaço físico”, entre outros fatores. Disse também que a Secretaria do Trabalho e Assistência Social tinha um projeto para abrigar moradores de rua e que o local seria disponibilizado para isso por estar “disponível no rol de equipamentos do Estado”. Segundo o secretário, a ideia do governo era que a Escola Rio Grande do Sul fosse levada para a escola Leopolda Barnewitz (localizada à rua João Alfredo, no bairro Cidade Baixa), onde, segundo ele, os alunos serão mais bem atendidos.
Sobre a afirmação de que a escola era a única que oferecia EJA no Centro, disse que também a Escola Cândido Portinari possuía essa modalidade. Ele também rebateu o número de alunos apresentado pela direção da escola dizendo que eram 249, em vez de 294, e disse que o trabalho desenvolvido com crianças com deficiência continuaria na escola Leopolda. “Ninguém ficará desamparado”, afirmou. Sobre a invasão, o secretário disse que foram solicitadas as chaves, porém a diretora havia se negado a entregá-las, e que tudo havia sido feito dentro da legalidade. Ele ainda pôs em dúvida a qualidade do ensino afirmando que 20% dos alunos da escola haviam sido reprovados. A diretora da escola rebateu as declarações do secretário, porém ele já havia deixado a reunião. Segundo ela, nos números apresentados por ele não estavam computados os alunos do EJA, que não haviam conseguido fazer a sua rematrícula. Sobre a Cândido Portinari, disse que a escola havia fechado sua turma de EJA. Ela disse ainda que não havia espaços ociosos na escola e que, de fato, era necessária uma reforma no prédio, mas que para isso não seria necessário remover os alunos.
O presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos, deputado Jeferson Fernandes (PT), observou que, à medida que cada um se pronunciava, aumentava a sua curiosidade em ouvir o que o secretário diria a respeito do assunto e que a resposta o deixou estupefato. Jeferson se disse surpreso pela intenção de abrigar moradores de rua no local, uma vez que as 70 famílias que foram despejadas da Lanceiros Negros quatro anos atrás estavam hoje nas ruas e o prédio continuava até hoje desocupado. Assim como a Lanceiros Negros, havia centenas de outros locais que poderiam ser utilizados, segundo o parlamentar. Ele defendeu a atitude da diretora de não entregar as chaves. Disse que ela havia explicado a situação e que tinha o respaldo da comunidade. O deputado também leu um trecho de documento encaminhado pela secretária do Trabalho e Assistência Social, Regina Becker, sobre a questão, no qual esclarecia que em nenhum momento direcionaram qualquer preferência patrimonial, mas que a oferta apresentada pela Secretaria da Educação foi a escola e que, em visita, constataram que o espaço atendia às necessidades, “já que estaria em desuso, conforme o informe da Secretaria da Educação”.
Ingressando na audiência, a secretária Regina Becker disse que alguns estudos apontavam mais de 5 mil moradores de rua apenas em Porto Alegre e descreveu o projeto desenvolvido para atendê-los. Contou que havia solicitado à Seplag a indicação de algum bem móvel no centro da cidade e que lhe haviam sido apontados dois locais, além da escola, um na Rua da Praia e outro na Júlio de Castilhos, ambos inviáveis, segundo vistoria, e frisou que a sua pasta não havia sido responsável pelo fechamento da escola, tendo apenas solicitado um espaço para o seu projeto.
A deputada Luciana Genro (PSol) lamentou a fala do secretário, observando que ele não era um educador, mas um administrador, que não compreendia os vínculos estabelecidos entre os membros da comunidade escolar. Para ela, o que, possivelmente, estava por trás da decisão era a especulação imobiliária, uma vez que a escola estava localizada em área cobiçada. O deputado Issur Koch (PP) se solidarizou ao pleito, lembrando que, em seu trabalho na rede pública, foi, muitas vezes, muito mais “assistente social, ombro, referência para as crianças” do que professor. “Não se pode contextualizar uma escola pelo número de alunos e pelo que elas vão aprender de português e matemática”, considerou o parlamentar, explicando que em comunidades carentes a escola era referência para tudo.