Inep republica microdados
Inep republica microdados da educação básica em modelo simplificado; mudança compromete análise de desempenho de alunos, diz ex-diretora
Novo modelo omite quatro das cinco bases de dados detalhados que compunham os arquivos. Documentos divulgados não podem ser considerados “microdados”, defende especialista.
Por Ana Carolina Moreno e Emily Santos, TV Globo e g1 — São Paulo -
Sede do Inep em Brasília — Foto: Carolina Cruz/g1
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) republicou na quinta-feira (31) os microdados do Censo da Educação Básica de 2007 a 2020, no modelo que omite quatro das cinco bases de dados detalhados.
Os arquivos haviam sido removidos em fevereiro, quando o órgão divulgou o censo de 2021, já no novo modelo. Na ocasião, a série histórica dos microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também foi retirada do site e não foi republicada até o momento. O censo da Educação Superior também foi removido do portal da entidade.
A ausência dessas informações prejudica a análise do desempenho dos estudantes e a avaliação sobre as desigualdades entre eles, segundo especialistas ouvidos pelo g1 e pela TV Globo.
Na ocasião da retirada dos dados, o Inep afirmou que o formato da apresentação do conteúdo foi reestruturado para "suprimir a possibilidade de identificação de pessoas", atendendo aos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Com base nesse argumento, o Inep tirou do ar, ainda, os microdados de edições anteriores do exame, e do censo da educação básica, com o argumento de adequá-los a um novo modelo de divulgação.
A LGPD é uma lei entrou em vigor em 2020 que rege formas de divulgação de dados para proteger as informações pessoais dos cidadãos. Já a LAI, em atividade há 10 anos, determina os processos de transparência dos órgãos públicos, e determina, entre outras regras, a divulgação ativa de dados sobre programas e políticas públicas.
Retrocesso de 15 anos no Censo da Educação Básica
Para Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), a decisão do Inep não se justifica com base na LGPD. No caso do Censo da Educação Básica, ele afirma que os documentos divulgados não podem ser considerados “microdados”.
“Microdados é você chegar na unidade de observação”, explicou ele. “Uma unidade de observação do Censo Escolar são os alunos. Ali no Censo Escolar da Educação Básica eu vou olhar características dos alunos, que é quem é atendido pelo sistema da educação básica. Vou olhar, por exemplo, questões específicas das escolas. Do professor.”
Os dados disponíveis atualmente mostram, por exemplo, o total de matrículas de cada escola segundo a raça ou a faixa etária de cada estudante, entre outros. Mas, sem uma tabela onde cada aluno é detalhado em cada linha, não é possível fazer recortes mais específicos e análises mais aprofundadas. Não é possível fazer um cruzamento de dados para descobrir, por exemplo, se a idade média dos estudantes negros de uma escola é mais alta do que a de estudantes brancos na mesma escola ou município, um indicador de que a distorção idade-série (indicador que mede o atraso de um estudante em relação à série em que ele deveria estar naquela idade) afeta os alunos e alunas de maneira desigual.
Faria afirma que a mudança na divulgação representa um retrocesso de 15 anos, para uma época em que o Inep não divulgava dados detalhados ao nível de cada estudante. “A gente conseguiu evoluir muito desde 2007, é como se a gente estivesse voltando 15, 16 anos no tempo.”
Segundo o especialista, as mudanças aplicadas não são as necessárias para adequar os microdados à LGPD. "Tem ajustes que deveriam ser feitos para dificultar a identificação dos alunos. Mas poderiam ter adotado estratégias para dificultar essa identificação. Por exemplo: tirar a data de nascimento e colocar só a idade em diferentes datas de referência", sugeriu ele.
Microdados do Enem também tiveram análise prejudicada
Os microdados do Enem 2020, como são chamados, foram divulgados em um novo modelo que não descreve o código de identificação da escola, os municípios de nascimento e de residência do participante e informações sobre os pedidos de atendimento especializado, específico e de recursos para atendimento especializado.
Para a economista Fabiana de Felício, diretora da consultoria Metas Sociais, a omissão destes dados pode impactar no levantamento de parâmetros importantes para a avaliação educacional. Um estudo sobre a desigualdade de acesso à escolas de qualidade por raça/cor, por exemplo, fica impossibilitado.
Para ela, que atuou como diretora de Estudos Educacionais do próprio Inep entre 2005 e 2008, quem é prejudicada é a população.
"O público principal dos microdados do Enem são pesquisadores, que querem entender como está a infraestrutura das escolas, o desempenho dos alunos de áreas rurais, por exemplo. O resultado disso pode vir em investimentos na educação ou em cobranças por parte da sociedade civil. Sem estes dados, o pesquisador pode mudar de área e ninguém vai saber como está o panorama da educação".
Importância dos dados
Fabiana de Felício explica que não é a população que cruza os dados dos estudantes, mas que este é um passo importante para pesquisadores da área da educação. Isso porque identificar o participante do levantamento permitiria ao profissional acompanhar o desenvolvimento do aluno ao longo de sua vida acadêmica, por exemplo.
"Os dados são de interesse do pesquisador. O profissional precisa saber se aquele aluno que prestou o Enem chegou ao ensino superior, se prestou o Enade. As informações são cruzadas apenas para fins como este", explica ela.
Segundo o Inep, pesquisadores ainda poderão ter acesso aos dados através do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), que possibilita solicitar acesso a bases restritas da entidade.
Para Felício, a decisão não supre a necessidade, já que o sistema é burocrático e pode negar ao profissional acesso a dados importantes.