Inflação corrói poder de compra
Inflação dos alimentos corrói poder de compra dos trabalhadores
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de abril, divulgado pelo IBGE no final do mês, foi de 1,73%, ficando 0,78 ponto percentual acima da taxa de março – a maior variação desde 1995
Por Flávio Ilha / Publicado em 10 de maio de 2022
Os consumidores, então, se desesperam. “No último mês tive que cortar muita coisa, os preços dispararam. A gente até consegue administrar o orçamento, mas e quem está desempregado?”, indaga a aposentada Sônia Zilbernstejn, 80 anos, que percorre, mesmo de bengala, a feira livre do Bom Fim em busca de mercadorias baratas.
A culpa por esse cenário distópico é das altas sem controle nos preços da gasolina, do diesel e do gás natural, fruto da política dolarizada da Petrobras, e das condições climáticas desfavoráveis pelo aquecimento global. Também, contribuiu o aumento do preço da energia elétrica, que impacta toda a cadeia produtiva, preços esses, administrados pelo governo federal.
Menos mal que os consumidores podem optar pelas feiras livres, que têm preços até 30% mais baratos que nos supermercados. Exemplo do tomate longa vida: enquanto nas bancas o produto varia de R$ 5,80 a R$ 6,98, nos supermercados o preço sobe de R$ 9,49 a R$ 13,90. Alguns produtos, entretanto, não podem ser comprados em feiras – é o caso do leite. A inflação do produto chegou a quase 20% neste ano, segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Cesta básica em Porto Alegre é a quarta mais cara do país
Oito dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados tiveram alta na inflação de março. A maior variação (3,02%) veio do item Transportes, seguido da Alimentação (que inclui bebidas), com alta de 2,42%. Juntos, os dois grupos contribuíram com cerca de 72% do IPCA de março. Além deles, houve aceleração também nos grupos Vestuário (1,82%), Habitação (1,15%) e Saúde (0,88%).
Entre os 13 itens analisados pela entidade, cinco lideram o ranking dos mais inflacionados nos últimos 12 meses. Além do tomate, estão no topo da lista o café, o açúcar, a batata e o leite. Só em 2022, a batata teve incremento de 30,64%, enquanto o café subiu 12,14%. A batata e o leite, itens essenciais na mesa dos trabalhadores, aumentaram, respectivamente, 23,38% e 19,41%.
De acordo com o levantamento, a cesta básica de Porto Alegre foi a quarta mais cara do país em março, entre 27 capitais. Na capital gaúcha, o consumidor desembolsou R$ 734,28 em produtos básicos de alimentação, R$ 110,00 a mais que no mesmo mês do ano passado. Só nos três primeiros meses de 2022, a cesta acumula alta de 7,52%. Em um ano (entre abril de 2021 e março de 2022), a alta foi de 17,8%.
Mas o descontrole de preços não para por aí. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de abril, divulgado pelo IBGE no final do mês, foi de 1,73%, ficando 0,78 ponto percentual (p.p.) acima da taxa de março (0,95%). Essa foi a maior variação mensal do indicador desde fevereiro de 2003 (2,19%) e a maior variação para um mês de abril desde 1995, quando o índice foi de 1,95%. No ano, o IPCA-15 acumula alta de 4,31% e, em 12 meses, de 12,03%, acima dos 10,79% registrados nos 12 meses anteriores. Em abril de 2021, a taxa foi de 0,60%.
A economista Daniela Sandi, do Dieese, diz que é a primeira vez que a cesta básica ultrapassa os R$ 700,00 em Porto Alegre, desde que a instituição começou a acompanhar as variações, em 1994. “O comprometimento do salário mínimo para aquisição dos 13 itens se situa acima dos 65% desde meados de 2021. Isso é muito preocupante e indica uma corrosão acentuada da renda do trabalhador”, pontua.
“Não vejo alívio no curto prazo. Nossa expectativa é de alta de 1% ao mês para alimentos e, nesse ritmo, não me surpreenderia se a inflação do grupo ficasse beirando os 10%. Em cima disso, com quase 30% acumulados desde 2020, estamos falando de, em três anos, cerca de 40% de inflação de alimentos. Vai virar um problema social grave”, prevê.
Mensalmente, a Fipe divulga o IPC FX (Índice de Preços ao Consumidor por Faixa de Renda), medido na cidade de São Paulo. Os dados mais recentes mostram que, em março, a inflação de alimentos foi de 2% para famílias que ganham mais de oito salários mínimos (mais de R$ 9.696,00 por mês). Para as famílias que ganham entre um e três salários (entre R$ 1.212,00 e R$ 3.636,00), o índice foi de 2,66%. E na faixa intermediária, entre três e oito mínimos (R$ 3.636,00 a R$ 9.696,00), a inflação de alimentos foi de 2,32%.
“Nas famílias de baixa renda, há um peso muito grande de alimentação, transportes e habitação”, diz o economista. Para ele, quem está na faixa de renda maior consegue remanejar despesas ou reduzir gastos supérfluos. É possível andar menos de carro, se a gasolina está mais cara. Mas, questiona Moreira, que margem de redução as famílias de baixa renda têm?
Produtos supérfluos
A explicação, dessa vez, está no preço do diesel: como o produto vem da cidade de Três de Maio, a 470 quilômetros de Porto Alegre, o frete impacta fortemente os custos do feirante. Como se trata de um produto supérfluo, ele não tem como repassar o aumento de forma integral a seus clientes.
Jessof aplicou um aumento linear de 20% nas suas mercadorias, mas, ainda assim, o consumo, segundo ele, caiu por volta de 30%. “Mesmo diminuindo o lucro, a venda caiu muito. O jeito agora é reduzir as despesas da banca, diminuir funcionários e cortar as despesas em casa”, avisa.
“Aqui é tudo na ponta do lápis, uma ginástica para ganhar um pouco que seja, sem diminuir a qualidade do produto. Não posso aumentar muito porque, senão, o consumidor desaparece. Mas também não posso pagar para trabalhar”, argumenta. Ela conta que já cortou gastos domésticos para reduzir o impacto e planeja diminuir a quantidade de feiras, para gastar menos.
No caso do suco de laranja, a situação é mais grave ainda: a caixa da fruta, que custava R$ 25,00 em fevereiro, saltou para R$ 45,00 em março. Dona Elisângela diz que o preço da garrafa de dois litros do produto, muito procurado pelos clientes, está no limite. “Se aumentar mais, eles nem vêm à banca. E se não vêm, como é que vou vender as outras mercadorias?”, indaga.
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