Injusto culpar a legislação local?

Injusto culpar a legislação local?

 

Fabiano da Costa

 

Na quinta-feira, dia 9 de maio de 2024, um Eduardo Leite frio e ambicioso, que ainda queria ser presidente, disse em entrevista coletiva ser “injusto culpar a legislação local” pela tragédia". Ao tentar negligenciar o impacto de um Código ambiental, que ele mesmo ajudou a devastar, tem sobre o ecossistema, Leite aparentava não saber que foram ao todo, 437 municípios atingidos, estando até agora, 230 mil pessoas desabrigadas. Neste combo, se incluem 83% dos municipios gaúchos em calamidade, 116 pessoas mortas, 130 desaparecidas, e mais de um milhão de gaúchos com suas vidas afetadas. Empresas inteiras sumiram e com elas, dezenas de milhares de empregos evaporaram. Parte da produção agrícola e cidades inteiras sumiram.

Seguindo a linha de Leite, uma das pessoas mais ambiciosas e teimosas que já vi, eu gostaria de propor a mesma dicotomia de pensamento do governador: que separassemos o termo "As enchentes no RS", da oração "maior tragédia ambiental do estado". Explico o porque: a maior tragédia ambiental deste estado não começou no dia 26 de abril, como todos pensam, com as chuvas torrenciais que arrasaram Vale do Taquari e Serra. Defini-las, portanto, em um momento isolado, é responsabilizar a natureza e negligenciar a História de uma tragédia.

Esta desgraça toda, que ceifou ou arruimou a vida de milhares de pessoas, começou, de fato com o Aquecimento Global, que é decorrente da Industrialização desmesurada e do descontrole das instâncias públicas sobre o Capital privado no Primeiro Mundo e em sequência no Terceiro Mundo, onde a Industrialização atrasada, bem como a implantação de uma Capitalismo periférico, foram letais aos ecossistemas. No caso do Brasil, tudo piorou diante da completa negligencia com o Relatório sobre o clima, divulgado em fevereiro de 2007.

Aquele documento, histórico, pela primeira vez, tratou de danos irreversíveis ao Planeta e apontou para a extinção da Raça Humana. Naquele dossiê, em linhas simplificadas, a ONU afirmava que as décadas a seguir nos colocariam diante de fenômenos climáticos cada vez mais violentos e inimagináveis. O Congresso brasileiro, e até o segundo mandato tecnocrata de Dilma Roussef, levado a cabo pelo banqueiro Joaquim Levy, apontando para a continuidade da oferta de consumo para a população, mostraram que nossos políticos não haviam percebido a gravidade do documento até então. Nisto, após o mau agouro de Michel Temer, os quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2023, foram o prego definitivo no caixão: Leite e toda a turma seguiram o exemplo de Ricardo Salles e "passaram a boiada" nas Legislações ambientais.

Se Jair Bolsonaro e Ricardo Salles permitiram a matança de Yanomamis e a derrubada de milhares de hectares de florestas nativas amazônicas, Eduardo Leite e os seus deputados amestrados adulteraram um Código ambiental de quase 20 anos, e que havia sido redigido com base nos estudos do grande José Lutzenberger - um dos mais respeitados ecologistas no mundo. Foi preciso que um Eduardo Leite carregado de ambição, e algumas dezenas de deputados gaúchos, dentre eles completos idiotas, sem grande esmero intelectual, se achassem mais conhecedores de meio ambiente que Lutzenberger e arruinassem um códido que consumiu duas décadas de estudos do mesmo.

Com todos os sinais sendo dados, ignorando a Ciência, e fechando os ouvidos para os ambientalistas, que bradavam na plateia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALERGS), os então deputados estaduais Fabio Branco e Sebastião Melo, os dois do PMDB e agora prefeitos de Rio Grande e de Porto Alegre, respectivamente, votaram no PL de Eduardo Leite (PSDB) em 2020, e acabaram adulterando 480 itens do Código ambiental do estado.

Entre estes 480 itens, vejam só, estavam alguns que geravam maior polêmica, como os que ameaçavam matas ciliares e córregos de água. Segundo os ambientalistas, em 2020, as adulterações propostas por Leite, e aprovadas pelos deputados, permitiriam cheias históricas no RS.

Não se engane e não lacrimeje com as "Histórias de superação" mostradas pela RBS, que tenta, agora, de todas as maneiras blindar e isentar Eduardo Leite, Sebastião Melo e Fabio Branco, e os então deputados da ALERGS que aprovaram o Projeto do Governo. Foram aqueles votos, e a mais completa falta de empatia com o povo gaúcho, somados a um completo negacionismo diante da Ciência, que nos levaram a isto. Se Leite está certo em afirmar que a adulteração do Código por si só, não foi o motivo da tragédia, é certo que a pontecializou. Na natureza, não existem coincidências.

As alterações em 480 normas do Código Ambiental, aprovadas pelos então deputados gaúchos, permitiram flexibilizar as normas tecnicas ambientais, visando acelerar laudos e facilitar a instalação de empreedimentos econômicos no estado. Na época, ambientalistas advertiram que aquilo traria enormes consequências aos gaúchos. Dito e feito.

Em 2021, um ano depois, já sem Melo e Fabio Branco na ALERGS, Leite ainda alterou outra regra e permitiu que fossem vendidos no estado, agrotóxicos que não tinham permissão de uso no seu país de origem. Ou seja: tudo o que os europeus botam fora ou querem longe, nós consumimos. Mais uma vez, os ambientalistas advertiram o governador e seus deputados amestrados, mas a Base de Eduardo Leite, formada pela Direita (tendo o PMDB no meio), blindou a proposta. Um dos seus deputados mais leais, também do PMDB, o bolsonarista Gabriel Souza, chegou a ser o líder do governo na ALERGS e acabou sendo premiado por tanta submissão: tornaria-se o vice-governador de Leite no segundo mandato.

Mas o pior viria em 2024, quando Leite sancionou uma lei que flexibiliza a construção de barragens e outros reservatórios de água, dentro de áreas de proteção permanente. Tal medida, segundo ambientalistas, poderia gerar maiores acúmulos de chuvas localizadas e além disto enchentes, alagamentos e inundações. Os ambientalistas afirmam que esta flexibilização, pode estar intimamente ligada ao desastre de agora no estado.

Há os que estão culpabilizando a ira de Deus por tudo o que estamos passando. Há também os crentes que estão jogando tudo nas costas do diabo. Eu, amparado na ciência, carregando o Relatório sobre o Clima, de 2007, digo que nem um e nem o outro são culpados. Quem tem Eduardo Leite no Piratini, e Fabio Branco e Sebastião Melo, entre outros, como deputados da ALERGS, pode ficar descansado: a ira de Deus, ou a maldade do diabo, se torna fichinha perto de suas decisões políticas.

O povo de Rio Grande, desabrigado, andando por aí com os pés molhados e portando trouxas de roupa, que o diga.

Fabiano da Costa é professor de História e ex-aluno do Mestrado em Educação ambiental pela FURG.

FONTE:

https://www.facebook.com/fabiano.dacosta.7 




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