Interferência ideológica no Ideb

Interferência ideológica no Ideb

MEC dissolve grupo que iria renovar o Ideb e especialistas temem interferência ideológica

Tarefa de analisar principal avaliação educacional do país saiu da área técnica e passou para a política; servidores também se preocupam com esvaziamento do Inep, que aplica o Enem

O Ministério da Educação (MEC) dissolveu um grupo de especialistas que discutia a renovação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal avaliação nacional da qualidade da educação, e repassou a tarefa para a secretaria executiva, um órgão político. Especialistas e servidores temem que a decisão possa ter sido tomada por questões ideológicas.

O Ideb é um indicador criado em 2007  cujo cálculo combina a taxa de aprovação da escola e os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), um teste padronizado de Português e Matemática realizado a cada dois anos com alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º do ensino médio. O objetivo é medir a evolução ao longo do tempo das escolas e das redes públicas, que têm metas, estabelecidas pelo próprio Ideb, a cumprir.

O objetivo do Inep, ao criar o indicador, era o de que toda escola pública atingisse pelo menos nota 6 em 2021. Em 2019, último resultado disponível, o Brasil atingiu 5,9 nos primeiros anos do ensino fundamental (único resultado dentro da meta para aquele ano),  4,9 nos anos finais do fundamental e 4,2 no ensino médio.

E 2021 é justamente o último com metas já estabelecidas. Portanto, o Inep criou, em 2 de outubro do ano passado, um grupo de trabalho denominado "Novo Ideb", com o objetivo de elaborar estudo técnico para subsidiar a atualização do índice.  Ele foi formado por membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do próprio MEC, da Secretaria de Educação Básica e da Secretaria de Alfabetização. A tarefa era a de apresentar uma proposta de novas diretrizes para o índice.

— Há diversos aspectos que precisam ser debatidos. Teremos novas metas? Como elas serão? Se mudarem o Saeb, essas alterações serão incorporadas ou vão manter apenas Português e Matemática no Ideb? É possível fazer um recorte do indíce por grupos socioeconômicos? É o momento de se mudar a estrutura do próprio índice? — elenca Reynaldo Fernandes, especialista em avaliação educacional, que participou da criação do Ideb e, como convidado, das reuniões do grupo. — Esses temas já estavam sendo discutidos quando as reuniões foram adiadas e depois canceladas.

O grupo criado pelo Inep na gestão de Alexandre Lopes, que perdeu o cargo em fevereiro desse ano, foi desfeito após apenas duas reuniões. A decisão foi publicada no dia 11 deste mês, apenas dez dias depois de do economista Danilo Dupas Ribeiro ser nomeado como novo presidente do instituto. O estudo técnico, agora, está sob a responsabilidade da secretaria executiva do MEC, comandada por Victor Godoy Veiga.

Segundo o ex-secretário de Educação de Pernambuco, Frederico Amâncio, que participou do grupo como representante do Consed, as discussões ainda estavam no início quando, de forma surpreendente, foram suspensas.

— O grupo era consultivo. Ele formularia uma proposta que seria entregue ao MEC — afirma. — Esse trabalho tem que ficar pronto no ano que vem, mas essas discussões levam tempo e precisam começar o quanto antes.

Conselheiro da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave) e professor do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), Wagner Rezende afirma que a discussão para renovar o Ideb é bem vinda, mas é preciso ouvir pesquisadores que trabalham com o tema, universidades, e órgãos como CNE, Undime e Consed para renová-lo.

— Hoje é possível comparar o índice de um ano com o outro. Se o Indeb passar por alterações profundas, essa linha histórica se perderá. Isso só é aceitável se ele mudar para melhor. Por isso é preciso discutir muito que mudanças serão essas — afirma o especialista.

Procurado pelo GLOBO, o MEC não respondeu por que dissolveu o grupo para debater o novo Ideb, nem o que pretende para o índice.

Esvaziamento do Inep

Servidores do Inep classificaram a decisão como “estranha” para O GLOBO. Isso porque o nstituto é responsável pelas avaliações educacionais do governo, que tem quadros técnicos para o trabalho e já tem a experiência de trabalhar com o Ideb desde a sua criação. Além disso, o Plano Nacional de Educação, que é uma lei federal, determina que cabe ao Inep a elaboração e o cálculo do Ideb.

— Eles podem incluir variáveis que não necessariamente vão estar sustentadas em critérios técnicos até então utilizadas pelo Inep. Isso gera preocupações. Ficam dúvidas sobre quais são as intenções. Cálculo matemático é possível calibrar para mostrar o que se quer — afirma um funcionário do órgão, que não se identificou por medo de represália.

A expectativa no instituto é a de que outros trabalhos do Inep devem migrar para secretarias políticas do MEC. Isso significa tirar decisões importantes de profissionais técnicos e dar mais poder ao grupo alinhado politicamente ao ministro Milton Ribeiro. Além disso, haveria no MEC a visão de que o Inep tem travado mudanças pretendidas pela atual gestão e, por isso, é hoje considerado uma área de resistência ideológica.

Esses movimentos, de acordo com os servidores, fazem parte do fortalecimento de Carlos Nadalin, principal representante da ala ideológica mais conservadora na pasta. Secretário de Alfabetização do MEC, ele é seguidor de Olavo de Carvalho e próximo da família Bolsonaro.

Na última semana, a ala ideológica conservadora da pasta emplacou o nome da professora universitária Sandra Ramos, defensora do criacionismo e ligada ao movimento “Escola Sem Partido”, para comandar o órgão responsável pela coordenação de materiais didáticos do MEC.

 

https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/mec-dissolve-grupo-que-iria-renovar-ideb-especialistas-temem-interferencia-ideologica-24936756




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