Investimento em melhores salários e formação

Investimento em melhores salários e formação

Investimento em melhores salários e formação adequada podem amenizar déficit de professores até 2040, apontam especialistas

Educadores analisam resultados do estudo do Sesi-RS, que projeta falta de 10 mil docentes

10/10/23   CHRISTIAN BUELLER GZH

 

Já foi mais comum ouvir de crianças e adolescentes que querem se tornar professores quando crescerem. Esse desinteresse é uma das razões apontadas para o déficit de educadores estimado pelo estudo do Serviço Social da Indústria (Sesi-RS), divulgado nesta terça-feira (10). O levantamento estima a falta de 10 mil docentes na Educação Básica no RS em 2040. Para especialistas, somente a valorização dos profissionais em sala de aula poderá reduzir a queda na procura pelas licenciaturas.

Segundo o trabalho Apagão de professores: Uma análise dos impactos da oferta de docentes no RS, desenvolvido pelo Observatório Sesi da Educação, o Estado terá 83.783 professores em atividade, quando serão necessários 94.137 em sala de aula. Um dos fatores que explica a queda é o desinteresse pelos cursos de licenciatura no RS. Entre 2010 e 2021, foram registradas quedas no número de ingressantes (-59,91%), nas matrículas (-48,37%) e nos formados (-59,25%) nesses cursos.

— O que chama a atenção é a velocidade de queda desse número de professores na oferta em relação à população em idade escolar até 2040. Se pensava que a redução do crescimento populacional poderia contribuir com os indicadores de qualidade. Mas, o número de docentes cai quatro vezes mais do que a diminuição do número de estudantes — explica a coordenadora do Observatório Sesi da Educação, Ecleia Conforto.

Os índices, segundo ela, são alerta para que gestores públicos possam tomar medidas a fim de amenizar o cenário atual e futuro. Para isso, Ecleia elenca a profusão de formações continuadas, valorização da carreira do Magistério e criação de formas de ouvir os docentes sobre suas realidades como caminhos possíveis.

— Os professores que estão na ativa, em virtude de mudanças tecnológicas e contato com perfis geracionais diferentes, precisam estar constante em formação para mudar este quadro. Temos que discutir sobre a matriz curricular na formação desses profissionais. É uma categoria que transforma a sociedade. É preciso criar políticas que coloquem esta profissão onde tem que estar, com plano de carreira que corresponda a indicadores que os remunerem justamente — sugere Ecleia.

Identificação com o aluno

Bettina Steren, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades da PUCRS, corrobora quanto à pouca valorização da classe, fato que leva estudantes a desistem de seguir na carreira:

— Ouvimos relatos nos cursos de licenciatura de que as famílias não gostam e não apoiam por conta da baixa remuneração. Com a pandemia, isso mudou um pouco, pois, com as aulas em casa, os familiares entenderam a necessidade e o papel dos professores na vida de seus filhos.

Segundo o estudo do Sesi, a oferta de licenciatura em instituições de Ensino Superior privadas foi a que teve a maior queda, 48,3% entre 2010 e 2021. Para Bettina, uma mudança na metodologia de ensino agregaria no incentivo de mais estudantes buscarem exercer a profissão.

— Muitos alunos não gostam do que os professores fazem em sala de aula. Com melhores formações, que os aproximem, será mais fácil dos jovens se espelharem para seguirem a carreira — diz a professora da PUCRS, que acredita em uma melhora neste quesito a longo prazo.

 

 

 

 

Melhores cursos de formação

O levantamento do Sesi também mostra lacunas de profissionais capacitados para atuar em determinadas áreas. No Ensino Fundamental, por exemplo, 25% de docentes que atuam área de Matemática não são formados neste curso. Em Geografia, o índice é de 45% nos anos finais e de 32% nos iniciais. Para o professor da Faculdade de Educação da UFRGS, Sérgio Franco, é um círculo vicioso:

Se pensava que a redução do crescimento populacional poderia contribuir com os indicadores de qualidade. Mas, o número de docentes cai quatro vezes mais do que a diminuição do número de estudantes.
ECLEIA CONFORTO, coordenadora do Observatório Sesi da Educação

— De modo geral, se eu não tenho um professor de Geografia na escola, formado em Geografia, eu não vou querer ser professor dessa disciplina porque não sentirei o entusiasmo com aquele assunto. Isso acontece em muitas escolas, em várias áreas.

Ainda que seja esperançoso, Franco considera uma questão complexa que não se resolve com soluções simples. Além de uma melhor remuneração dos professores, o especialista sugere uma espécie de “campanha de marketing” sobre os lados positivos de se seguir nesta profissão.

— As universidades precisam discutir isso e levar essa ideia para as escolas, mostrando como vale a pena ser professor hoje em dia — Diz Franco.

Franco acredita, ainda, na necessidade de qualificar cursos a distância para professores.

— Estive visitando o Chile e fiquei sabendo que o país começou a cobrar um mínimo de qualidade na formação de docentes. A partir daí, uma quantidade enorme de cursos fecharam. Com cursos melhores, a presença destes professores, mais qualificados, inspiraram mais alunos a seguir seus passos — relaciona Franco.

O professor entende que um trabalho articulado entre poderes nas esferas municipal, estadual e federal, universidades e sociedade pode sanar o problema a médio e longo prazo:

— Uma iniciativa em gestação no Ministério da Educação, da residência pedagógica, como acontece na área da saúde, é uma boa ideia. Precisamos resolver situações urgentes e planejar soluções com mais tempo para termos resultado daqui a oito ou 10 anos.

Turno integral

A professora universitária da Fundação Getúlio Vargas e de Harvard Cláudia Costin diz que a profissão de professor é “tão complexa quanto a do médico”.

— A opinião pública não pensa assim. O docente não precisa de pena, só precisa de mais prestígio — lamenta Cláudia.

Ela lembra que, segundo dados recentes do Censo, a estimativa de déficit de professores em 2024 no Brasil é de 235 mil. Ela elenca vários fatores para este número.

— Estamos em transição demográfica. A geração atual de professores está se aposentando. Em contrapartida, as universidades brasileiras têm tido 59% de evasão dos cursos licenciaturas. Muito disso vem de contratos fragmentados, de 16 horas, 20 horas. Profissionais precisam trabalhar em duas ou três escolas para fechar as 40 horas de horas/aula – lembra.

Cláudia entende que o turno integral nas escolas, que significaria melhores salários, contribuiria com a questão:

— Nem falo da Coreia, onde os turnos têm nove horas. Mas poderíamos seguir França, Estônia e, até mesmo os Estados Unidos, com sete horas. Teríamos uma metodologia ativa, educação mais “mão na massa”, evitaria matérias obrigatórias espremidas em pouco tempo, em que os alunos só decoram os conteúdos.

Ela cita Pernambuco, considerado o melhor Ensino Médio do país, que utiliza o turno integral e foi seguido por Estados como Paraíba e Ceará, que melhoraram seus índices educacionais.

— O Rio Grande do Sul está nesse caminho, mas precisa pisar no acelerador. Há iniciativas boas como incentivar alunos de licenciaturas com bolsas de estudo (programa Professor do Amanhã). Sei que foram anos de crise fiscal que impossibilitaram a atenção necessária à área, mas agora, parece, que o ensino no Estado acordou — destaca.

FONTE:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/educacao-basica/noticia/2023/10/investimento-em-melhores-salarios-e-formacao-adequada-podem-amenizar-deficit-de-professores-ate-2040-apontam-especialistas-clnku4ecu00eg015dus30etza.html 




ONLINE
130