Justiça derruba liminar
Justiça libera retomada da cogestão e das flexibilizações da bandeira preta na segunda
Decisão abre caminho para a reabertura de comércio e serviços considerados não essenciais a partir desta semana
21/03/2021
Mesmo que prefeituras adotem as regras mais flexíveis, as restrições serão maiores do que as estipuladas há algumas semanas Mateus Bruxel / Agencia RBS
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) derrubou, na tarde deste domingo (21), a liminar (medida imediata e provisória) que suspendia o retorno do sistema de cogestão das medidas sanitárias de combate à pandemia entre governo do Estado e municípios. Como resultado, a flexibilização dos protocolos sanitários da bandeira preta em cidades gaúchas poderá acontecer a partir desta segunda-feira (22).
Mesmo que prefeituras adotem as regras mais flexíveis, as restrições serão maiores do que as estipuladas pela bandeira vermelha de semanas atrás: haverá limitação maior de horários a atividades econômicas não essenciais durante a semana, entre 20h e 5h, e aos finais de semana e feriados, quando o atendimento presencial seguirá proibido.
Supermercados poderão receber clientes até 22h, e não mais 20h, e poderão voltar a comercializar todos os produtos antes restritos a itens essenciais. Serviços essenciais em geral, como farmácias, não terão restrições de horários, apenas de distanciamento. Restaurantes e bares poderão receber clientes presencialmente somente até as 18h (veja abaixo as regras de cada setor).
A decisão do desembargador do TJ-RS Marco Aurélio Heinz acolheu o recurso da Procuradoria-Geral do Estado e revogou a decisão do juiz de primeira instância Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre.
Na decisão, o desembargador Heinz defendeu que o governo do Estado tem liberdade para escolher as medidas indispensáveis de combate à pandemia, mas que não é possível obrigar o governador "a não flexibilizar o sistema de distanciamento controlado, muito menos compelir o chefe do Executivo a aumentar as restrições do regime de bandeira preta".
Heinz ainda afirma que há risco de desinformação da população "de se antecipar ao Chefe do Poder Executivo e o Poder Judiciário determinar medidas administrativas relativas à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia do covid-19".
A decisão liminar que proibia a volta da cogestão havia revoltado parcela de comerciantes gaúchos. Ao longo do fim de semana, lojistas de diferentes cidades cogitavam, por WhatsApp, abrir as portas na segunda-feira mesmo se a Justiça mantivesse a abertura proibida. No sábado (20), Fiergs, Federasul e Fecomércio-RS publicaram nota conjunta manifestando "veemente discordância" à liminar de sexta-feira.
Conforme o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, a decisão do TJ foi sensível ao argumento do Estado de que a cogestão não significa uma liberação automática de atividades ou abrandamento de medidas restritivas, e sim uma margem para que os prefeitos façam ajustes considerando a realidade de cada município.
- Essa adaptação às realidades locais também precisam passar por comitês científicos, com equipes capacitadas e um plano bem estruturado na área de saúde. Sempre ressaltando que qualquer adaptação é temporária e respeitando a margem entre as bandeiras (vermelha e preta) - salienta o procurador-geral.
Conforme a PGE, as novas regras valem até 4 de abril e serão publicadas em decreto ainda hoje. A partir de segunda-feira, os representantes de cada região covid poderão aderir à cogestão.
Como ficam as regras:
Supermercados
-De segunda a sexta-feira: podem receber clientes, com restrições, das 5h às 22h. Das 22h às 5h, apenas delivery.
-Sábado, domingo e feriados: podem receber clientes, com restrições, das 5h às 22h. Das 22h às 5h, apenas delivery.
Farmácias
-De segunda a sexta-feira: podem receber clientes presencialmente sem restrições de horário, desde que com restrições de distanciamento.
-Sábado, domingo e feriados: podem receber clientes presencialmente sem restrições de horário, desde que com restrições de distanciamento.
Comércio e serviços essenciais
-De segunda a sexta-feira: podem receber clientes, com restrições de distanciamento. -Sábado, domingo e feriados: podem funcionar, com restrições de distanciamento.
Comércio não essencial
-De segunda a sexta-feira: pode receber clientes presencialmente de segunda a sexta-feira, com restrições, das 5h às 20h. Das 20h às 5h, somente delivery.
-Sábado, domingo e feriados: fica fechado, somente delivery.
Restaurantes, bares, lanchonetes
-De segunda a sexta-feira: podem receber clientes presencialmente, com restrições, das 5h às 18h. Das 18h às 20h, somente pague e leve e delivery. Das 20h às 5h, somente delivery.
-Sábado, domingo e feriados: ficam fechados para clientes presenciais.
Serviços de beleza e higiene
-De segunda a sexta-feira: podem receber clientes presencialmente, com restrições, das 5h às 20h. Das 20h às 5h, devem permanecer fechados.
-Sábado, domingo e feriados: ficam fechados.
Por que Leite vai afrouxar as restrições no momento em que o RS apresenta os piores índices
O governador tem uma resposta clara, embora controversa
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite Itamar Aguia / Palácio Piratini/Divulgação
Que movimento arriscado do governador! Tomara que dê certo, claro, mas uma dúvida precisava ser esclarecida: em qual indicador técnico ele se baseou para flexibilizar as atividades a partir da próxima segunda-feira (22)? Eduardo Leite respondeu a essa pergunta na entrevista que nos concedeu nesta quarta (17), no Jornal do Almoço.
Primeiro, vamos aos fatos: o Rio Grande do Sul, nos últimos 10 dias, viu dobrar o número de mortes diárias por covid-19, registrou o recorde de 502 óbitos em 24 horas e tornou-se o Estado brasileiro com a maior taxa de crescimento de novos casos de coronavírus. A dúvida é óbvia: se há três semanas Leite decidiu restringir as atividades – e inclusive comprou briga com prefeitos e empresários –, por que resolve afrouxá-las agora, em um momento ainda pior?
O governador deu uma resposta interessante, embora controversa. Segundo Leite, as restrições que ele impôs já apresentam, sim, resultados positivos. São resultados ainda pouco visíveis, mas que logo adiante devem acarretar redução de internações e mortes. Por isso, na avaliação do governador, já é possível fazer algumas flexibilizações.
Por exemplo: a taxa de contágio no Rio Grande do Sul caiu de 2,35 para 1,41 – ou seja, cada 100 pessoas contaminadas transmitem a doença agora para outras 141. A queda é realmente significativa, mas, para o número de doentes parar de crescer, o índice precisaria estar abaixo de 1. Leite não disse isso no Jornal do Almoço, mas imagino que, no entender dele, a tendência é de que essa taxa continue caindo.
O governador apresentou outros dados que considera auspiciosos: o número de leitos clínicos ocupados, por exemplo, parou de crescer. E a média diária de novos pacientes precisando de leitos (sem contar os que já estão internados) despencou de 358 para 16.
– Continuando nessa perspectiva, a gente vai observar, sim, nos próximos dias, uma redução da ocupação de leitos. Ainda vai ser em um ritmo lento, mas que já vai demonstrar a redução do contágio – previu o governador.
A controvérsia maior, que irrita epidemiologistas e diretores de hospitais, é justamente afrouxar as medidas antes de os resultados serem perceptíveis e concretos. O infectologista Ronaldo Hallal, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, protestou nesta quarta-feira (17), na Rádio Gaúcha, contra essa suposta precipitação de Eduardo Leite:
O fôlego econômico não se sustenta por mais tempo: o país se endividou, não há recursos, o auxílio emergencial agora é três vezes menor.
EDUARDO LEITE - Governador do Rio Grande do Sul
– Em qualquer país onde a experiência do isolamento tenha funcionado, as atividades retornaram quando já havia índices menores, e não no momento em que eles nunca estiveram tão elevados, como é o nosso caso.
Hallal ainda criticou a ausência de políticas de conscientização – e de acesso da população a máscaras que sejam mais eficientes no bloqueio do vírus. Mas, retornando às flexibilizações, por que o governador resistiu em aguardar um pouco mais? Por que decidiu reduzir as restrições tão cedo?
– Porque o fôlego econômico não se sustenta por mais tempo: o país se endividou, não há recursos, o auxílio emergencial agora é três vezes menor. Como estamos vendo o início de uma curva (de contágio) descendente, vamos passar para uma abertura lenta e gradual, mas ainda com muitas restrições e fiscalizações – respondeu Leite na entrevista.
Repito: tomara que dê certo. Porque o movimento é bem arriscado.