Juventudes dispensadas
Juventudes dispensadas
Por Gabriel Grabowski / Publicado em 8 de janeiro de 2024
“A juventude vive hoje numa era sem esperança, uma era em que é difícil
sequer imaginar uma vida além do capitalismo de livre mercado
ou superar o receio de que qualquer tentativa de fazê-lo só pode resultar
no agravamento dessa situação” (Henry A. Giroux)
As juventudes que não estão estudando, que não estão empregadas nem realizando qualquer tipo de qualificação profissional ou estágios que os capacitem para o mundo do trabalho estão sendo dispensadas pelo modelo econômico e social capitalista neoliberal de uma sólida formação básica integral (oferta integrada de educação técnica profissional ao ensino médio), do ensino superior de qualidade social, do acesso ao mundo do trabalho com dignidade e, inclusive, do direito à vida com liberdade e segurança.
“Vistos cada vez mais como outro encargo social, os jovens não estão mais incluídos no discurso sobre a promessa de um futuro melhor. Em lugar disso, agora são considerados parte de uma população dispensável, cuja presença ameaça evocar memórias coletivas reprimidas da responsabilidade dos adultos”, assim escreveu Henry A. Giroux em 2011 em um ensaio intitulado “A juventude na era da dispensabilidade”.
Retomo nesta 85ª coluna do Extra Classe o tema das juventudes do Brasil que tratei na minha primeira coluna, escrita em janeiro de 2017, quando defendi a ideia de que a nossa maior riqueza (“bônus demográfico” composto por mais de milhões jovens na época) e oportunidade de transformar o Brasil passavam pelo cuidado destes jovens, priorizando investimentos substanciais em políticas públicas de Estado e oportunizando uma educação de excelência para todos.
Porém, a realidade das juventudes brasileiras, especialmente das juventudes periféricas negras e pardas, é de exclusão, violência contínua, pobreza, desesperança, incertezas e negação dos seus direitos humanos básicos, como: Direito à Diversidade e à Igualdade; Direito à liberdade de Expressão; Direito à Cultura, à Educação, à Segurança Pública e o Direito à Vida. A garantia efetiva de todos estes direitos é dever do Estado (União, Estados e Municípios) e da Sociedade como um todo.
A dispensabilidade do direito à vida é comprovada pelas estatísticas de mortes e violências praticadas contra nossos adolescentes e jovens, evidenciadas em contínuas edições do Fórum Nacional de Segurança pública, por meio do Atlas da Violência de 2011-2023.
Desde 2011, o Brasil registrou 616.095 homicídios, sendo 326.532 de jovens de 15 a 29 anos. A cada 100 jovens mortos em 2021, 49 foram vítimas de homicídio.
Dos 47.508 mortos por violência intencional no país em 2022, 76,5% eram negros. O custo da violência juvenil no último ano ultrapassa o valor de R$ 150 bilhões.
Ou seja, continuamos praticando no Brasil o juvenicídio, matando nosso maior potencial humano e futuro civilizatório.
O crucial aqui é reconhecer que “os campos da política e da violência – uma violência que parece carecer de organização racional, sem excetuar a autodestruição – não estão mais separados.
Essa violência se amplia e estende contra pessoas negras (que representam 77% das vítimas, com risco 2,9 maior que pessoas brancas, com taxa de homicídio de 31%); contra crianças e adolescente com 1.031.283 casos entre 2011-2921; contra mulheres, povos indígenas, população LGBTQIAP+, idosos e deficientes.
Para Zygmunt Bauman o que salva as juventudes da total dispensabilidade e lhes garante um certo grau de atenção ainda é, somente, sua potencial contribuição à demando de consumo.
Pensa-se sobre juventude e logo se presta atenção a ela como “um novo mercado” a ser “comodificado” e “explorado”.
“Por meio da força educacional de uma cultura que comercializa todos os aspectos da vida das crianças, usando a internet e várias redes sociais, e novas tecnologias de mídia, as instituições empresariais buscam “imergir os jovens num mundo de consumo de massa, de maneiras mais amplas e diretas que qualquer coisa que possamos ter visto no passado”.
A evidência é a de que a educação empreendedora, inovadora e financeira já é concebida como mais relevante, mesmo nas juventudes de periferia, do que o direito à educação formal e formação de nível média e superior humanizadora.
O sociólogo polonês, no livro Sobre Educação e Juventude, reafirma um conjunto de evidências de que o “problema dos jovens” está sendo considerado clara e explicitamente uma questão de “adestrá-los para o consumo”, e de que todos os demais assuntos relacionados às juventudes são deixados numa prateleira lateral – ou eliminados da agenda política, social, educacional e cultural.
Uma demonstração são as sérias limitações impostas pelos governos ao financiamento de instituições de ensino superior, acopladas, também, a um aumento das anuidades cobradas pelas universidades privadas.
No Brasil, o financiamento estudantil (Fies) que beneficiava 21,3% dos estudantes matriculados no Ensino Superior (ES) em 2014 caiu para 0,9% em 2021.
A meta 12 do PNE que visava garantir 33% dos jovens de 18 a 24 anos na ES estagnou em 17,7% de acordo com censo educação de 2021.
Já a meta de certificar 40% das matrículas em Instituições Públicas está apenas em 11%, um quarto do previsto, conforme revela o censo de 2022.
Enquanto centenas de milhares são assassinados, outros são dispensados de formas diferentes. Me refiro a 45,3 milhões de adolescente e jovens de 14 a 29 anos (censo IBGE 2022), dos quais 61% são negros, vivendo em condições ampliadas de vulnerabilidade devido ao racismo estrutural, sendo 5,2 milhões desempregados, 55% desde jovens fora do mercado são mulheres pretas e pardas.
Dados do IBGE de demostraram que cerca de 18% dos jovens entre 14 e 29 anos no Brasil não completaram o ensino médio. A necessidade de trabalhar foi apontada como a principal razão para o abandono escolar, representando 40,2% das justificativas dadas por aqueles que deixaram a escola.
Esse índice é ainda mais alarmante entre os homens, atingindo 51,6%. Para termos consciência do que essas estatísticas significam, terminamos o ano de 2022 com 1 milhão de crianças e adolescentes fora das salas de aula no país, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica 2022 do MEC/INEP.
Vale notar que o primeiro decênio do século 21 no Brasil foi marcado por avanços significativos na constituição de um espaço próprio de institucionalização das políticas públicas para a juventude brasileira representada por mais de 50 milhões de jovens entre 14 a 29 anos. Desde a criação do Conselho Nacional de Juventude em 2004, da Secretaria Nacional de Juventude, das Conferências Nacionais de Juventude até a promulgação do Estatuto da Juventude (2013) observou-se um esforço de estabelecimento de uma agenda de participação com os jovens na construção das políticas e de suas prioridades nos vários espaços da sociedade.
Nesta perspectiva, segundo estudos recentes lançados pela Campanha Nacional Pelo Direito a Educação, a educação no Brasil tem leis avançadas, reconhecidas nacional e internacionalmente, mas essa estrutura legal não se traduz como deveria na implementação de políticas públicas.
As desigualdades educacionais geradas por essa ausência do Estado na vida de estudantes e trabalhadores da educação afetam especialmente mulheres, pessoas pretas e pardas e as populações do Norte e Nordeste do país.
Logo, a negação dos direitos das crianças, dos adolescentes e jovens, o descumprimento da legislação educacional vigente, bem como o descumprimento das metas dos Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação e a descontinuidade de políticas por ciclos governamentais requer, que a sociedade civil seja mais participativa e efetiva na defesa dos direitos dos seus filhos estudantes.
Defender a educação e a democracia como forma de vida e a escola enquanto espaço comum público é um imperativo de todos cidadãos conscientes e comprometidos pela defesa das nossas crianças, adolescentes e jovens.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer, até porque se ficarmos esperando nada vai acontecer de mudanças no cenário exposto acima.
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