Kit-covid não funciona
Três de cada quatro mortes por covid poderiam ter sido evitadas, diz Natalia Pasternak
Rodrigo Resende | 11/06/2021
A senadora Kátia Abreu (PP-TO) questionou os pesquisadores na CPI da Pandemia sobre as mortes evitáveis no Brasil, caso o país tivesse feito "o dever de casa". A microbiologista Natália Pasternak citou um estudo coordenado pelo epidemiologista Pedro Hallal, o qual mostra que 3 a cada 4 óbitos poderiam ter sido evitados se houvesse políticas como testagem em massa, rastreamento e isolamento social; investimento em vacinação ao invés de "tratamento precoce"; além de uma campanha única de conscientização das medidas não farmacológicas, como uso da máscara, higienização das mãos e distanciamento social.
Fonte: Agência Senado
'Sobram estudos mostrando que kit-covid não funciona', diz Natalia Pasternak à CPI
Da Agência Senado | 11/06/2021
Pasternak acrescentou no telão outros estudos, detalhando como se deram as pesquisas sobre a cloroquina, devido à pressão política de alguns países em torno dela. Estas pesquisas demonstraram a impossibilidade de o medicamento ter eficácia contra a covid-19.
— A cloroquina já foi testada em tudo! Foi testada em animais, em humanos. Foi testada de todas as formas e não funcionou. Inclusive de 'tratamento precoce', que são os estudos de PEP e PrEP. PEP é a exposição profilática pós-exposição, ou seja, a pessoa foi exposta ao vírus e já começa o tratamento — não dá pra ser mais precoce do que isso. Não funcionou! Aí a gente teve os PrEP, que é profilático. 'Vamos dar para profissionais de saúde', porque eles são muito expostos: também não funcionou! Estamos há pelo menos 6 meses atrasados em relação ao resto do mundo, que já descartou a cloroquina — lamentou.
Efeitos colaterais
A pesquisadora ainda abordou que o chamado "kit-covid", além de não funcionar contra a covid-19, pode ter consequências mais graves para quem o consome.
— O 'kit covid' não têm nenhuma base científica, pelo contrário. No caso da hidroxicloroquina, ela junto com a azitromicina não tem um teste de segurança, e são dois medicamentos que podem ter como efeito colateral o aumento das complicações cardíacas. A hidroxicloroquina também nunca foi testada em conjunto com azitromicina, ivermectina, nitazoxanida e outros que aparecem no 'kit covid'. Estes medicamentos nunca foram testados em conjunto. E podem ter, em conjunto, interações medicamentosas que podem ser nocivas para os rins, para o fígado e podem levar pessoas à fila do transplante, como tem ocorrido com usuários deste kit — denuncia.
Estudo do Amazonas
Natalia Pasternak defendeu o estudo de abril de 2020 da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) com a Fiocruz e a USP, um dos primeiros no mundo a evidenciar a ineficácia da cloroquina contra a covid-19. O estudo tem sido atacado por defensores do "tratamento precoce", como senador Luis Carlos Heinze.
— Foi uma pesquisa de excelência, premiada internacionalmente como um dos melhores trabalhos publicados em 2020. Uma pesquisa extremamente bem conduzida, um estudo de segurança de dose. Que testou duas doses diferentes para pacientes hospitalizados, e concluiu que a dose alta era perigosa, não deveria ser usada. E que a dose baixa não alterava a carga viral, não trazia nenhum benefício. O professor Marcus Lacerda [condutor da pesquisa] foi quem mostrou que aumentar a dose não era seguro, e que a dose baixa não servia — afirmou Natalia Pasternak.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), qualificou a viagem de uma comissão do governo brasileiro para Israel em março, visando tratar sobre um spray nasal, de "um evidente caso de desperdício de recursos públicos". Pasternak também explicitou que ficou surpresa com as tratativas.
— O spray nasal, quando a comitiva brasileira foi visitar, estava numa fase tão inicial de pesquisas que surpreendeu inclusive os pesquisadores israelenses. Ficaram surpresos que o Brasil tivesse interesse num medicamento que ainda estava na Fase 1, no comecinho dos estudos clínicos. É um remédio que está numa fase muito inicial, e que não tinha nenhum motivo para atrair tanto interesse de qualquer governo — expôs.
Número de mortes
A senadora Katia Abreu (PP-TO) quis saber quantas mortes poderiam ter sido evitadas caso o governo brasileiro tivesse feito o "dever de casa" no controle do vírus. Pasternak citou um estudo do epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), publicado na revista científica medicinal inglesa The Lancet, dando conta que ao menos três quartos das mortes no Brasil teriam sido evitadas.
— São os dados do pesquisador e professor Pedro Hallal, publicados na The Lancet, de que três de cada quatro mortes teriam sido evitadas se o Brasil estivesse na média mundial de controle da pandemia. Ou seja, quando atingirmos 500 mil mortes, isso quer dizer que 375 mil mortes poderiam ter sido evitadas com um melhor controle da pandemia.
Renan questionou se o governo deveria ter feito campanhas de esclarecimento e de prevenção desde o início da pandemia para proteger a população. Pasternak, que coordena o Instituto Questão de Ciência (IQC), voltado à divulgação científica, qualificou de "desastrosa" a ausência de política de comunicação por parte do governo .
— Há exemplos de países, como Alemanha e Nova Zelândia, onde esta comunicação foi feita diariamente pelos líderes. Falando com a população de forma clara e transparente. Estes países se saíram muito bem ao chamar a população como colaboradora. Já aqui o presidente da República se comporta de forma contrária à ciência, e isso confunde a população. Pessoas o seguem e acreditam nele. E quando ele aparece sem máscaras, desdenhando da pandemia, fazendo pouco das pessoas que morreram e mostrando total falta de empatia, ele confunde as pessoas, leva a uma ilusão de que está tudo bem — declarou.
Investigações
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a CPI está no rumo certo ao aprofundar as investigações em torno da cloroquina.
— Tem muita gente ganhando dinheiro com isso. Só a venda em farmácias dos medicamentos do kit covid, entre março do ano passado e março deste ano, foi de 52 milhões de comprimidos. Só da cloroquina foram mais de 32 milhões de comprimidos; a azitromicina cresceu 50% nas farmácias, com o agravante de que é um antibiótico. Tem gente que ganhou muito dinheiro com a ivermectina, por exemplo, e que financiou grupos de profissionais para defender a ivermectina, para prescrever ivermectina. Isso é grave, é muito grave! — disse Humberto Costa, que também é médico.
O senador ainda mostrou preocupações com a vinda de uma 3ª onda ao país, e que projeções internacionais já apontam que o Brasil pode chegar a 750 mil mortos por covid-19 em agosto.
Defesa do governo
Alguns senadores buscaram se contrapor às falas da cientista. Para Luis Carlos Heinze, a ivermectina "já tem comprovação científica" no combate à covid-19.
— Há cinco metanálises favoráveis, sendo duas já publicadas, uma em maio pelo dr. Pierre Kory, e a outra agora em 6 de junho pelo dr. Timotheus, tendo um preprint da dra. Tess Lawrie, uma das maiores especialistas do mundo em medicina baseada em evidências, e do dr. Andrew Hill. Há ainda uma pesquisa recente do dr. Smruti Karale, da famosa clínica Mayo dos Estados Unidos — disse.
Na resposta, voltou a negar a eficácia dos medicamentos promovidos como "tratamento precoce" à covid-19. Pasternak afirmou que boas metanálises devem incluir "os melhores estudos feitos sobre aquele assunto".
— Se a gente fizer uma metanálise só com estudos fracos, a gente vai ter uma metanálise fraca, e daí vão poder dizer que algo funciona, quando na verdade o conjunto das evidências que foi contemplado naquelas metanálises é um conjunto de evidências fracas. Então precisamos ter metanálises bem feitas. O grupo Cochrane é um grupo que faz isso muito bem, reúne metanálises de qualidade, feitas classificando os melhores trabalhos que foram feitos com a melhor metodologia, e analisando o poder estatístico de todos os trabalhos. As metanálises, principalmente as do grupo Cochrane e alguns outros grupos, que são metanálises de qualidade, é que devem ser levadas em conta — declarou a especialista, lembrando que o consenso científico é constituído a partir de inúmeras pesquisas, de diferentes níveis de qualidade.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) foi outro que defendeu as ações do governo contra a pandemia, especialmente o repasse de verbas.
— Nunca se investiu tanto em saúde. Só no ano passado foram R$ 79 bilhões investidos na rotina do SUS, mais R$ 33 bilhões para a covid. O saldo agora em março das prefeituras e dos estados, foi de R$ 9,5 bilhões nos Estados e R$ 14,9 bilhões nos municípios. Sem falar em insumos e equipamentos comprados, o que dá R$ 46,5 bilhões e R$ 11,2 bilhões — declarou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
Ao buscar 'imunidade de rebanho', governo trata população como animais, diz Maierovitch na CPI
Da Agência Senado | 11/06/2021
— Não gosto do termo "imunidade de rebanho". Não somos rebanho, e não há nenhum coletivo da palavra "gente" ou "pessoa" que seja traduzido como rebanho. Temos multidão, povo, muitos coletivos nos dicionários, e rebanho não é um deles. Rebanho se aplica a animais, e somos tratados dessa forma. Acredito que a população tem sido tratada dessa forma ao se tentar produzir imunidade de rebanho à custa de vidas humanas. O governo se manteve na posição de produzir imunidade de rebanho, com essa conotação toda, para a população, em vez de adotar medidas reconhecidas pela ciência para enfrentar a crise — afirmou Maierovitch, que também chefiou a área de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde de 2011 a 2016.
Negligência
O médico lembrou que, antes da pandemia, o Índice Global de Segurança em Saúde de 2019, da Universidade Johns Hopkins, havia classificado o Brasil como o 9º país do mundo em respostas rápidas ao alastramento de epidemias e mitigação de suas consequências. O levantamento da Johns Hopkins também havia indicado o Brasil como o 22º colocado no Índice Global de Segurança em Saúde como um todo. Mas Maierovitch observou que, após quase um ano de pandemia, um levantamento do Instituto Lowy, da Austrália, de janeiro de 2021, qualificou o Brasil como o país com a pior resposta à covid-19, dentre 98 países pesquisados.
Para Maierovitch, as boas colocações conseguidas pelo Brasil no estudo da Johns Hopkins em 2019 foram resultado de um sistema implementado durante décadas — um modelo baseado no Sistema Único de Saúde (SUS), no Programa Saúde da Família e nos planos de emergência e contingência do sistema de vigilância em saúde, na Anvisa, em laboratórios públicos e privados, no Programa Nacional de Imunizações (PNI), além de entidades como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outros.
Mas esse modelo, afirmou o médico, teria sido deliberadamente negligenciado pela gestão de Jair Bolsonaro. Ele também argumentou que, para que todo o sistema funcionasse a contento na resposta à pandemia, seria necessária a articulação federal, o que não ocorreu.
— O que poderíamos ter tido desde o início? A presença do Estado, por exemplo, com um plano de contenção, antes de a pandemia entrar no Brasil, para detecção rápida, testagem, isolamento e rastreamento de contatos. Tínhamos experiência pra fazer isso no SUS. O plano deveria prever uma organização, com planejamento de insumos como oxigênio, kit de intubação, profissionais, etc. E com monitoramento, como estávamos acostumados a trabalhar com isso em diversas crises, com a construção de um Comitê de Operações de Emergência em Saúde acompanhando as respostas e as necessidades de cada estado — explicou ele, lembrando que este sistema funcionou bem em 2015 na resposta à epidemia de zika vírus.
Maierovitch ainda chamou o PNI em curso, no que tange à covid, de "pífio". Acrescentou que o governo nem sequer determinou um plano para aquisição de imunobiológicos, com "um desestímulo oficial a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas". Ele também disse que faltou investimento na atenção básica, "o ponto do sistema mais fundamental para resposta à maior parte das epidemias".
Vacinas
Ao responder a perguntas do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), Maierovitch afirmou que a Lei 6.360/1976 não impede a assinatura de contratos para a compra de vacinas. O tema veio à tona porque Renan lembrou que, na quarta-feira (9), o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, alegou que essa lei só permitiria a compra de vacinas após a liberação da Anvisa.
— Essa lei não trata de contratos, não dá qualquer tipo de limitação em relação à celebração de contratos. E ela admite exceções, principalmente em casos de graves ameaças à saúde pública. Como exemplo cito aqui que uma parte importante das vacinas adquiridas pelo Brasil é comprada do Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde, que não tem registro no Brasil, mas tem certificado da Organização Mundial de Saúde (OMS), porque existe um dispositivo legal que abre exceções para compra de vacinas, medicamentos e outros produtos — afirmou Maierovitch.
Renan e o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também perguntaram ao médico qual é a sua avaliação sobre os esforços do governo para comprar, por exemplo, cloroquina da Índia, ao mesmo tempo em que negligenciava a compra de vacinas. Para Maierovitch, foi justamente o fato de Bolsonaro negligenciar a "institucionalidade" tradicional da área de Saúde que lhe permitiu ações deste tipo.
— Qual o sentido de um presidente da República, sem se apoiar numa institucionalidade, decidir sobre a importação de um medicamento? Ele vai negociar com o dirigente da Índia apoiado em quê? Isso faz tão pouco sentido que é difícil encontrar um argumento legal que diga que pode ou não pode, porque significaria prever, me perdoem a expressão, qualquer maluquice que deveria estar na lei. Então os parlamentares teriam que fazer um exercício de imaginação contínuo para criar leis que proibissem maluquices — argumentou.
Base do governo
Senadores governistas procuraram se contrapor ao depoimento de Maierovitch. Para Jorginho Mello (PL-SC), o governo não negligencia a vacinação do povo. Ele defendeu que as negociações com o Instituto Butantan e com a Fiocruz foram "diferentes" porque esta última previu a transferência de tecnologia com a AstraZeneca.
— O ex-secretário Elcio Franco explicou aqui [em depoimento anterior na CPI]. O Butantan foi questionado se tinha a tecnologia ideal para a produção da vacina, e a resposta foi sim, que já possuía a tecnologia. Dessa forma, para que seja efetuada a compra, a legislação exigia a aprovação da Anvisa. No caso da Fiocruz foi diferente, a entidade não tinha a tecnologia. Então foi feito um contrato de transferência de tecnologia. Neste caso, a legislação permitia o repasse de recursos para o desenvolvimento da vacina. Foram coisas diferentes — argumentou Jorginho Mello.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) abordou, entre outros pontos, os repasses federais para estados e municípios e a retomada da economia.
— Os hospitais filantrópicos têm quase 30 mil leitos de UTI, já renovados aqueles valores que o ministério paga. São R$ 1,6 mil por dia e quase 30 mil leitos. No meu estado triplicaram os leitos de março do ano passado até março deste ano. No Brasil quase dobraram os leitos de UTI Covid. O Butantan recebe este ano mais de R$ 8 bilhões; a Fiocruz, R$ 7,5 bilhões. E vamos viabilizar o Complexo Santa Cruz, para vacinas — disse Heinze.
Já o senador Marcos Rogério (DEM-RO) abordou o protagonismo de estados e municípios no enfrentamento à crise, em contraponto à afirmação de Maierovitch de que o governo federal teria negligenciado a pandemia.
— Todos sabemos que estados e municípios forçaram a barra para terem o controle pleno das medidas de enfrentamento [à pandemia] em seus territórios, o que foi sancionado pelo Supremo Tribunal Federal. Não há como fugir dessa realidade. O senhor declarou que faltou em nosso país a adoção de critérios homogêneos definidos para o Brasil inteiro. A autonomia foi dada cada estado e município — disse o parlamentar.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado