Lei das Cotas expira?
LEI DE COTAS NÃO EXPIRA ESTE ANO
A meu pedido, o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, escreveu artigo para a SBPC, esclarecendo que a Lei de Cotas (lei 12.711, de 2012), não expira este ano, mas sim será reavaliada. “Essa revisão não passa de ser um dever fixado para que os nossos legisladores reexaminem, no prazo estabelecido, o conteúdo dessa lei, tendo em vista a possibilidade da sua manutenção, da sua alteração (total ou parcial) ou da sua revogação”, explica
Leia o artigo na íntegra:
LEI DE COTAS NÃO EXPIRA ESTE ANO
Debate curioso tem surgido em relação à vigência a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio (“Lei de cotas”). Discute-se se, caso não exista nenhuma manifestação do Poder Legislativo, ela continuaria em vigor após o fim de agosto desse ano, tendo em vista que o seu artigo 7ª determina que “no prazo de dez anos a contar da data da publicação dessa lei, será promovida a revisão do programa especial para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas”.
Não creio que exista nenhuma dúvida jurídica a ser debatida no caso. No direito brasileiro, de acordo com o art. 2º, caput, da Lei de Introdução às Normas Gerais do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.567/1942), “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (grifo nosso). Ou seja: ressalvada a situação em que uma lei seja claramente definida como temporária, ela terá o seu texto vigorando até que outro diploma legal venha a modificá-la ou a revogá-la. Se não ocorrer nenhuma manifestação legislativa posterior, portanto, ela continuará em vigor normalmente.
Mas o que é uma lei temporária? Lei temporária é a lei que possui um prazo expressamente determinado para o fim da sua vigência, isto é, uma data certa e prefixada estabelecida para que ocorra o fim da sua existência jurídica. A título de exemplo, imaginemos uma lei que viesse a afirmar no seu texto: “a vigência desta lei se dará até o dia 31 de dezembro de 2024”. Essa seria, induvidosamente, uma lei temporária. Com o advento do seu termo final – o final do ano de 2024 – ela deixaria de ter a sua existência jurídica.
Obviamente, a Lei nº 12.711/2012 não é uma lei temporária. No seu texto não existe nenhuma data estabelecendo o fim da sua vigência. Ao contrário, o que existe, no seu art. 7º, é a previsão de que se realize uma revisão dos seus termos, “no prazo de dez anos”, e não a afirmação da “perda da sua vigência” após o período de dez anos. Essa revisão não passa de ser um dever fixado para que os nossos legisladores reexaminem, no prazo estabelecido, o conteúdo dessa lei, tendo em vista a possibilidade da sua manutenção, da sua alteração (total ou parcial) ou da sua revogação. Nada mais do que isso.
Logo, se nenhuma lei for aprovada pelo Congresso Nacional nesse período de dez anos estabelecido pelo art. 7º da Lei 12.711/2012, esse diploma legal permanecerá vigente, até que eventualmente uma outra lei a revogue ou a altere. Não há, portanto, a meu ver, risco algum de que, diante da inércia do Poder Legislativo, essa lei possa ser considerada como automaticamente revogada após o fim desse prazo estabelecido para a sua revisão.
José Eduardo Martins Cardozo
Ex-Ministro de Estado da Justiça e Ex-Advogado-Geral da União. Advogado e Professor de Direito