Leitura como direito

Leitura como direito

Leitura como direito: livros e bibliotecas são instrumentos do conhecimento emancipatório

A ausência de bibliotecas é uma marca registrada brasileira

Letícia Strehl*

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |   26 de novembro de 2024 

Biblioteca Central da UFRGS: 'Superamos o episódio com a queda do tapume no dia 21 de novembro,
e, adicionalmente, com a criação da Coleção Livre' - Arquivo Secom UFRGS

 

 

Em 2022, um tapume foi colocado na frente da porta da Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Antes do tapume, ainda em 2020, todo o perímetro próximo do prédio da Reitoria havia sido gradeado e suas duas portas eram mantidas chaveadas 24 horas por dia, sete dias por semana. Isso ocorreu como parte de um reitorado exercido pelo terceiro colocado na lista tríplice que foi nomeado por um presidente da república de ideologia de extrema direita.

Esse enredo não é original. Um leitor habitual reconhece elementos comuns a várias tramas distópicas. Os elementos são: um governo autoritário, censura aos livros e ataques às bibliotecas. 

No Brasil, onde “a crise na educação não é uma crise, é um projeto”, como enunciou Darcy Ribeiro, o ataque aos livros e às bibliotecas é tarefa fácil de empreender. 

Independentemente de ideologia, a infraestrutura de nossa educação e cultura sempre prescindiu de bibliotecas atrativas com acervos ricos e atualizados em escolas públicas, municípios e bairros. A ausência de bibliotecas é uma marca registrada brasileira. Nessas, o Brasil ocupa o penúltimo lugar no ranking mundial de educação, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Com o auxílio dos canais UFRGS Notícias, Brasil de Fato RS e Rádio da UFRGS conseguimos fazer uma ampla divulgação do episódio que superamos com a queda do tapume no dia 21 de novembro, e, adicionalmente, com a criação da Coleção Livre na Biblioteca Central. A Coleção Livre tem por objetivo reunir e fazer circular livros censurados em diferentes tempos e locais do mundo. Proibição que recai sob essas obras por sua capacidade de denunciar violências e preconceitos que têm perpetuado a injustiça social. Toni Morrison, Jorge Amado, Harper Lee, Simone de Beauvoir, Gabriel García Márquez, George Orwell, Chimamanda e até Ziraldo fazem parte de uma longa lista de autores censurados.

O bolsonarismo fez ressurgir uma guerra cultural no Brasil, tendo como seu mais destacado evento a perseguição ao brilhante Avesso da pele de Jeferson Tenório em pleno ano de 2024. Um livro perigoso somente para racistas e, portanto, criminosos. Ao contrário, além da excelente literatura, é uma obra essencial por educar para a equidade racial. Criar a Coleção Livre, trazendo essa mensagem para dentro do acervo, marca a queda do tapume e identifica um marco permanente de memória dentro da Biblioteca Central para a defesa dos livros em geral.

A democracia só é uma conquista política efetiva quando o dever de voto da população lhe garante direitos. Assim, o acesso à alimentação, moradia, segurança, saúde, educação e cultura são requisitos para o pleno estabelecimento do Estado Democrático de Direito. 

A defesa desta biblioteca em particular não é um fim em si mesmo, mas é um meio para alertar sobre a necessidade de reivindicarmos e contribuirmos para a construção de estruturas públicas que garantam direitos básicos à população, e que entre eles estão os livros e as bibliotecas.

Livros e bibliotecas são instrumentos do conhecimento emancipatório, que possibilita o reconhecimento da importância da diversidade, da construção coletiva, da crítica e da responsabilidade social. Não adianta apenas reivindicarmos, precisamos ser capazes de construir a transformação social. 

Apesar da mensagem pesada aqui transmitida, ressalto que a eleição da reitora Márcia Barbosa e do vice-reitor Pedro Costa mostram que a transformação é possível. Uma transformação que foi não apenas reivindicada, mas foi construída por diferentes segmentos e grupos políticos da universidade em uma atuação coletiva que nos garantiu a paridade.

A retirada das grades, a abertura das portas, a queda do tapume são hoje não uma reivindicação, mas uma ação que é necessidade identificada pela própria reitora e vice-reitor. Reitorado aclamado pela democracia, eleito por uma comunidade que usufrui dos benefícios da educação emancipatória!

Quero destacar que mesmo tendo sido ocultada no saguão da Reitoria, a Biblioteca Central seguiu fazendo importante trabalho junto à comunidade universitária, colocando as restrições a ela impostas em segundo plano para a manutenção do orçamento necessário para o desenvolvimento das atividades acadêmicas. As crises e dificuldades foram enfrentadas pela equipe com exemplar resiliência. Todo esse movimento é hoje dedicado a esta equipe.

Trabalho neste prédio há quase 20 anos. Estou me despedindo do cargo de Diretora da Biblioteca Central, que ocupei por oito anos, realizando uma última tarefa: entregar a Biblioteca Central à Dirce Santin, sua próxima diretora, como eu a recebi em 2016, como espaço visível e integrado ao prédio da Reitoria da Universidade. 

Viva a Educação Pública! Viva as bibliotecas!

* Educadora, ex-diretora da Biblioteca Central da UFRGS e futura diretora da Editora da UFRGS

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

FONTE:

https://www.brasildefato.com.br/2024/11/26/leitura-como-direito-livros-e-bibliotecas-sao-instrumentos-do-conhecimento-emancipatorio 




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