Licença-maternidade para agentes políticas

Licença-maternidade para agentes políticas

Reflexão sobre a licença-maternidade para agentes políticas

Por Raimundo Simão de Melo

A presente reflexão volta-se a saber se as agentes políticas têm direito à licença-maternidade pela aplicação das normas constitucionais, de status superior, ou se esse direito depende de regulamentação legal local nas leis orgânicas estaduais e/ou municipais.

No tocante à aplicação de norma de status superior, no silêncio ou na ausência de norma inferior, cabe registrar a hierarquização das leis no nosso sistema jurídico, estabelecendo o critério de subordinação das normas jurídicas inferiores, com base na pirâmide normativa em face das normas de status superior, que ficam no topo da pirâmide, como a Constituição Federal.

Assim, as normas de caráter infraconstitucional devem estar de acordo com os preceitos da norma superior, porque a esta estão subordinadas. Se omissas as normas de caráter infraconstitucional sobre determinada questão, a omissão deve ser resolvida à luz da norma constitucional.

No caso do Brasil, a norma superior é a Constituição Federal, que é o marco inicial para criação dos demais dispositivos infralegais. Assim, a Constituição Federal segue no topo da escala das normas jurídicas, seguida pelas Emendas Constitucionais e tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, decretos regulares, portarias e demais normas individuais.

Superada a análise da hierarquização das normas jurídicas, passa-se à aplicabilidade da norma superior em detrimento da norma inferior, quando da ausência ou silêncio no tratamento sobre determinado tema. Nessa linha, cabe aos operadores do direito fazer a integração, interpretação e aplicação do direito para atender o jurisdicionado nas suas pretensões, suprimindo eventual lacuna legislativa da melhor forma possível, conforme prevê a Lei de Introdução às Normas Jurídicas brasileiras, cujo artigo 4º diz que "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Na sequência estabelece o artigo 5º de lei que "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Nesse sentido e de forma bem ampla, estabelece o artigo 8º da CLT que "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público".

Para justificar esta breve reflexão traz-se à tona fato ocorrido com uma agente política do município de Palmas (TO), cuja prefeita teve seu direito à licença-maternidade cerceado por não haver previsão desse direito na Lei Orgânica municipal.

Na referida lei existe previsão desse direito para as vereadoras, mas não para o cargo de chefe do Poder Executivo, pelo que, cabe ao operador do direito encontrar uma solução para o caso, o que é possível a partir da integração e interpretação do direito como um todo e, em especial, pela aplicação da norma constitucional de hierarquia superior. O farol para esta solução está na Constituição Federal, nos artigos seguintes:

Art. 6º - "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Art. 7º - "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias".

Art. 203 - "A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice".

Não existe dúvida de que o direito à maternidade, incluindo a licença-maternidade para todas as mulheres trabalhadores, da atividade privada e pública e das agentes políticas, é um direito fundamental assegurado na Constituição Federal, cuja aplicação é imediata, independentemente de estar ou não regulamentada em lei municipal ou estadual, porquanto, determina a Carta Maior brasileira no § 1º do artigo 5º, de forma expressa que "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

Assim, depois de analisar e refletir sobre o direito à maternidade e à respectiva licença prevista no artigo 7º e inciso XVIII da Constituição Federal, a partir do caso envolvendo a prefeita de Palmas, que não pode exercer o direito constitucionalmente garantido de Licença-maternidade, porque a Lei Orgânica do Município não regulamentou esse direito, concluo que a solução para o caso mencionado e para todos os outros que envolvam o gozo de licença-maternidade para as mulheres trabalhadoras das atividades privadas e públicas e para as agentes políticas está na análise sistemática da Constituição Federal, que assegura esse direito fundamental, visando proteger não somente a mulher, mas também a criança.

 

 é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.

Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2022

https://www.conjur.com.br/2022-set-02/reflexoes-trabalhistas-previsao-licenca-maternidade-agentes-politicas 




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