Lucro às empresas com a privatização
Governo Ratinho Jr. admite “esforço” para criar condições que darão lucro às empresas com a privatização de escolas
Ao declarar em reportagem que algumas escolas não são viáveis economicamente, Secretaria da Educação admite que Parceiro da Escola prioriza o lucro das empresas
O plano do governo Ratinho Jr. para transferir à iniciativa privada a gestão de 204 escolas da rede estadual já deu errado antes mesmo de começar. De acordo com reportagem exibida no telejornal Boa Noite Paraná, a Secretaria da Educação (Seed) admite que o número de estabelecimentos passíveis de privatização vai diminuir. Mas a baixa não é porque o governo sabe que essa iniciativa é ruim para os(as) estudantes. A justificativa é mais um escândalo sobre mau uso do dinheiro público e confirma as denúncias da APP-Sindicato. Segundo as informações, tudo indica que a redução está relacionada com a avaliação das empresas de que algumas escolas não são viáveis economicamente.
A revelação foi divulgada na reportagem do jornalista da Rede Paranaense de Comunicação, Murilo Souza, que apurava junto à Seed outra denúncia feita pela APP, sobre o decreto assinado pelo governador Ratinho Jr. e pelo secretário da Educação, Roni Miranda, mudando as regras da consulta que será realizada junto à comunidade escolar. As alterações são uma manobra do governo para tentar privatizar à força as escolas escolhidas pelas empresas. Após tentar defender essa medida ilegal e autoritária, o diretor-geral da pasta, João Luiz Giona Junior, deu detalhes de como as escolas públicas paranaenses estão sendo usadas para dar lucro a empresários.
“Alguns serviços, por exemplo, a empresa só consegue oferecer, só faz sentido economicamente oferecer, se você tiver um conjunto de escolas. Alguns atendimentos especializados, por exemplo, para uma escola somente não seria viável”, disse na reportagem que foi ao ar na quarta-feira (11). O diretor acrescentou, que a Seed fez um “esforço” para reunir grupos de escolas por similaridade e proximidade geográfica, revelando que o objetivo é atender prioritariamente as exigências das empresas e o lucro que elas terão com o dinheiro da educação pública. A previsão é de que as consultas à comunidade aconteçam no mês de outubro, mas a Seed ainda não informou as datas e em quantas escolas haverá votação.
“O que o governo Ratinho Jr. está confessando com essa fala do diretor-geral da Seed é o que a APP vem denunciando desde o início. O governador está usando as escolas públicas, o dinheiro da população, para beneficiar e dar lucro aos empresários. Isso é muito grave, porque coloca como prioridade o quanto a empresa vai ganhar e não a qualidade da educação e as necessidades dos estudantes e dos trabalhadores da educação”, alerta a presidenta da APP-Sindicato, Walkiria Mazeto.
A dirigente explica que o governador quer privatizar apenas escolas boas, com mais de 300 estudantes e que estão apresentando evolução na nota Ideb. Segundo a presidenta da APP, as empresas não querem escolas menores, que tenham estudantes com necessidades especiais e com problemas no Ideb, por exemplo, porque nessas unidades não terão o lucro que planejam com o negócio.
“Isso é uma ameaça real, principalmente para as crianças e adolescentes que têm necessidade ou que podem vir a precisar de um atendimento especializado ou de profissionais qualificados e que demandam mais recursos para serem contratados. Como a empresa visa lucro, esses estudantes podem ter o atendimento negado ou negligenciado. É por esses e outros motivos que somos contrários à venda das escolas. A escola pública deve continuar com sua gestão pública, pois só assim vai atender de verdade os interesses da comunidade, pontua.
De acordo com levantamentos realizados pela APP, o governo do Paraná investe em média R$ 8 por estudante, mas está propondo pagar R$ 800 por aluno para as empresas, que ficarão com cerca de 26% do valor para extrair sua margem de lucro, taxas administrativas e impostos. Além do reajuste periódico do valor por aluno, o modelo também prevê um acréscimo automático a ser pago às empresas quando a escola registrar aumento na nota do Ideb. Como a maioria das escolas selecionadas apresentam essa condição, o sindicato entende que essa é mais uma evidência de que o governo está usando as escolas públicas como mercadoria.
“Não é correto o Estado tirar 26% do dinheiro da educação e dar para o empresário ter lucro. Esse recurso tem que ser enviado direto para a escola. Se as nossas diretoras e diretores conseguem fazer milagre com apenas R$ 8, imagina se o governador repassar esses R$ 800. Qual a lógica desse programa? A lógica do governador é favorecer alguém pra ficar com parte do nosso dinheiro. Não podemos permitir esse absurdo”, garante a presidenta da APP.
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Ratinho quer privatizar à força
No final da semana passada a APP denunciou que o governador Ratinho Jr. (PSD) mandou publicar o Decreto 7.235/24, regulamentando a Lei 22.006/2024 que institui o Programa Parceiro da Escola e autoriza a transferência de recursos públicos e a gestão de 204 escolas públicas para a iniciativa. O documento estabelece as regras da consulta à comunidade e apresenta uma série de dispositivos que revelam, mais uma vez, a face autoritária da atual gestão e os planos do governador para tentar privatizar as escolas à força.
No texto, assinado também pelo secretário da Educação, Roni Miranda, e pelo chefe da Casa Civil, João Carlos Ortega, Ratinho Jr. determina que, nas escolas em que o comparecimento de pessoas aptas a votar for inferior ao determinado pela Seed, quem decidirá se a unidade será privatizada ou não será a própria Seed e não a comunidade escolar.
“A Seed sabe que é muito difícil da comunidade escolar, na sua grande maioria, ir votar. Então, eles não farão esforço para garantir o processo democrático, pois quanto menos pessoas forem votar, melhor para os planos deles. Isso é um escárnio. Isso é uma mau caratice, é uma fraude”, disse a presidenta da APP-Sindicato, em um vídeo publicado no Instagram.
O decreto vai além e ordena que, quando o quorum não for atingido, as cédulas de votação deverão ser eliminadas, sem a contagem dos votos e a divulgação da vontade manifestada pelas pessoas que compareceram para participar do processo.
“O governo mostrou a sua face mais autoritária possível. Sabe aquele verniz de democracia? Ficaram até agora tentando fingir que existia. Mas o decreto desvelou. Não existe nada de democrático. É autoritário sim. Governador e secretário querem sim vender as nossas escolas e para isso vale qualquer coisa”, acrescentou, Walkiria.
Para a dirigente da APP, o decreto confirma as denúncias feitas pela APP, sobre a negação de um processo democrático para discutir com a sociedade os impactos e os interesses por trás da proposta do governador, que foi aprovada pela sua base de apoio na Assembleia Legislativa em regime de urgência e sancionada em tempo recorde.
Mudanças nas regras
Comparada com a consulta à comunidade realizada para adesão das escolas ao modelo de ensino cívico-militar, as regras instituídas por Ratinho Jr. para privatizar as escolas revelam a intenção de dificultar a participação da comunidade e impor a entrega das escolas à iniciativa privada.
Nas normas estabelecidas na consulta para militarizar escolas, estudantes com 16 anos podem votar, mas na consulta para privatizar a escola eles estão proibidos. Só poderá votar quem tiver 18 anos.
Outra diferença também está sendo aplicada no direito dos pais, mães ou responsáveis com mais de um filho(a) matriculado no mesmo estabelecimento. Na consulta da militarização, cada aluno(a) dava direito a um voto ao adulto(a). Agora, independente da quantidade de filhos(as) matriculados, só será permitido um único voto por responsável.
Ratinho Jr. também eliminou dispositivos de transparência e fiscalização. De acordo com a Resolução SEED 8571/2023, na consulta para militarizar escola um servidor(a) do estabelecimento de ensino tem a função de fiscalizar o processo e uma ata deve ser elaborada e assinada por dois servidores(as) do Núcleo Regional de Educação. Nas regras da consulta para privatizar, esses procedimentos não existem.
Indignada com as medidas publicadas pelo governador, Walkiria afirmou que a luta da entidade tem encontrado forte apoio das comunidades para barrar a privatização das escolas paranaenses.
“A nossa luta está firme e forte e vai continuar para derrubar isso. Isso é uma fraude horrível. Nós temos que defender nossa escola pública de qualidade. Continuem firmes e fortes nessa luta porque nós temos que barrar a venda das nossas escolas”, disse.
Antidemocrático
O projeto que deu origem ao Parceiro da Escola foi aprovado em regime de urgência no início de junho deste ano pela Assembleia Legislativa. Sem debate com as comunidades escolares e com os(as) trabalhadores(as) da educação sobre os impactos da medida, o governador Ratinho Jr. impôs mais uma vez sua agenda privatista.
Com a ausência de diálogo sobre o projeto, o não pagamento da data-base e outras pautas, a categoria deflagrou uma greve que mobilizou mais de 20 mil professores(as) e funcionários(as) de escola em Curitiba e protestos em praticamente todas as escolas da rede estadual.
Os(as) educadores(as) se reuniram em frente ao prédio da Assembleia nos dias de votação do projeto. Mesmo com a grande manifestação, a base de apoio do governador ignorou os pedidos de diálogo e aprovou a matéria. O texto foi sancionado em seguida pelo chefe do Executivo. Veja abaixo como votou cada deputado.
Retrocesso
De acordo com o texto, o governo do estado poderá transferir para a iniciativa privada a gestão de mais de 200 escolas da rede estadual, após a realização de uma consulta à comunidade. A iniciativa tem como base um projeto piloto realizado em duas escolas da rede.
Diferente das informações divulgadas pelo governo, os relatos de educadores(as) denunciam uma série de problemas gerados após a entrega para gestão privada, como falta de professores(as) e funcionários(as) de escola, estrutura precária, uniformes de péssima qualidade e aumento nos casos de violência dentro e fora da escola.
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Lucro para empresários
Outra questão apontada pela APP é sobre o repasse de recursos da educação pública para dar lucro a empresas privadas. A estimativa é de que as empresas que forem selecionadas devem receber quase R$ 2 bilhões por ano e ter um lucro estimado em R$ 240 milhões. O valor foi calculado com base nos editais e contratos do projeto piloto.
Segundo dados levantados, foi possível apurar que a gestão de Ratinho Jr. investe em torno de R$ 8 por estudante, mas para as empresas promete pagar uma quantia até 100 vezes maior, R$ 800 reais por estudante.
Inconstitucional
A discussão sobre a constitucionalidade da iniciativa também é debatida no Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7684, protocolada no dia 11 de julho deste ano pelo Partido dos Trabalhadores.
No final de agosto, o ministro Kassio Nunes Marques, relator do processo, determinou que o governo do Paraná seja intimado a se manifestar no processo. O magistrado também pediu a manifestação da Advocacia-Geral da União e o parecer da Procuradoria-Geral da República.
Nesta semana, a deputada federal Carol Dartora (PT-PR) publicou em uma rede social informações de uma audiência oficial que realizou nesta terça-feira (10) com o advogado-geral da União, Jorge Messias, para tratar da luta contra a venda das escolas no Paraná.
“Essa lei foi aprovada sem diálogo com educadores, sem transparência, o que levou à greve de milhares de professoras e professores que protestaram em todo o estado. Essa lei fere a Constituição. Por isso, estamos em reunião com a AGU para reforçar a inconstitucionalidade desse projeto perverso e todos os seus prejuízos à comunidade escolar. Seguimos lutando pela não venda das escolas do Paraná”, declarou a parlamentar.
Na publicação, a deputada também destaca que a ameaça de privatização das escolas coloca em risco o futuro de milhares de estudantes e o direito de acesso a uma educação pública, gratuita e de qualidade.
“Não podemos permitir que o lucro esteja acima do aprendizado e do desenvolvimento das nossas crianças e jovens. Nossa luta é pela valorização das professoras e professores, pela igualdade de oportunidades e pela defesa de um sistema educacional que seja inclusivo e acessível a todos. A educação é um direito, não uma mercadoria!”, acrescentou.
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:: Legislação
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>> ADI 7.684
Defenda a escola pública
O momento histórico exige união e coragem dos(as) educadores(as) para reagir e enfrentar mais um ataque do governo Ratinho Jr à educação. A ameaça de vender escolas públicas impõe a necessidade de mobilização de professores(as), pedagogos(as), funcionários de escola e toda a sociedade. A APP-Sindicato preparou vários materiais para mobilização.
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