Lugar de criança é na escola?

Lugar de criança é na escola?

Lugar de criança é na escola? 

Júlia Genro (*)

Eu não tenho nenhuma dúvida de que lugar de criança é na escola. Mas este movimento que se organizou para o retorno imediato das crianças erra em trazer um debate polarizado, dividindo as pessoas em dois grupos opostos: aqueles que são contra as crianças na escola e aqueles que são a favor. Agora me digam, quem em sã consciência diria que é contra crianças na escola???

O que está em discussão não é isso! A questão é que estamos vivendo o pior cenário epidemiológico desde que esta pandemia começou. Os hospitais já estão superlotados, e hoje já temos 101 pacientes (64 COVID e 37 não COVID) aqui na cidade (Porto Alegre) aguardando um leito de UTI! UPAS sobrecarregadas com recursos esgotados. E os números só crescem…As pessoas estão morrendo sem conseguir respirar, sem atendimento ou com atendimento inadequado. Isto é muito grave, muito triste, é catastrófico! E, infelizmente, a única maneira de frear este aumento vertiginoso das infecções é aumentar o distanciamento social. Também tenho acompanhado os artigos que saem sobre o tema, e tenho conversado com os mais prestigiados epidemiologistas do estado, muitos dos quais estão no comitê científico de enfrentamento a COVID estadual. E todos eles foram taxativos em recomendar que não é o momento para as aulas retornarem. Este movimento (Lugar de criança é na escola) traz muitos argumentos para mostrar que lugar de criança é na escola, e não discordo de nenhum deles. Também acho que a escola tem que ser a última a fechar e a primeira abrir, assim como também considero absurdo as aglomerações e bares abertos enquanto as escolas estão fechadas. Mas acho importantes algumas reflexões sobre os argumentos utilizados no atual momento:

As escolas foram as responsáveis por este aumento absurdo? Claro que não! Os dados mostram, que de fato, a escola com os devidos protocolos de segurança, não são as responsáveis por estas taxas. Mas diante do cenário atual, elas podem sim, contribuir para que este cenário piore. Mas os pais aflitos perguntam: As nossas crianças vão pagar pelos erros dos outros, pelo erro de quem fez festinha? Sim, todos podemos ter que pagar e a moeda é a vida. O vírus não escolhe quem ele ataca: ah, este aqui não aglomerou na praia, então não merece ser infectado!

Também não tenho nenhuma dúvida de que todos os argumentos usados para dizer que lugar de criança é na escola, são válidos. Realmente os dados mostram, o que me parece bem óbvio, que ficar longe da escola prejudica a saúde mental e o desenvolvimento da criança. Mas também pergunto: se uma criança perder um pai, uma mãe ou um avô porque agonizou por COVID sem conseguir respirar e sem atendimento, isto não vai impactar a saúde mental da criança e da família? O movimento traz artigos e vídeos que falam sobre os prejuízos das escolas fechadas, os quais também concordo com todos. Mas discordo, assim, como discordam os epidemiologistas, os infectologistas, quem está na linha da frente, que agora é seguro voltar pra escola.

Vale a pena correr o risco? Como bem falou nossa querida reitora da UFCSPA, Lúcia Pellanda, médica pediatra e epidemiologista, o risco é contínuo e temos que analisar prós e contras. Há 15 dias atrás, com outro cenário epidemiológico, sabendo os riscos e todas as óbvias vantagens de frequentar a escola, os prós falaram mais alto, e decidimos (eu e meu marido) que nossos filhos voltariam pra escola. Mas o cenário mudou, e mudou drasticamente para pior. Observando os dados em tempo real, mudamos também de opinião, eles não voltam neste cenário. Todos os artigos que mostraram pouco impacto da abertura das escolas na pandemia eram em cenários com infecção controlada. Bem diferente do que estamos vivendo hoje.

Agora temos que lidar com dois riscos importantes e que não são independentes. O risco individual e o risco coletivo. Pensando no risco individual, as crianças não são as super espalhadoras e transmitem menos, fato, mas ainda sim transmitem, fato também. O número de crianças afetadas tem aumentado, assim como têm aumentado os casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica. E nós, mães e pais, corremos mais risco agora também. Média de idade de internação diminui, e perfil de pessoas sem comorbidade com desfechos graves também aumentou substancialmente. Este é o risco individual. O risco coletivo nós já sabemos bem, quanto mais gente na rua, pior pra todo mundo. E ainda temos que pensar nos nossos professores e funcionários das escolas, que não foram vacinados e entram em contato com um grande número de pessoas.

E a desigualdade social? Este é um ponto central na minha opinião que merece uma discussão profunda, porque todos os prejuízos citados são ainda maiores para população carente, onde a escola é local para se alimentar e se distanciar da violência. O movimento traz o argumento que o ensino remoto aumenta a desigualdade social. Mas e a segurança sanitária para as crianças, funcionários e professores em escolas públicas que muitas vezes não tem nem papel higiênico e dependem do transporte público? Isto me parece também ampliar a desigualdade social, pois justamente esse são os que estarão expostos aos maiores riscos com o retorno. Mas quando trazemos estes pontos, muitos pais apoiadores do movimento, dizem: que voltem só as privadas! Então, lá se vai o argumento da preocupação com a desigualdade social.

A gente enxerga que as pessoas (nós, as crianças, todos!) estão esgotadas, cansadas, estressadas com todas estas restrições que nos trazem muitos danos. Mas nenhum dano é maior que perder a vida, ou perder alguém querido. Ainda mais se esta perda estiver relacionada à impossibilidade de atendimento médico. Acho que esta indignação, raiva e mobilização coletiva ela é mais do que justa e necessária, só que ela está canalizada para o local errado. Ao invés de exigir retorno presencial, nós temos que exigir vacina para toda nossa população, pois só assim conseguiremos de fato, vencer esta pandemia que nos assola e ter nossas crianças de volta à escola com segurança para elas e para todos nós.

Claro que este cenário é complexo, e nem todos têm a possibilidade de ficar em casa, pelas mais diferentes e justas razões. Por isso, mais do que nunca, quem pode ficar em casa e consegue deixar as crianças em casa, desempenha um importante papel para gente sair deste cenário desolador o mais rápido possível.

Desabafo de uma mãe, professora e cientista, privilegiada e preocupada com o futuro de todos nós.

(*) Professora da UFCSPA

 

https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2021/02/lugar-de-crianca-e-na-escola-por-julia-genro/ 




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