Mafalda nas aulas de História
Tirinhas de Mafalda podem ser usadas em aulas de história, geografia, e sociologia
Escrito entre décadas de 1960 e 1970, material aborda guerra fria, autoritarismo e direitos humanos
Leonardo Valle 8 de março de 2021
Os quadrinhos de Mafalda, escritos pelo argentino Quino, compõem um material rico em temáticas que podem ser abordadas em aulas história. “Como [o quadrinho] foi escrito durante os anos de 1964 a 1973, teve como cenário político mundial a Guerra Fria, o imperialismo, os movimentos de contracultura e a Guerra do Vietnã”, pontua a mestre, professora de História e pesquisadora da personagem Ana Paula Daniel.
Já em relação ao cenário político argentino, Mafalda foi escrita em um período da ditadura militar do país, durante 1966 a 1973. “Mas a personagem também revela preocupação com a justiça e igualdade social, temáticas que podem ser trabalhadas também em outras disciplinas”, acrescenta. Esse é um dos motivos que fazem a produção de Quino ser atual mesmo após tantas décadas. “A Mafalda está envolvida com assuntos que até hoje estão muito presentes nos debates sociais a respeito da justiça, paz, direitos humanos, transformação da sociedade e formação de pensamento crítico”, justifica a pesquisadora.
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Em história, a recomendação é o uso do material no 9° ano do ensino fundamental e no 3° ano do ensino médio. “Porém, os temas como igualdade, justiça social, liberdade e o posicionamento crítico dentro da sociedade podem ser adaptados para outras séries”, pontua a pesquisadora. Como material didático, as tirinhas da personagem podem ser apresentadas em comparação com os livros usados pela turma e textos de historiadores ou, ainda, junto com outros quadrinhos do período. “Se formos tratar de ditadura, é possível associar aos quadrinhos do brasileiro Henfil, como Os Fradinhos e a Graúna , que possuem pontos de vista em comum contra o autoritarismo”, aconselha.
Contracultura
Segundo Daniel, é possível pensar no uso dessa produção em um projeto interdisciplinar. Nas aulas de geografia, por exemplo, as tiras podem ser debatidas dentro de temas como desenvolvimento e subdesenvolvimentos dos países. “Em sociologia, elas ajudam a contextualizar os movimentos de contracultura e o feminismo, sendo Mafalda uma adepta deste último”, observa. Já em filosofia, a professora ressalta os quadrinhos que tratam da condição humana e suas questões durante os séculos XX, principalmente os que envolvem o existencialismo.
Em Língua Portuguesa, é possível debater com os estudantes a ironia, tipo de humor presente em todas as tiras de Mafalda. “Por meio dela, Quino aborda como as crianças conseguem inverter a lógica dos adultos”, diz a pesquisadora. Para lançar mão do material em sala de aula, é importante que o professor primeiro se familiarize com a obra: saiba qual é a sua história, quais foram os meios em que foram reproduzidas e os conteúdos possíveis de serem relacionados. “Evite a apresentação do conteúdo fora de contexto”, alerta a historiadora.
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As tiras de Mafalda têm fácil acesso na internet, por meio de site e contas oficiais no Twitter, Facebook e Instagram de Quino. Nesses casos, o conteúdo é apresentado em espanhol. Porém, toda a obra da personagem foi traduzida e publicada para o português pela editora Martins Fontes. Confira algumas indicações de uso das tirinhas nas aulas de História, sugeridas por Daniel.
Guerra fria
O conteúdo discute os aspectos das adesões ideológicas (comunismo e capitalismo) durante a Guerra Fria. Pelo contexto, Mafalda se refere aos países que buscavam uma posição neutra, especialmente os da América Latina. A influência dos Estados Unidos é caracterizada pelo personagem Manolito, que é filho de comerciantes.
Autoritarismo
Quando Felipe lê no dicionário para Mafalda que sopa não é um palavrão, nem uma porcaria repugnante, o ato de jogar o dicionário no lixo representa o desprezo dela pelo autoritarismo.
Paz, justiça social e direitos humanos
O recurso de contraste de ideias é um dos mais usados por Quino para demonstrar qual é o pensamento de cada um dos seus personagens. Quando Manolito se refere a valores, Mafalda já pensa em valores morais, espirituais, artísticos, humanos, demonstrando que esses são os importantes para ela.
Outra tira que reflete sobre o pensamento de Mafalda a respeito do que é realmente importante para ela no mundo: a liberdade, a justiça e coisas do tipo. É importante reparar também que essa classificação em primeiro, segundo e terceiro mundo não é mais válida, e sim, a classificação em países subdesenvolvidos e desenvolvidos, outro aspecto que pode ser trabalhado.
Mafalda faz um apelo pela paz mundial, demonstrando coerência em seu pensamento e suas atitudes com respeito ao que quer para o mundo. O conteúdo dessa tira também pode ser trabalhado nas aulas de História, indicando ações da Organizações das Nações Unidas (ONU) e do Vaticano durante a guerra.
Nessa, Mafalda pega o pai de surpresa, achando que ele estava revoltado pela notícia de que cresce o número de crianças abandonadas e mal nutridas. Novamente, ela expressa
seu direcionamento político e humano.
FONTE:
7 tirinhas de Mafalda para refletir sobre os tempos atuais
Inteligente e perspicaz, a personagem criada pelo cartunista argentino Quino critica questões como desigualdade social, racismo e, principalmente, o governo
- BEATRIZ LOURENÇO
Em 30 de setembro de 2020 morria Joaquín Salvador Lavado, o Quino, cartunista argentino famoso pela criação da personagem Mafalda. Ao confirmar a morte do artista, o editor Daniel Divinsky disse no Twitter que "todas as pessoas boas do país e do mundo ficarão de luto".
Mafalda é mundialmente conhecida por ser inteligente e preocupada com problemas sociais. Com apenas 6 anos de idade, ela questiona a política e tem uma visão humanizada do mundo a sua volta. A garota também adora os Beatles e odeia sopa, comida recorrente nos pratos do jantar de casa.
desenhista, que nasceu em Mendoza em 17 de julho de 1932, criou a personagem para uma campanha publicitária em 1962. Mas ela foi rejeitada por se confundir com o próprio conteúdo dos jornais. No entanto, Quino retomou a narrativa em 1964, não mais comercialmente, acrescentando outras personagens e histórias.
A primeira tirinha foi impressa em 29 de setembro de 1964 no periódico Primera Plana, um ano após o autor publicar o seu primeiro livro em quadrinhos, Mundo Quino.
O cartoon foi um sucesso no mundo todo, sendo traduzido para mais de 30 idiomas. Em 1973, após quase 2 mil tirinhas, Quino decidiu que não desenharia mais Mafalda. Porém, tanto tempo depois, a menina ainda ganha o coração dos amantes de literatura.
Confira a seguir sete quadrinhos da personagem que geram reflexões ainda nos dias de hoje:
1. ¡Cuidado! Irresponsables trabajando
Na tirinha, Mafalda escreve uma placa no globo terrestre com os dizeres "Cuidado! Irresponsáveis trabalhando". A crítica remete aos prejuízos mundiais causados pela população humana.
Mafalda e o mundo (Foto: Reprodução/Quino)
2. Política, aquele palavrão
O cartoon, protagonizado por Mafalda e Manolito (um dos melhores amigos da personagem), critica a política. É preciso lembrar que Quino era contra o governo repressivo da Argentina e foi exilado em Milão, na Itália, após recusar o convite do ministro José López Rega para fazer da personagem a imagem de uma campanha de imprensa. Rega foi um dos maiores responsáveis pela ascensão da ditadura no país.
Mafalda e a política (Foto: Reprodução/Quino)
3. "Somos todos iguais"
Quino também fez reflexões sobre o preconceito racial por meio da personagem. No quadrinho, Susanita lava a mão logo após tocar no novo boneco de Mafalda, que é negro.
4. "O que eles pensam que nós somos?"
Nesta tirinha, Mafalda critica o consumismo incentivado pelas propagandas de televisão. Junto disso, há um questionamento sobre a existência humana.
Mafalda e o consumismo (Foto: Reprodução/Quino)
5. Indicador de desemprego
O capitalismo, o desemprego e as relações de trabalho também foram temas das reflexões das obras do cartunista. Aqui, a ironia se dá com a confusão de Mafalda com o dedo indicador e as estimativas do governo sobre desemprego.
Mafalda e as relações de trabalho (Foto: Reprodução/Quino)
6. "Somos todos uma cooperativa"
As relações familiares e o machismo também estão presentes nas histórias de Mafalda. Ao afirmar que a família é uma cooperativa, a personagem quer dizer que a importância de cada membro familiar é igual.
Mafalda e as relações familiares (Foto: Reprodução/Quino)
7. Meio ambiente
Mesmo que de forma sutil, Quino também criticou a destruição do meio ambiente nesta tirinha em que, ao apenas colocar um vaso próximo ao globo terrestre, a plantinha morre.
Mafalda e o meio ambiente (Foto: Reprodução/Quino)
FONTE: