Manifestação da Fineduca PEC nº 186

Manifestação da Fineduca PEC nº 186

Um Brasil sem a garantia da vinculação constitucional de recursos para a educação?

Vamos viver do Fundeb?

Manifestação da Fineduca em repúdio à proposta de desvinculação de recursos da receita de impostos à educação, da PEC nº 186/2019  (PDF)

A Constituição da então República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, determinou a aplicação de percentuais mínimos da receita de impostos da União, dos municípios, dos estados e do Distrito Federal na manutenção e no desenvolvimento do ensino (MDE). Este mandamento também foi consagrado nas constituições de 1946 e 1988, ficando de fora das constituições de 1937 e 1967, períodos ditatoriais. Na vigência da Constituição de 1967, apenas em 1983, com a Emenda nº 24, conhecida como Emenda Calmon, foi restabelecida plenamente a vinculação à educação, o que foi igualmente consagrado na Constituição Cidadã de 1988. Diversos estudos já mostraram que, nos períodos em que não houve vinculação, os recursos da área foram reduzidos, o que evidencia que esta vinculação, longe de engessar orçamentos públicos, contribui para a proteção do direito à educação, ao fixar um piso mínimo que propicia recursos relativamente estáveis, abrigados de decisões políticas momentâneas de governos.

O Relatório do Senador Marcio Bittar à PEC nº 186/2019, publicado em 23 de fevereiro de 2021, contém dispositivos que excluem a vinculação da receita de impostos à MDE e a proteção a outras áreas do campo social. Mudanças nesta linha, de natureza deletéria, são resumidas a seguir, no que concerne à educação.

• No art. 6º, dos direitos sociais, acrescenta parágrafo que determina a observância do equilíbrio fiscal intergeracional na promoção e efetivação dos direitos sociais, o que pode significar, na prática, para a educação, reduzir despesas com a geração que frequenta o sistema educacional em nome do seu futuro, um futuro que a própria redução de despesas compromete, um futuro de reprodução das desigualdades.

• É revogada a vinculação de parte da receita resultantes de impostos da União, estados, Distrito Federal e municípios a MDE, por meio das seguintes exclusões: caput e primeiro e segundo parágrafos do art. 212, ou seja, a vinculação de receitas de impostos à MDE é excluída; a destinação de recursos a manutenção e desenvolvimento do ensino é excluída dos itens ressalvados na proibição de vinculação de receita de impostos (art. 167, IV); outras disposições com menção aos recursos da receita de impostos vinculados à MDE são revogados.

• A exclusão da vinculação de parte da receita de impostos a MDE (caput do art. 212) torna inócua a determinação, recentemente inserida na Constituição, pela EC nº 108/2020, de não utilização dos recursos vinculados a MDE no pagamento de aposentadorias e pensões.

• A menção a recursos protegidos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino restringe-se à educação básica e, mais ainda, ao Fundeb (art. 212-A).

Algumas estimativas precisam ser registradas para a compreensão do montante de recursos da receita líquida de impostos vinculada a MDE no Brasil, respectivamente, 25% da receita de municípios, estados e DF e 18% da União. No ano de 2019, a estimativa consta na sequência.

• Segundo dados apurados para registro no Simulador do Fundeb, um projeto da Fineduca, Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Laboratório de Dados Educacionais, 25% da receita líquida de impostos dos estados, DF e municípios – de acordo com os valores de receita líquida de impostos declarada à Secretaria do Tesouro Nacional – totalizaram R$ 240,05 bilhões.

• 18% da receita líquida de impostos da União – conforme dados do Tesouro Transparente: R$ 58 bilhões.

• Total receita vinculada a MDE: R$ 298,05 bilhões.

• Receita MDE/PIB (2019): 3,3%.

Somados outros recursos que financiam a educação brasileira, as aplicações em educação pública, como proporção do PIB, chegam a apenas 5%, ou seja, a metade da meta do Plano Nacional de Educação, de 10% para 2024. Diante deste cenário: por que abrir mão da vinculação se os recursos são insuficientes? A desvinculação poderá levar, efetivamente, a um nível ainda menor de recursos protegidos e à ampliação das desigualdades de capacidade de gasto entre os entes da Federação. Atualmente, o gasto por aluno da educação básica pública é muito desigual, chegando a diferenças de até três vezes. Com o fim da vinculação, esta disparidade pode aumentar, pois as escolhas de alocação de recursos poderão ficar ainda mais dependentes da receita e da organização social da demanda por ações públicas em cada ente federativo.

Em 2019, o Fundeb contou com R$ 168,5 bilhões, sendo R$ 152,9 dos governos municipais, estaduais e do DF e 15,6 bilhões da complementação da União. Ou seja, o Fundeb representou 56% do total da receita vinculada à MDE de todas as esferas de governo. Manter o Fundeb e revogar a vinculação a MDE significa reduzir os recursos protegidos para a educação, no âmbito da receita de impostos, a quase metade.

A divisão dos recursos da MDE dos estados, Distrito Federal e municípios (R$ 240,05 bilhões) pela matrícula da educação básica pública destas esferas de governo em 2019 (38.334.654) resulta em R$ 6.262 por aluno por ano ou R$ 521 por mês. Contando apenas com os recursos do Fundeb (R$ 168,5 bilhões), o valor médio por aluno ficaria em apenas R$ 366 ao mês, ou seja, uma redução de 30%. São valores relativamente baixos, se confrontados, por exemplo, com a agenda posta pelas metas do Plano Nacional de Educação, de expansão do acesso e de garantia de padrões de qualidade na educação básica com base no parâmetro do custo aluno-qualidade.

No âmbito do Fundeb, em 2019, o valor mínimo nacional por aluno ficou em R$ 3.420 (R$ 285 por mês), atingindo valor acima de R$ 5.000 em Roraima, entre R$ 4.000 e R$ 4.600 reais em sete fundos estaduais e abaixo de R$ 4.000 nos demais estados. Estes números ilustram o que significa restringir ao Fundeb os recursos protegidos da educação. Mesmo que a complementação da União aumente progressivamente com a implementação do Fundeb permanente, garantindo maior equidade por meio da sua distribuição pelo sistema híbrido, os valores por aluno não serão muito maiores. Cabe ainda ressaltar que o fim da desvinculação significa também a inviabilização da regra do valor ano total (VAAT) para a complementação da União ao Novo Fundeb, o que foi um marco no aumento da equidade no financiamento da educação no Brasil.

Também é importante não esquecer dos danos da queda da desvinculação federal e da não correção dos gastos federais com educação pela inflação para as instituições federais de educação básica e superior. A rede federal já tem sido duramente atingida, com obras paradas, turmas sem docentes, investimentos estrangulados e custeio insuficientes para garantir até o pagamento de água e luz. Com a PEC 186/2019, há o grave risco de inviabilizar o funcionamento dessas instituições no curto e longo prazo.

Muitos pensam que o fim da desvinculação para a educação e a saúde é só um álibi para passar a ideia de juntar a educação e a saúde em uma vinculação única o que, na prática, significa aniquilar o próprio conceito de vinculação, e colocar, em disputa fratricida, duas áreas essenciais para o desenvolvimento econômico e social do país.

Pelas considerações expostas, defendemos a manutenção dos dispositivos constitucionais de vinculação de recursos da receita de impostos para a educação no âmbito da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios para que o Estado brasileiro possa continuar e ampliar a priorização da educação no orçamento público e garantir, assim, o direito inalienável à educação, premissa que não pode ser subvertida por falaciosas justificativas de equilíbrio fiscal. O melhor passo para a estabilidade fiscal do país é o investimento em educação, como mostra a experiência dos países desenvolvidos e da Coréia do Sul, em particular, país que há 40 anos apresentava indicadores similares ao do Brasil, que foram superados com investimento maciço em educação.

A educação e a saúde são parte da promoção e proteção sociais e, portanto, parte da responsabilidade fiscal fundamentada nos princípios do Estado democrático de direito.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2021




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