Manifesto contra ensino domiciliar
Associação de educação católica faz manifesto contra ensino domiciliar
A prioridade do governo Jair Bolsonaro (sem partido) para regulamentar o ensino domiciliar ainda neste semestre provocou um manifesto contrário da Anec (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil).A entidade, que reúne mais de mil escolas católicas no país, ressalta as fragilidades da modalidade e critica, principalmente, o plano de aprovar o tema no meio da pandemia de coronavírus. Isso ignora, diz a associação, as urgências educacionais no período. O chamado homeschooling é uma pauta histórica de grupos conservadores. Por isso, o governo quer, com a aprovação, dar um aceno à sua base de apoio guiada por princípios cristãos e ideológicos.
O manifesto da Anec, ao qual a reportagem teve acesso, reforça que o tema também não é consenso entre grupos religiosos. A entidade considera não ser possível uma aprovação "sem uma discussão apropriada, técnico-científica e que leve em consideração uma educação que promove a vida, a diversidade, a pluralidade de ideias e concepções".
Já há acordo com lideranças da Câmara para que o projeto de lei possa ir direto ao plenário, sem passar pela Comissão de Educação, onde poderia haver um aprofundamento das discussões.
"Implantar o ensino domiciliar de forma abrupta e unilateral é ignorar as vozes que se erguem a favor das infâncias e das juventudes e de toda a trajetória da construção das legislações que envolvem a educação no Brasil e as metodologias que foram desenvolvidas por especialistas ao longo de anos de pesquisa e estudos", diz o manifesto.
O governo Bolsonaro tem sido criticado por eleger o ensino domiciliar como a única pauta prioritária da educação no Congresso em detrimento de outras urgências, como o enfretamento dos reflexos da pandemia no ensino, a nova etapa de regulamentação do Fundeb ou a criação do Sistema Nacional de Educação.
O documento da associação católica ressalta desafios que merecem maior atenção. Entre eles, o cumprimento do Plano Nacional de Educação, "instrumento primeiro de uma educação institucionalizada de qualidade social", a vacinação dos profissionais da educação, a reabertura das escolas, medidas mitigadoras das perdas de aprendizagem e maior compreensão sobre o ensino híbrido.
A gerente da câmara de educação básica da Anec, Roberta Guedes, diz que o homeschooling tem, sim, de ser discutido, mas precisa de abordagens aprofundadas com entidades de defesa das infância, com famílias, e verificação das lacunas para sua implantação.
"Trazer uma votação neste momento, sem discussão adequada, não vai acrescentar em nada, pelo contrário. Vai ser ação desconectada da pauta de educação", diz. "Estamos em uma pandemia, com impactos na educação que serão de mínimo cinco anos".
Guedes lembra que a escola é aliada na identificação de violência contra crianças e adolescentes, o que fica prejudicado com o homeschooling. Também é ressaltada no manifesto a importância da socialização na formação dos cidadãos e o papel central da escola nessa tarefa, posicionamentos que têm eco entre especialistas.
A relatora do texto na Câmara, deputada Luísa Canziani (PTB-PR), iniciou nesta semana um ciclo de reuniões técnicas online. No primeiro encontro, participaram os ministros Milton Ribeiro (Educação) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) --evangélicos, ambos disputam, dentro do governo, protagonismo com a pauta.
Ribeiro, que é pastor, defendeu que a questão da violência não teria relação com o ensino domiciliar e afirmou que a socialização poderá ser feita em outros lugares, como a igreja.
"É claro que a escola oferece essa questão [socialização], mas existem outras formas de socializar, na família, nos clubes, nas bibliotecas e até mesmo nas igrejas", disse, na última segunda (5).
No mesmo encontro, a discordância em acelerar a matéria no Parlamento neste momento também foi expressada por representantes das secretarias de Educação do país, estaduais e municipais.
A Anecvai levar seu posicionamento aos atores envolvidos e tem também conversado com entidades estudantes, como a Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundarista).
Em novembro passado, Anec e Ubes assinaram juntas posicionamento contrário à criação de uma cadeira cativa para o ensino domiciliar no Fórum Nacional de Educação. O MEC, que atuou para esse movimento, foi voto perdido na ocasião
"Se essas famílias acreditam que a escola está equivocada em seus procedimentos pedagógicos, por que não se unem para fortalecer as instituições educacionais, como está proposto no preceito constitucional, ao invés de retirarem das crianças e jovens o direito de conviver com a diversidade", diz o documento apresentado no Fórum.
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, em 2018, que o ensino domiciliar não é inconstitucional. Sua oferta depende, no entanto, de regulamentação legislativa.
Defensores argumentam que se trata de um direito das famílias, assegurado pelo STF, e que milhares de adeptos da modalidade vivem em insegurança jurídica. As estimativas de famílias interessadas são incertas: em 2019, o governo divulgou que a medida afetaria 31 mil famílias, mas nota anterior falava em cerca de 5.000.
O Brasil tem mais de 47,3 milhões de estudantes na educação básica. Do total, 81% estão na rede pública, especialmente impactada com a pandemia de coronavírus.
Em 2019, o governo encaminhou um projeto de lei sobre ensino domiciliar. Neste ano, preparou uma nova versão, conforme o jornal Folha de S.Paulo mostrou no mês passado.
O novo texto do PL prevê, por exemplo, que um dos pais ou responsáveis tenha ensino superior completo ou ao menos esteja cursando faculdade. Alunos em ensino domiciliar devem estar vinculado a alguma escola e há previsão de avaliações periódicas.
Publicado em Thu, 08 Apr 202 BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
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Ementa: CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL RELACIONADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À EFETIVIDADE DA CIDADANIA. DEVER SOLIDÁRIO DO ESTADO E DA FAMÍLIA NA PRESTAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL. NECESSIDADE DE LEI FORMAL, EDITADA PELO CONGRESSO NACIONAL, PARA REGULAMENTAR O ENSINO DOMICILIAR. RECURSO DESPROVIDO.
1. A educação é um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana e à própria cidadania, pois exerce dupla função: de um lado, qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada, desenvolvida (CIDADANIA); de outro, dignifica o indivíduo, verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA). No caso da educação básica obrigatória (CF, art. 208, I), os titulares desse direito indisponível à educação são as crianças e adolescentes em idade escolar.
2. É dever da família, sociedade e Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, a educação. A Constituição Federal consagrou o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes com a dupla finalidade de defesa integral dos direitos das crianças e dos adolescentes e sua formação em cidadania, para que o Brasil possa vencer o grande desafio de uma educação melhor para as novas gerações, imprescindível para os países que se querem ver desenvolvidos.
3. A Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes. São inconstitucionais, portanto, as espécies de unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de suas variações.
4. O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedada constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na modalidade “utilitarista” ou “por conveniência circunstancial”, desde que se cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público; bem como as demais previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante às finalidades e objetivos do ensino; em especial, evitar a evasão escolar e garantir a socialização do indivíduo, por meio de ampla convivência familiar e comunitária (CF, art. 227).
5. Recurso extraordinário desprovido, com a fixação da seguinte tese (TEMA 822): “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”
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HOMESCHOOLING: UM DEBATE FORA DE TEMPO
A Educação Domiciliar (ou homeschooling), prática das crianças e jovens serem educadas em casa, por suas famílias, e não em instituições formais (escolas), vem avançando na Câmara dos Deputados. Esta foi a única temática inserida na agenda prioritária do governo de Jair Bolsonaro em 2021, mesmo diante de todas as adversidades enfrentadas pela Educação Básica durante a pandemia.
Desde 2001, foram apresentadas diversas proposições acerca da Educação Domiciliar. Atualmente, o Projeto de Lei 3179/12, que estava parado desde 2019, já está com a relatoria definida. A este PL mais sete projetos são apensados, dos quais um deles é de autoria do próprio Governo Federal.
A opção de educar as crianças sob a responsabilidade da família é defendida atualmente por quem afirma que é direito dos pais escolherem a Educação para seus filhos. Entre os defensores, estão aqueles que veem essa prática como protetora de supostas “ideologias” transmitidas em sala de aula e de possíveis violências escolares.
A legalidade dessa prática varia muito de país para país. Há países que permitem a prática sob regulação (como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e França) e países que a proíbem (como Alemanha, Argentina, Coreia do Sul, Holanda e Uruguai). No entanto, é importante olhar para a questão sob o prisma da realidade brasileira.
Já no Brasil, em 2018, o Supremo Tribunal Federal declarou que a Educação Domiciliar não é permitida no Brasil. O entendimento da maioria foi que essa prática não é inconstitucional, mas prevaleceu o entendimento de que a Educação Domiciliar é proibida dado que não existe uma lei que regulamente a prática. Caso exista regulamentação, para ser considerada constitucional, a lei deverá prever também o acompanhamento dos rendimentos dos alunos educados em casa, por meio de avaliações pedagógicas, sob responsabilidade das secretarias de Educação.
Isto posto, é importante reforçar que o Todos Pela Educação é contra qualquer incentivo à Educação domiciliar. Torná-la uma prioridade na gestão educacional parece equivocado e o tema não deveria ser um tema de debate do Congresso Nacional neste momento. Afinal, trata-se de uma medida que passa longe do que precisa ser feito para melhorar a Educação no Brasil e evidencia uma inversão de prioridades do Governo Federal.
Trata-se de uma medida voltada para pouquíssimas famílias (0,04% dos estudantes brasileiros no ensino regular, segundo estimativa da Associação Nacional de Ensino Domiciliar). Os números vêm aumentando nos últimos anos e a regulamentação da matéria poderá criar estímulos adicionais para sua adoção. Ainda assim, significa um percentual modesto quando comparado aos milhões de alunos na Educação Básica que precisam urgentemente de melhorias na qualidade do ensino, principalmente com a pandemia – e que também serão afetados pela regulamentação da Educação Domiciliar, dado que muitos especialistas defendem que há riscos de legalizar a prática.
Algumas questões devem ser levadas em conta na reflexão sobre o tema e sobre a priorização dada neste momento, incluindo alguns riscos envolvidos:
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É inadmissível que, para o Governo Federal, esta seja a prioridade do momento na Educação. Mais do que isso, Governo e Congresso devem estar dedicados a outras prioridades na Educação Básica, especialmente às agendas estruturantes e emergenciais – agendas que sofreram forte desaceleração em 2020 devido à pandemia e aos problemas de gestão do MEC, conforme mostrou o balanço anual divulgado em fevereiro pelo Todos. Essas agendas incluem governança e gestão das redes de ensino, financiamento da Educação, políticas docentes e Primeira Infância.
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Além disso, tal projeto não faz parte das medidas de enfrentamento à pandemia para a Educação. As secretarias de Educação estão desamparadas tanto no âmbito financeiro quanto de planejamento sobre o acesso à tecnologia, ensino remoto, retorno às aulas, medidas de redução à evasão escolar e o aumento de violência doméstica. É escancarado o desvio dos esforços do Governo Federal do que deveria ser prioritário no mandato. *Estudos recentes (veja no final deste artigo), realizado em países europeus que já regularizaram o homeschooling mostra relatos, durante a pandemia, de efeitos negativos da Educação Domiciliar apresentados pelos pais, sendo os principais a baixa qualidade e o apoio insuficiente das escolas. Ou seja, as escolas têm um papel central. Além disso, há diversos relatos do aumento de estresse, preocupação, isolamento social e conflito doméstico.
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Regulamentar a prática de Educação Domiciliar não afeta apenas os atuais adeptos da prática, mas também os milhões de estudantes que hoje não o fazem, especialmente os mais vulneráveis. O risco é regulamentar a Educação Domiciliar para um pequeno grupo e a prática abrir espaço para comportamentos de risco na família, como abandono escolar, violência doméstica e exposição às mais diversas situações de privação e estresse tóxico que hoje são diretamente enfrentadas pelas escolas. Esse elemento é ainda mais preocupante considerando o aparato do Estado para monitorar e regular os processos relacionados à Educação Domiciliar. O monitoramento das atividades escolares já é muitas vezes frágil quando as crianças e jovens fazem parte da vida escolar e tende a ser ainda mais complexo e arriscado em uma dinâmica de Educação Domiciliar.
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A ideia do homeschooling parte do pressuposto de que a Educação escolar se limita ao ensino do que está no currículo, com avaliação periódica em momentos específicos da trajetória curricular. Ignora-se, assim, que a Educação escolar vai muito além disso, como sugere o Parecer 34/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação(CEB/CNE), que deixa evidente a importância da socialização com outras crianças e jovens e a exposição ao diverso e ao contraditório como aspectos fundamentais de seu desenvolvimento. A escola é o melhor ambiente para que isso aconteça. Vale lembrar que a Constituição estabelece que a Educação não tem apenas função técnica e, portanto, deve ser tratada de forma mais sistêmica – incluindo elementos fundamentais como formação para a cidadania, compartilhamento de valores comuns e pluralismo de ideias.
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Por fim, não existem evidências na literatura internacional de que, quando controlado pelo nível socioeconômico do aluno, crianças/jovens em homeschooling têm desempenho escolar melhor em relação a um estudante em Educação formal. Isto é, não há evidências que indiquem que uma criança aprenderia mais na Educação Domiciliar do que na escola.
Ao analisar aspectos de natureza legal, o Parecer 34/2000 do CNE menciona, por exemplo, o princípio com base no qual o ensino deve ser ministrado relativo à “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (art. 208, I). Ao mesmo tempo, “a Constituição Federal aponta nitidamente para a obrigatoriedade da presença do aluno na escola, em especial na faixa de escolarização obrigatória (…), instituindo para o Poder Público a obrigação de recensear, fazer a chamada escolar e zelar para que os pais se responsabilizem pela frequência à escola” (CF, art. 208, § 3º).
Abordando a finalidade da Educação de promover “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (LDB, art. 2º), o Parecer da CEB/CNE conclui que a Educação é dever do Estado e da família, “porque a família, só ela, jamais reunirá as condições mínimas necessárias para alcançar objetivos tão amplos e complexos”. Afirma também que a solidariedade humana e a tolerância recíproca, que fundamentam a vida em sociedade, “não deverão ser cultivados no estreito (no sentido de limitado) espaço familiar”.
Sob todos os aspectos aqui apontados, simplificar a discussão ao argumento de que outros países admitem o homeschooling omite diretrizes estruturantes da Educação Básica, bem como desconsidera as condições sociais e de capacidade estatal no Brasil.
Diante de todas essas evidências, o Todos Pela Educação é contrário à aprovação do PL 3179/12, que regulamenta e aprova a Educação Domiciliar no Brasil. Defende ainda que, caso a regulamentação avance, seja possível explicitar os casos excepcionais que justificam a adoção do homeschooling e as condições para que assegure o acompanhamento, pelos sistemas educacionais, dos estudantes educados em casa. Nesse caso, sem incentivar a Educação Domiciliar, devem ser previstas as situações especiais e restritas que justifiquem a adoção da prática, como, por exemplo, para crianças que estão fora do país de origem de forma transitória ou diante de risco à integridade física e emocional das crianças, apenas nos casos em que o poder público não puder oferecer alternativas que preservem os direitos das crianças e jovens.
O Todos reafirma a defesa constitucional e meritória do papel da escola na formação e socialização de jovens e crianças e as limitações estruturais de monitoramento e regulação de tal prática. Em vez de propor o homeschooling no País, caberia ao Governo Federal liderar a inserção de temas estruturantes para a Educação Básica, essenciais para alcançarmos uma Educação Básica de qualidade, especialmente frente ao cenário atual pandêmico.
Estudos citados no artigo:
– Parental experiences of homeschooling during the COVID-19 pandemic: differences between seven European countries and between children with and without mental health conditions
– Immediate Psychological Effects of the COVID-19 Quarantine in Youth From Italy and Spain
https://todospelaeducacao.org.br/noticias/homeschooling-um-debate-fora-de-tempo/