Massacre de Eldorado dos Carajás
MASSACRE DE CARAJÁS, 25 ANOS DEPOIS
18 DE ABRIL DE 2021 POR ELEONORA DE LUCENA E RODOLFO LUCENA
Manifestações virtuais e atos presenciais, distribuição de alimentos, panfletagem, faixaços e projeções gigantes (fotos ao longo do texto) marcaram, em todo o país, os 25 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, neste 17 de abril de 2021.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com apoio de amigos do mundo inteiro, realizou ato político-cultural internacional para lembrar a memória dos lutadores assassinados na Curva do S –a manifestação foi transmitida por dezenas de sites, inclusive o TUTAMÉIA (clique no vídeo para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“Recordar nossos mártires suscita a reflexão sobre o futuro da agricultura e do nosso país”, escreve João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, em artigo publicado originalmente na “Folha de S. Paulo” e reproduzido a seguir.
25 anos do massacre de Eldorado dos Carajás
SOMENTE COM JUSTIÇA SOCIAL SUPERAREMOS AS VIOLÊNCIAS ESTRUTURAIS QUE AINDA ATINGEM O CAMPO
JOÃO PEDRO STEDILE
O massacre de Eldorado dos Carajás, que tirou a vida de 21 militantes do MST no sul do Pará em 1996, completa 25 anos neste 17 de abril.
As mortes e as imagens da violência desnecessária e desproporcional da Polícia Militar para desobstruir uma estrada tiveram repercussão internacional e foram denunciadas pelas fotos de Sebastião Salgado.
A data foi declarada como Dia Mundial da Luta Camponesa pelos movimentos populares do campo de todos os continentes. Foi preciso tudo isso para que, enfim, 350 famílias pudessem ter o direito à terra naquelas imensidões de latifúndios improdutivos do Pará.
A violência é o modus operandi permanente do latifúndio desde a Colônia forjada em 388 anos de escravidão no Brasil e que está em sua raiz.
Existe a violência física dos assassinatos, mas há também a violência invisível da exclusão dos direitos básicos, como acesso à terra, trabalho, renda, cidadania e educação de milhões de brasileiros que vivem no campo.
Recordar nossos mártires suscita a reflexão sobre o futuro da agricultura e do nosso país. Nas últimas três décadas, houve um confronto permanente entre três modelos de agricultura.
O primeiro modelo é do latifúndio atrasado, que se apropria das terras públicas, florestas, águas e bens comuns da natureza para fazer a chamada acumulação primitiva. É a concentração por poucos das riquezas com os bens da natureza de toda a população sem retornar nada para a sociedade.
O segundo modelo é o do agronegócio, dito moderno, que se implantou em grandes fazendas monocultoras, que produzem apenas commodities agrícolas para exportação. Dispensam mão de obra, contaminam o solo e as águas, destroem a biodiversidade com os agrotóxicos e alteram o clima.
Isentos de pagar impostos na exportação com a Lei Kandir, não contribuem com a sociedade. Estudos revelam que 65% de toda a riqueza agrícola produzida pelo agronegócio é apropriada por empresas transnacionais, em detrimento das populações locais e do desenvolvimento regional.
O terceiro modelo é o da agricultura familiar, que reúne mais de 5 milhões de estabelecimentos, produz alimentos para o mercado interno e garante o abastecimento da maior parte da população com os itens da cesta básica.
Na atual conjuntura, o latifúndio e o agronegócio são parte estruturante do governo Jair Bolsonaro. Controlam parte da máquina, aprovam as leis que querem no Congresso, apropriam-se de recursos públicos e dos bens da natureza.
Assim, está em curso uma política radical contrária à democratização do acesso às terras, à agricultura familiar, à proteção do meio ambiente e da soberania sobre os recursos naturais.
O veto do presidente ao chamado “auxílio emergencial dos camponeses”, aprovado pelo Congresso Nacional, que estimulava a produção de alimentos durante a pandemia, ilustra o caráter desse governo insano.
Nesses 25 anos, a partir da experiência da luta pela terra e na organização dos assentamentos conquistados, formulamos uma nova proposta de modelo de agricultura, que chamamos de Reforma Agrária Popular.
Essa proposta defende a distribuição de terras dos latifúndios para garantir trabalho a milhares de camponeses e coloca centralidade na produção de alimentos saudáveis para todo o povo brasileiro.
Além disso, propõe aplicar a agroecologia, com a defesa da natureza, desmatamento zero, proteção das águas e plantio de árvores, conjuntamente com a implantação de agroindústrias cooperativadas para gerar renda e emprego.
Esse projeto de agricultura do futuro, que beneficiará todos os brasileiros e brasileiras com trabalho, renda, comida boa e respeito à natureza, depende da construção de um novo projeto para o Brasil, de justiça social, democracia e soberania.
Somente com justiça social e respeito às lutas dos trabalhadores será possível evitar os massacres e superar as violências estruturais que ainda atentam contra as populações do campo.
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Informe do MST
MST PROTESTA EM 20 ESTADOS E FAZ 50 TRANCAMENTOS DE ESTRADAS POR REFORMA AGRÁRIA POPULAR
Hoje, Dia Internacional da Luta Camponesa e Dia Nacional da Reforma Agrária, o movimento ocupa pistas e as redes em homenagem aos 21 mártires de Eldorado dos Carajás após 25 anos do massacre
Iniciando este 17 de abril – dia “D” da Jornada de Lutas pela Reforma Agrária, o MST mobilizou atos em 20 estados e 50 pontos. Fechando pistas com barricadas em homenagem aos mártires de Eldorado dos Carajás e em protesto pela Reforma Agrária Popular no Brasil. Acompanhe as ações que ocorreram nas grandes regiões pelo Brasil e no mundo:
AMAZÔNICA
No Pará, a BR 230 Transamazônica foi bloqueada pelas famílias assentadas do PA 1° de março e outros grupos de camponeses do município de São João do Araguaia. A BR 155, sentido Marabá – Eldorado dos Carajás foi bloqueada pelo Acampamento Helenira Resende e Hugo Chávez . Ainda na BR 155, sentido Eldorado dos Carajás – Xinguara, a pista foi ocupada pelo Acampamento Dalcídio Jurandir que fizeram ato simbólico, colocando faixas e queimando pneus. Assim como foi feito na BR 275, sentido Curionópolis, em Parauapebas pelo Acampamento Frei Henri.
O Acampamento Terra Cabana fixou 21 bandeiras pretas e 21 cruzes, para lembrar os 25 anos do Massacre de Eldorado do Carajás, e o Acampamento Frei Henri em Curionópolis também prestaram suas homenagens no Pará.
Na capital paraense, integrantes do MST e CPT fizeram ato simbólico pelo Dia Internacional da Reforma Agrária, na praça dos Mártires de Abril. Onde está erguido o monumento da Coluna da Infâmia do artista dinamarquês Jens Galschiøt em homenagem aos que tombaram no massacre de Eldorado dos Carajás.
Em Tocantins, o Acampamentos Padre Josimo e Carlos Marighela se reuniram em Araguatins, onde as famílias plantaram árvores, doaram cestas básicas e realizaram um ato simbólico na rodovia TO 404, trancando a pista por 21 minutos, em memória aos mortos em Eldorado de Carajás.
Ainda em Tocantins, outros 3 pontos de manifestações aconteceram com bloqueios na BR 230 Transamazônica, na Rodovia Belém-Brasília de Tabocão, e na mesma rodovia, de Belém-Brasília na altura do município de Crixás. Em todo o estado foram registradas atividades com faixas e cruzes com mobilizações em assentamento e acampamento na região.
NORDESTE
Na região Nordeste do país houve bloqueios na pista CE 390, no Ceará e na BR 093 em Sergipe. No estado baiano foram ocupadas a BR 101 na Regional Baixo sul, na região do Recôncavo Baiano foram realizados atos na BR 093. Já na regional do Nordeste da Bahia, o MST fechou a BR 110, no município de Paulo Afonso, e a BR 235 em Canudos.
No Nordeste, além dos bloqueios, também aconteceram atos simbólicos de protesto com doações de alimentos, mudas e plantio de árvores em homenagem aos mártires em várias regiões em Alagoas, Pernambuco, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia.
CENTRO-OESTE
Na região Centro-Oeste do país, no Distrito Federal, a BR-020, KM 12 em Planaltina foi ocupada em homenagem aos mártires e houve doações de alimentos. Em Goiás também foram realizadas doações de alimentos para famílias vulneráveis. No Mato Grosso, houve bloqueio da BR 163/364, km 12, sentido Jangada; além de faixas em Cuiabá, pedindo “Fora Bolsonaro” e “Reforma Agrária Popular para o país não passar fome”. Já em Rondônia ocorreram ações simbólicas e de solidariedade em Jaru.
SUDESTE
No sudeste aconteceu homenagem com faixas e ato simbólico aos mártires desde o Armazém do Campo do Rio de Janeiro, que mais um dia distribuiu doações de marmitas para população vulnerável.
Em São Paulo, durante a programação da Jornada de Lutas serão plantadas 21 árvores em memória aos mártires do massacre de Eldorado dos Carajás no acampamento Plínio de Arruda, em Promissão. Onde também protestaram no dia de hoje com faixas pedindo “Fora Bolsonaro” e o “Auxílio Emergencial de R$600,00”.
Em Minas Gerais, ocorreram bloqueios pelos mártires de Carajás, na Rodovia 040, km 45 e Rodovia 381 Fernão Dias.
SUL
No Rio Grande do Sul, a BR 158 em Cruz Alta foi ocupada em protesto. E no Norte do Paraná foram doadas 22 toneladas de alimentos da Reforma Agrária Popular, livres de agrotóxicos distribuídos em 14 cidades, além de 2 mil litros de leite e bloqueio da BR 170. Em Santa Catarina, Irineópolis, as famílias Sem Terra plantaram 21 árvores no assentamento Mimo em memória aos 21 mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás.
Outros atos simbólicos ocorreram em protesto de rua na França, com membros do MST e em solidariedade às Jornadas de Luta Internacional Camponesa. No Haiti, participantes do Curso de Formação em Comunicação Popular homenageiam as vítimas de Eldorado dos Carajás com cartazes: “Twóp Masak” – pedindo basta de massacres.
As manifestações, de modo geral, também denunciam o aumento da fome no país, que poderia ser solucionada com a Reforma Agrária Popular e apoio à agricultura familiar camponesa, foram doados alimentos e marmitas. Desde o início da pandemia, o MST já doou mais de 400 mil toneladas de alimentos sem agrotóxico e cerca de 700 mil refeições às famílias em vulnerabilidade social.
REPERCUSSÃO NAS REDES SOCIAIS
O ato cultural e político pelos 25 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, evento virtual, reuniu participantes de várias partes do mundo e teve tradução simultânea para inglês, espanhol e francês.
Militantes do campo popular mobilizados nas redes sociais, tornou o tema do 17 de abril entre os 10 assuntos mais comentados do Twitter, com a hashtag #Carajas25Anos.
Até o final do dia, ainda acontece o encerramento do 15º Acampamento Pedagógico Oziel Alves, com programação online. Hoje, contando com a exibição do filme “Chão”, via CineFront (Festival Internacional Amazônida de Cinema da Fronteira) e debate com a diretora Camila Freitas e Maria Raimunda (MST).
Artistas que se solidarizam com a causa do movimento enviaram mensagens destacando esta data emblemática de luto e luta. Entre eles(as): Caetano Veloso, Camila Pitanga, Letícia Sabatella, Bela Gil, Mari Lima, Antonio Pitanga, Caco Ciocler, Kike Diaz, Bel Coelho via Mídia Ninja.
Em vídeo de apoio enviado ao MST, Chico Buarque lê trecho do livro “O massacre: Eldorado do Carajás – uma história de impunidade” – de Eric Nepomuceno – trazendo detalhes de uma das ações policiais mais truculentas da história contemporânea brasileira. Ocorrida na manhã de 17 de abril de 1996, quando a Polícia Militar do Pará abriu fogo contra integrantes do MST que bloqueavam a BR, resultando na morte de 21 integrantes do MST, deixando outras dezenas de feridos(as). E declara seu apoio ao movimento:
“Eu queria manifestar meu respeito pelo MST. Minha solidariedade, minha admiração pela luta de vocês sabendo que o movimento cresceu. O MST se desenvolveu se firmou, mas está sempre correndo perigo. Um grande abraço para todos vocês, com todo respeito à fundação.”