Matando a essência da educação

Matando a essência da educação

Estão matando a essência da educação!

Crédito: Getty Images/iStockphoto

Qual é o tempo de um professor ou uma professora estudar, planejar e criar atividades que resultem num processo de aprendizagem e não num repasse mecânico de conteúdos aos estudantes? Que sentido tem a aprendizagem em tempos de pandemia?

A problemática da excessiva burocracia na educação, sobretudo a partir dos tempos da pandemia, vem sendo discutido por este site faz um bom tempo. Mas uma postagem, em rede social, do professor e educador brasileiro Celso Vasconcellos, reproduzindo texto de nossa autoria, nos faz aprofundar mais o tema, pois chamou atenção para a seguinte questão: a burocracia é um fim em si mesma ou um meio de registrar a atividade docente?

Escrevemos: “Cada dia que passa, sinto que roubam meu tempo e minhas energias de professor com burocracias excessivas, que não faziam parte de nossa rotina docente. Definitivamente, não é pela aprendizagem dos estudantes, mas pela comprovação estéril de que estamos fazendo educação. Triste e lamentável! Simples assim!”. Celso Vasconcellos fez postagem com esta escrita e acrescentou: Burocracia como meio ou como fim?

 

 

A repercussão que o texto “Não precisamos mais dar aula” (Acesse aqui!) do professor Laércio Fernandes dos Santos, tanto em número significativo de acessos quanto às significativas reflexões sobre o tema em diferentes grupos nas redes sociais é uma prova recorrente desta problemática acima levantada em diferentes lugares do Brasil.

Em publicação recente, pensando sobre os tensionamentos que a escola vem passando a partir da pandemia, escrevemos:

“pensar a escola de agora, neste momento pandêmico, com seus limites e potencialidades e com a possibilidade de maior uso das tecnologias e das plataformas educacionais, parece ser o caminho para melhorá-la. Fora disso, nossa tentação será repeti-la como mera reprodutora de conteúdos e sem diálogo com a vida e com as maiores necessidades humanas.

Qual foi a escolha dos sistemas de ensino? Em grande medida, foi transformar os professores em meros entregadores de conteúdos, planilhas, relatórios, devolutivas. Nada, ou muito pouco, de relação, de diálogo, de trocas, de conversas sobre a vida e a pandemia.  Neste quesito, há poucas diferenças entre o ensino público e privado. Resta perguntar: a escola sempre foi assim? Onde ficou e onde fica a dimensão relacional, mesmo que de forma remota e precária? Ou ela nunca contou nas relações de ensino-aprendizagem? Parece que a escolha unânime das redes de ensino é pela validação do ano escolar, através da burocracia”. Leia mais!

No nosso modesto entendimento, as redes de ensino públicas adaptaram muito abruptamente os seus processos pedagógicos e de ensino-aprendizagem no modelo virtual. Para além da natural dificuldade dos professores e professoras, num primeiro momento, e da dificuldade de entendimento e operacionalidade das plataformas educativas e das redes sociais, estas redes fizeram a escolha de provar a execução do ano letivo de 2020 e o andamento do ano de 2021, através de muitas planilhas, relatórios, preenchimento duplicado de roteiros, implantação de novos sistemas de controle das frequências e registro das aulas numa proporção desmedida com o tempo que os professores dispõem para o exercício da docência.

Para a frustração dos professores e professoras, sobretudo daqueles que realizam práticas pensando a educação e a aprendizagem como processos de crescimento e evolução dos estudantes, a burocracia excessiva representa perda do tempo para elaboração e execução de atividades e de processos mais significativos e relevantes para a aprendizagem dos estudantes.

É importante lembrar que a burocracia deveria existir para registrar, não somente para comprovar o esforço que todos os professores e professoras, mais do que nunca, estão fazendo para promover a educação possível em tempos de pandemia.

Esta preocupação excessiva de demonstrar que as escolas fazem tudo o que podem, sem levar em conta as horas que os professores tem à sua disposição para o trabalho, está acarretando muitos problemas de estresse, depressão, fadiga, decepção. E o pior, está desmotivando os professores para a sua função principal: a de serem mediadores do conhecimento.

Todos os esforços, meios e estratégias utilizadas pelas redes de ensino só tem sentido se houver boas, robustas e significativas aprendizagens dos discentes.

Os profissionais da educação sofrem, também, sucessivos ataques que afrontam a dignidade da profissão e as condições de trabalho dos mesmos, revelando descaso dos órgãos públicos responsáveis pela área. As sucessivas reformas do serviço público, a suspensão de aumentos ou reposições salariais e o aumento das contribuições previdenciárias, por exemplo, acabam penalizando e passando a ideia de que o servidor público é um “peso” ou um problema para o Estado. A pandemia, por sua vez, evidenciou ainda mais o ataque aos professores e professoras, que não vem obtendo o devido reconhecimento profissional e social do seu trabalho para a formação das novas gerações.

Camila de Freitas, professora de uma rede municipal de ensino, em recente publicação neste site, aborda esta perspectiva.

Em nenhum momento nós, professores, paramos de trabalhar. Em nenhum momento eu parei de me preocupar com a alfabetização dos meus alunos. Estamos trabalhando muito mais, fazemos vídeos, atendemos ao vivo em grupos, individualmente, respondemos whatsapp, preparamos aulas para turma e para as particularidades de cada aluno e ainda damos conta da burocracia. Por que os professores estão tão irritados, magoados e ansiosos? Porque nós estamos sendo atacados por todos os lados. Por que estamos nos defendendo tanto? Porque nenhum outro setor da sociedade defende os professores. Somos nós por nós e nós pelos nossos alunos! Leia mais!

Como podemos observar, a carga excessiva de trabalho, mesclando aulas virtuais e presenciais, somadas às excessivas burocracias que os professores e professoras tem de dar conta para provar que estão trabalhando, está ocasionando um grande prejuízo para o foco principal da educação: o envolvimento e a aprendizagem dos estudantes.

Infelizmente, a tese de que a “escola boa é a escola onde os professores estudam”, defendida pelo professor Altair Fávero, fica cada vez mais longe de ser alcançada.  Ele assim escreveu, na sua entrevista ao site:

“Eu diria que o professor é um ser inacabado e quem consegue compreender isso percebe que o SER PROFESSOR é um processo continuo de construção. Essa construção se dá por meio do estudo, de vivência, de práticas e do exercício permanente de reflexividade crítica de sua própria ação. Só consegue fazer isso o professor que pensa, que ama o que faz, que sistematiza sua prática, que tem um referencial teórico para analisar sua ação e, principalmente, que tem na profissão um projeto de vida. Essa é a diferença entre um autêntico professor e um simples técnico/instrutor que faz da profissão uma ocupação para sobreviver”. Leia mais!

Seguem algumas indagações, possíveis a partir das reflexões acima desenvolvidas.

*Qual é o tempo de um professor ou uma professora estudar, planejar e criar atividades que resultem num processo de aprendizagem e não num repasse mecânico de conteúdos aos estudantes?

*Qual é o sentido da aprendizagem (remota, precária, presencial, híbrida) que as escolas estão fazendo sem olhar para o tempo, para a qualidade e para o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes?

*Por que não mudamos novamente o foco da educação para a aprendizagem dos estudantes e concentramos nossas energias e criatividade no planejamento, na elaboração de boas estratégias que busquem recuperar o terreno perdido durante esta pandemia?

*Por que não simplificamos as ferramentas e os meios para registrar o nosso trabalho pedagógico?

*Por que é tão difícil entender que a burocracia excessiva do trabalho dos professores e professoras mata justamente a vocação e a essência do trabalho educativo?

*Por que não transformamos novamente a burocracia do registro de nossas atividades pedagógicas como um meio e não como um fim em si mesmas?

Por fim, queremos afirmar a importância do trabalho dos professores e professoras neste contexto de pandemia que, a partir de seus lares e de seus recursos, garantiram a execução das aulas remotas, híbridas e presenciais (que voltam aos poucos) mesmo sem o devido apoio e o devido reconhecimento nem por parte dos gestores, nem por parte de parcela da sociedade.

A prioridade do trabalho dos professores e professoras deve ser o pedagógico, deve ser a relação com os estudantes, deve ser a exploração dos seus potenciais criativos, o uso de novas tecnologias e ferramentas educacionais e a mediação da construção dos conhecimentos. As quinquilharias da excessiva burocracia na educação só enchem tabelas de relatórios e os olhos dos burocratas que pouco entendem de educação.

Como já previa Charles Chaplin, sem saber o que viveríamos neste momento histórico: “não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!

Autor: Nei Alberto Pies

Edição: Alex Rosset

 

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