MEC: sobralizando a educação
MEC: “sobralizando” a educação brasileira
A posse do Ministro da Educação teve um tom diferente de muitas outras que assisti. Penso que isso se deve à própria postura do grupo que assume o MEC. Por um lado, desconhece a área e seus mecanismos de organização. Enquanto outros ministros empossados transitaram livremente pelos mecanismos de decisão, organismos e entidades, mostrando conexão com a área, o novo ministro, além de fazer “tábula rasa” das experiências na área da educação, em sua posse (e em entrevistas) não se conecta com a luta das entidades e forças progressistas do campo, não se refere às Conferências Nacionais, à recente Conferência Nacional Popular de Educação e sua Carta de Natal, preferindo isolar-se nas políticas domésticas cearenses.
E isso nos leva a outro ponto mais importante. Aparentemente, o grupo considera que o Brasil (não só o governo Bolsonaro) fracassou em matéria de educação e só o Ceará acertou. Seu critério: o IDEB alto. Logo, por esta lógica, a política educacional deve ser aquela que foi vitoriosa e obteve o maior IDEB – cuja vitrine há tempos está localizada no município de Sobral, sob liderança inicial de Izolda Cela – agora nomeada Secretária Executiva do MEC, ou “vice-ministra” da educação, em dobradinha com o ex-governador do Ceará, Camilo, agora Ministro.
Izolda foi Secretária de Educação no Município de Sobral quando Clodoveu Arruda (PT) era prefeito da cidade. E Clodoveu de Arruda foi o pioneiro na atração das atividades da Fundação Lemann para o Ceará, entre 2011 e 2016. Como ele mesmo conta:
“O Jorge Paulo Lemann visitou Sobral quando eu era prefeito, quase no final da minha gestão, pois o município tinha atingido o primeiro lugar no Ideb. Então, me convidou para passar um ano e meio nos Estados Unidos, como ‘visiting scholar’, na Universidade de Columbia. E algum tempo depois, me fez um desafio para que eu desenvolvesse um programa para, como ele mesmo denominou, “sobralizar” a educação pública brasileira”, explicou Veveu Arruda.”
E continua:
“Propus a ele montar o Centro Lemann no Brasil, focado na formação de lideranças educacionais, e ele aceitou. Tanto que hoje temos um centro de desenvolvimento de excelência da qualidade da educação brasileira, no interior do Ceará, cuja sede fica em Sobral”.
Leia mais aqui.
Foi notório, durante a transição, a tendência de manter as entidades da educação a uma prudente distância protocolar. E nesta condição tiveram seus minutos para apresentar suas ideias. Claro, sim, me esqueci de dizer que “a transição não trata do programa de governo dos ministérios”. Mas, se a transição não tratou, muito menos a preocupação com as entidades e com o desenvolvimento de uma política para o MEC apareceu na postura do Ministro até agora. O Ministro, pelas suas falas, chegou com a política pronta: “sobralizar” a educação brasileira e quem entende disso é Izolda Cela – agora Secretária Executiva que deverá garantir uma atuação transversal das várias instâncias do Mec nesta direção.
A postura é típica da militância empresarial da educação que considera que a área da educação carece de objetividade, é vaga e não tem propostas concretas, pois é “muito ideologizada”. Ela é típica do Movimento Todos pela Educação, Movimento pela Base (ligado à Lemann) e outros think-tanks da reforma empresarial da educação. Além da postura, a própria política educacional em execução no Ceará, em uma coalizão PDT-PT, não é outra senão a que atende aos interesses que tais think-tanks têm com a educação.
Como atesta o depoimento de Clodoveu acima, há muito tempo estas agências estão tentando sobralizar a educação no Brasil – com receitas requentadas do fracasso educacional americano – e agora podem ter encontrado o caminho das pedras, instrumentalizando, a partir da centro-esquerda, o principal órgão formulador de políticas públicas para a educação.
E se não é assim, então, ao invés de irritar-se, seria mais produtivo enviar uma sinalização clara que contrarie esta percepção, pois há mais gente pensando assim.
FONTE:
https://avaliacaoeducacional.com/2023/01/04/mec-sobralizando-a-educacao-brasileira/
A paciência com o MEC está acabando
Depois de um período em que as lideranças da área da educação tentaram testar se era possível construir com o MEC um caminho progressista, pelo menos, a paciência parece estar acabando.
As dificuldades deste caminho estavam claras olhando-se para a adesão prévia do ministro à política educacional do Ceará, uma política claramente marcada pela presença de fundações e pela adesão às teses da reforma empresarial da educação. Escrevi sobre isso aqui e aqui.
Alguns estão esperançosos na próxima reforma ministerial e uma possível troca de ministro, mas embora isso possa ser um começo, a dificuldade é bem maior já que o MEC foi formatado com esta política e envolveria a troca de toda a linha de comando do órgão, envolvendo a Secretaria Executiva, Presidência do INEP, Diretores de Secretarias – ou seja – envolveria um recomeço. Apertar a tecla RESET, não deve estar nos planos de Lula.
O jornalista Luís Nassif entrevistou nesta terça-feira (19), o professor Daniel Cara, da USP, sobre a influência da Fundação Lemann no MEC.
Assista aqui.
A análise feita alí está correta, mas limita-se à reforma do ensino médio sob a influência da Lemann, mas há ainda o Todos pela Educação. Na verdade, é toda política do MEC: projeto educacional do Ceará; Bases Nacionais Curriculares e de Formação e também a reforma do Ensino Médio e sua tramitação no Congresso; concepção de Alfabetização (também liderada pela ONG Associação Bem-Comum de Veveu do PT, em articulação com a Fundação Leman); Bolsa Escola para permanência no ensino médio; conceito de educação em tempo integral (e não de formação integral) que precisam ser modificados.
Se a área da educação continuar acreditando em “negociação” com o ministro, não há chance. A ação do MEC é complementada pela ação feita por estas mesmas organizações empresariais no Congresso. Possuem estratégias de longa duração e operam camufladas – sempre que podem. Por exemplo: o insuspeito Bolsa Escola destinado à permanência dos pobres no ensino médio, pode virar no futuro, política de voucher para o estudante escolher a escola, esvaziando a escola pública, primeiro argumentando que é só para os mais pobres e, depois, generalizando para todos (como ocorre hoje nos Estados Unidos onde esta política já atingiu seu grau de maturação).
No fundo, esta política do Bolsa permanência segue a máxima dos neoliberais: não dê dinheiro para o sistema educacional, mas apenas diretamente para o aluno, pois para os neoliberais é fundamental enfraquecer o sistema público – a médio e longo prazo. Isso induz à privatização. No caso, serão 5 ou 6 bilhões ao ano que serão destinados aos estudantes para treiná-los inclusive a serem “empreendedores” e não à melhoria do sistema público que acolherá as próximas gerações.
FONTE:
https://avaliacaoeducacional.com/2023/12/20/a-paciencia-com-o-mec-esta-acabando/