Melhorar a educação e a escola

Melhorar a educação e a escola

Melhorar a educação e a escola é o tema que mais gera projetos no programa Criativos da Escola

Lançada no Brasil em 2015, iniciativa já alcançou cerca de 48 mil estudantes e reuniu mais de seis mil projetos, que em sua maioria olham para a educação, o espaço escolar e as relações interpessoais

por Maria Victória Oliveira - 1 de julho de 2021


Um universo de 48 mil estudantes contou com orientação de mais de 10 mil educadores para realizar 6.271 projetos em 1.171 municípios de 26 estados e no Distrito Federal. Esses são alguns números que marcam a trajetória do Desafio Criativos da Escola. Desde seu lançamento no Brasil pelo Instituto Alana, em 2015, a proposta mobiliza estudantes para que construam e realizem projetos inovadores e transformadores com apoio de professores e orientadores. Melhorar a maneira que se aprende e se convive no ambiente escolar é o tema que mais chama a atenção dos estudantes.

Nesses cinco anos, foram inúmeros aprendizados e descobertas, e parte deles estão sistematizados no estudo Liga Criativos da Escola, elaborado pelo Criativos da Escola em parceria com a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

Para responder perguntas como qual a necessidade que mais mobiliza os alunos e alunas a desenvolverem projetos?, quais temáticas mais cresceram nos últimos anos? e como os estudantes estão agindo para mudar suas realidades?, a pesquisa faz uma análise dos projetos inscritos, o perfil dos participantes, as principais áreas de atuação escolhidas, habilidades e competências utilizadas e desenvolvidas, entre outros pontos.

Uma das principais descobertas do estudo diz respeito às temáticas que mais mobilizaram os estudantes. 32% dos 6.271 projetos têm o desejo de melhorar o próprio ensino, o que pode acontecer de diversas formas: com novos jeitos de aprender (41%), incentivando a leitura (20%), aprofundando conteúdos extracurriculares (15%), lidando com dificuldades de aprendizagem (11%) ou com a adoção de recursos tecnológicos (10%).

Somando os 32% que querem melhorar a educação aos 13% que desejam melhorar o espaço escolar, o resultado é quase metade das propostas inscritas (45%) com foco na escola. “A Liga dos Criativos mostra um panorama da ação dos estudantes, evidenciado que eles estão realizando projetos de mudança de suas realidades, interessados nos temas mais diversos”, explica Gabriel Salgado, coordenador do Criativos da Escola.

O engajamento demonstrado ao longo dos projetos inscritos no Desafio deixam claro, segundo o coordenador, que há um movimento em curso em todo o Brasil dos estudantes da educação básica pensando e criando iniciativas transformadoras para melhorar suas escolas e territórios.

“A Liga apresenta contribuições para que possamos estimular cada vez mais participação e envolvimento e projetos que pensam a sociedade como um todo, o que faz sentido com a legislação vigente e com nosso objetivo primordial de construir uma educação para a cidadania ativa, democrática e vinculada com os desafios que atingem crianças, jovens e todas as pessoas.”

 

Os resultados do protagonismo
Por receber propostas e soluções pensados pelos próprios estudantes, protagonismo é a melhor palavra para descrever o programa Criativos da Escola. Afinal, são os estudantes que vivenciam a realidade da escola e, portanto, sabem quais são os pontos a serem melhorados. Juntar esse protagonismo com o interesse natural de crianças e jovens por outros temas e o espaço cedido pela escola para que possam estudá-los pode render projetos de destaque, como é o caso do grupo da professora Denize Groff, da EMEF Maria Emilia de Paula, em Sapiranga, no Rio Grande do Sul.

Em 2018, um grupo de três alunas decidiu estudar o feminicídio como projeto de iniciação científica, que já é tradição no município. O debate sobre o tema em casa rendeu descobertas como o fato de que as três avós das jovens já haviam passado por situações de violência doméstica. A pesquisa foi despertando o interesse das meninas, que, ao pesquisar dados em bases públicas, descobriam altos índices de abuso, estupro e feminicío mesmo em uma cidade pequena como Sapiranga.

Depois da pesquisa, foi hora de partir para a ação: foram organizadas palestras e rodas de conversa no ensino fundamental e a hora do conto com crianças menores, com o objetivo de envolver a escola inteira no debate. Além de o projeto ser expandido para outras escolas, onde as meninas contaram com apoio de uma psicóloga, uma procuradora da mulher e uma advogada que trabalha com questões de gênero, o trabalho também rendeu a aprovação de uma lei municipal que torna obrigatório o desenvolvimento de trabalhos sobre questões de gênero e violência doméstica nas escolas da cidade, a fim de prevenir o feminicídio.

“O protagonismo começa quando os alunos escolhem a temática que querem estudar no projeto científico. A maioria quer desenvolver uma proposta que vai melhorar a vida de alguém. O Criativos promove muito esse protagonismo de os próprios jovens conseguirem enxergar seus problemas e, o mais bacana, pensar em soluções para os problemas de sua realidade. Por terem sido premiadas, as meninas acabaram sendo essa influência positiva na região”, reforça Denize.

Melhores relações geram aprendizado
Também merece destaque o fato de que 31% dos projetos recebidos nesses cinco anos visam evoluir as relações interpessoais e promover o bem-estar. Esse foi, inclusive, um dos motivadores do projeto do qual Ana Beatriz Maluf fez parte em 2017 na Escola Estadual Leila Mara Avelino, em Sumaré (SP). Quando começou a frequentar a instituição, a estudante – que já tinha passado por um processo de transição capilar (quando uma pessoa deixa de utilizar químicas alisadoras no cabelo) –, notou que muitas meninas ainda tinham os cabelos alisados.

Foi então que surgiu a ideia de aplicar dois questionários: o primeiro para saber se existia a prática de piadas de cunho racista na escola envolvendo os cabelos crespos e cacheados, sobretudo contra meninas pretas e pardas, e o segundo para entender qual era a relação dessas meninas com seus cabelos.

Depois de descobrir que se tratava de uma prática recorrente no ambiente escolar, as alunas criaram o coletivo Naturalmente Cacheadas, que promovia rodas de conversa sobre identidade, autoestima e empoderamento. As adolescentes levaram a ideia das rodas de conversa também para outras escolas da região e criaram uma página no Facebook para disseminar ainda mais o tema.

“Por estarmos em um espaço com outros alunos, nós enxergamos problemas que outras pessoas podem não ver. Precisamos ter um olhar crítico sobre os desafios à nossa volta e tentar resolvê-los de alguma forma. Quando começamos o projeto, as meninas mantinham a cabeça baixa para essas atitudes. Com as conversas do coletivo, várias alunas fizeram a transição capilar, pois estavam se sentindo mais empoderadas com elas mesmas e com seus cabelos”, explica Ana Beatriz.

Escola como espaço da comunidade
As melhorias no espaço escolar passam por diversos aspectos. Para Gilda Sandes, professora de filosofia para turmas de ensino médio do Colégio Estadual Bolivar Santana, em Salvador (BA), a escola pública ainda se fecha para a comunidade, cenário que deveria ser justamente o contrário. Segundo a educadora, é importante que a escola possa ser um espaço onde inúmeros estudantes revelam talentos escondidos, inclusive habilidades para atuar no meio social.

O projeto Bolivar Online, desenvolvido em 2019 e 2020, cumpriu esse papel de expandir o diálogo para além dos muros da escola, trazendo estudantes de outros colégios do entorno para participar do festival de artes, dança, música e canto, que será realizado em outubro deste ano de forma online.

“Eu acredito que o maior favor que a escola pública poderia propiciar seria abrir suas portas para a comunidade. Que, quando pudermos retomar as atividades presenciais, essa porta não fique aberta apenas para os pais, mas que a quadra de esportes e o teatro, por exemplo, possam ser usados para uma apresentação de ballet, uma roda de capoeira ou uma reunião”, defende Gilda.

Iniciativa para mudança
“Muitas vezes os adolescentes percebem injustiças e têm o desejo de mudar, mas, ao mesmo tempo, ficam esperando que alguém faça ou proponha essa mudança”, afirma Aaron Rodrigues, aluno do Colégio Estadual do Rio do Antônio, que fica na cidade homônima, na Bahia.

Com duas colegas, Aaron decidiu lançar o Chama Preta, uma iniciativa para combater a desvalorização do trabalho de artistas negros da região, motivado pelo racismo. O projeto, que começou com um perfil no Instagram, reúne notícias, abre espaço para pessoas negras se manifestarem e traz conteúdos de forma descontraída, como conta o estudante.

A ideia é que, depois da pandemia, o trabalho possa crescer e passar a ser presencial, com a realização de uma oficina com artistas profissionais negros e, depois, uma exposição desses trabalhos. “O mais maravilhoso do Criativos da Escola é nos dar oportunidade, porque muitas vezes temos interesse em nos mobilizar e expor uma situação, mas não vemos como fazer. O projeto traz essa chance para mudarmos o nosso presente e fazer com que o futuro fique melhor”, defende.

Participe
Além do lançamento do livro que traça esse panorama das iniciativas de alunos por todo o Brasil, a Liga Criativos da Escola também tem como objetivo ser um chamado para que toda a sociedade brasileira possa se envolver na garantia do protagonismo e participação de crianças e jovens, incentivando e possibilitando que eles participem do diagnóstico de questões e da elaboração de soluções.

 

https://porvir.org/melhorar-a-educacao-e-a-escola-e-o-tema-que-mais-mobiliza-projetos-do-programa-criativos-da-escola/ 




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