Mercedes Sosa
04/10/21
Há doze anos, em 4 de outubro de 2009, falecia a cantora argentina Mercedes Sosa. Considerada a maior expoente da música folclórica argentina, Mercedes Sosa ajudou a consolidar o movimento "Nueva Canción", que buscava valorizar e impulsionar a música latino-americana como alternativa ao predomínio da música estrangeira anglo-saxã, cunhando canções de denúncia social imbuídas de elementos da cultura popular e do folclore regional. Carinhosamente apelidada de "La Negra" em referência à sua ascendência ameríndia, Mercedes Sosa destacou-se também por seu ativismo político. Foi militante do Partido Comunista da Argentina e participou da luta contra as ditaduras militares latino-americanas, recebendo o epíteto de "a voz dos que não têm voz".
Mercedes Sosa nasceu em São Miguel de Tucumã, na província de Tucumã, em 9 de julho de 1935. Sua data de nascimento coincide com a data da emancipação política da Argentina e sua cidade-natal é o mesmo local onde foi firmada a declaração de independência do país. Mercedes era mestiça, descendente de imigrantes europeus e indígenas diaguitas. Era filha de trabalhadores peronistas — o pai era operário da indústria açucareira e a mãe trabalhava como lavadeira para as famílias abastadas da região. Interessou-se desde a infância pela música. Em 1950, aos quinze anos de idade, venceu um concurso de canto organizado por uma estação local de rádio. Pouco tempo depois, iniciou sua carreira profissional como cantora do diretório regional do Partido Peronista, apresentando-se sob o pseudônimo Gladys Osorio.
Em 1957, Mercedes se casou com Oscar Matus, pai de seu único filho, Fabián, e mudou-se para a cidade de Mendoza. Dois anos depois, gravou seu primeiro álbum, intitulado "La Voz de la Zafra", em que já antecipava características que permeariam sua carreira até o fim da vida, como o influxo do regionalismo e da cultura popular. Em 1963, ao lado do marido, do cantor Tito Francia e do poeta Armando Tejada Gómez, Mercedes fundou o movimento literário e musical "Nuevo Cancionero", que intencionava superar o caráter excessivamente comercial da indústria musical, incorporando elementos do folclore argentino e letras politizadas. O movimento é considerado um marco da música popular argentina e teve grande projeção na América Latina, ajudando a consolidar regionalmente os preceitos anti-imperialistas da chamada "Nueva Canción" — iniciativa latino-americana de valorização da cultura regional, que buscava fomentar a criação de uma arte menos comercial e mais legitimamente popular, resistindo à "americanização" do continente. O movimento teve grande influência ao longo dos anos sessenta em países como Chile, Uruguai, Venezuela, Cuba, México e Nicarágua, entre outros.
Na década de 1960, em paralelo à sua participação no movimento da "Nueva Canción", Mercedes interessou-se pelos ideais socialistas, filiando-se ao Partido Comunista da Argentina (PCA). Em 1965, foi indicada pelo célebre cantor de música folclórica Jorge Cafrune para se apresentar no Festival Nacional de Folclore de Cosquín. A performance projetou nacionalmente sua carreira e a tornou conhecida na comunidade artística indígena. Mudou-se então para Buenos Aires e lançou o aclamado álbum "Canciones con Fundamiento", compilado de músicas folclóricas nacionais. Em 1967, realizou sua primeira turnê internacional, apresentando-se nos Estados Unidos e diversos países europeus. Em parceria com o compositor Ariel Ramirez e com o letrista Felix Luna, Mercedes gravou "Cantata Sudamericana" e "Mujeres Argentinas", lançados em 1970. No ano seguinte, após a eleição do socialista Salvador Allende para a presidência do Chile, Mercedes gravou "Homenaje a Violeta Parra", um de seus álbuns mais célebres, ajudando a popularizar mundialmente a canção "Gracias a la Vida". Também lançou um álbum em homenagem a Atahualpa Yupanqui e gravou canções em parceria com o brasileiro Milton Nascimento e com os cubanos Pablo Milanés e Silvio Rodríguez.
Em 1976, um golpe de Estado depôs a presidente Isabelita Perón, dando início à ditadura militar argentina. Apoiada pelo governo dos Estados Unidos, a junta militar conduziu uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, estabelecendo uma política de repressão brutal, com tortura e assassinato sistemático de opositores políticos, estudantes, militantes peronistas e comunistas, deixando um saldo de mas de 30.000 mortos e desaparecidos. Filiada ao PCA, Mercedes tornou-se alvo de intensa campanha persecutória, tendo seu nome incluído nas listas negras do regime. Suas músicas foram censuradas e os registros públicos de sua produção foram destruídos.
Malgrado a perseguição e as constantes ameaças, Mercedes tentou, a princípio, dar continuidade à sua carreira na Argentina, musicando poemas de Pablo Neruda e gravando canções de Víctor Jara, Violeta Parra e Eliseo Grenet ("Poema Nº. 15", "Drume Negrita", "Volver a los Diecisiete", etc.). Fez turnês pela Europa e África e estabeleceu novas parcerias com Chabuca Granda, Lucho González, Fernando Brant, Chico Buarque e Milton Nascimento. O recrudescimento do autoritarismo do regime militar, entretanto, tornou a situação insustentável. Em 1979, Mercedes foi presa enquanto se apresentava em um concerto em La Plata. Foi posteriormente banida de seu país, exilando-se em Paris e posteriormente em Madri.
Durante a estadia na Europa, a cantora reforçou a presença de músicas brasileiras em seu repertório ("Cio da Terra", "Maria Maria", etc.), ajudando a popularizar a MPB no universo hispano-americano. Em 1981, lançou na França o álbum "A quién doy", dirigido por José Luis Castiñeira de Dios, muito elogiado pela sonoridade renovada e pela experimentação artística. Mercedes regressou à Argentina em 1982, poucos meses antes do colapso da ditadura militar, derrotada pelo Reino Unido durante a Guerra das Malvinas. Retomou então sua carreira no país, dando início a uma série de concertos sediados no Teatro Ópera de Buenos Aires, em parceria com uma série de jovens músicos. Essas performances foram incluídas em um álbum duplo que se tornou um grande sucesso de venda nos anos oitenta. Também forneceram repertório para uma nova turnê internacional, pontuada por shows no Lincoln Center em Nova York e no Teatro Mogador de Paris. Os anos oitenta foram igualmente marcados pela ampliação das parcerias musicais com artistas argentinos (León Gieco, Antonio Tarragó Ros, Fito Páez) e estrangeiros (Caetano Veloso, Gal Costa. Beth Carvalho, Andrea Bocelli, Luciano Pavarotti, Nana Mouskouri, Joan Baez, Silvio Rodríguez, etc.).
Com a saúde muito debilitada em função de problemas hepáticos, Mercedes reduziu o ritmo de shows nos anos noventa, mas seguiu realizando alguns concertos épicos em locais como a Capela Sistina (Vaticano), o Carnegie Hall (Nova York) e o Coliseu (Roma). Também manteve sua atuação política e fez oposição às reformas neoliberais conduzidas pelo presidente Carlos Menem. Apoiou a eleição de Néstor Kirchner em 2003 e de Cristina Kirchner em 2007. Foi laureada pelo Senado Argentino com o Prêmio Sarmiento, em reconhecimento à sua trajetória artística e seu compromisso com a luta pela pelos direitos humanos. Também foi eleita Embaixadora da Boa Vontade da UNESCO para a América Latina e o Caribe. Faleceu em Buenos Aires em 4 de outubro de 2009, aos 74 anos.