Mateus Bruxel / Agencia RBS

Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Novo, no bairro Rubem Berta, em Porto
Alegre, oferece ensino em tempo integral   
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A educação gaúcha, que já foi referência em outros tempos, não tem ido muito bem nos últimos anos em alguns aspectos. É o que mostram os dados levantados pela reportagem de GZH relativos ao cumprimento das 20 metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), a serem alcançadas até 2024.

Um dos objetivos que não só está longe de ser concretizado, mas tem ficado ainda mais distante nos últimos anos, é a Meta 6, que determina que pelo menos 50% das escolas públicas tenha ensino de tempo integral e 25% dos alunos estejam matriculados nessa modalidade até 2024. No RS, porém, de 2014 a 2020 caiu em 140 mil o número de estudantes que têm jornada ampliada, de acordo com monitoramento feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O percentual caiu de 19,3% para 12,3% das matrículas em tempo integral nesse período. Se em 2014 o Estado apresentava um índice acima do nível nacional, em 2020 a situação havia se invertido e ele estava abaixo. 

Nos próximos dois anos, gestores da área da Educação terão o desafio de acelerar o passo para aumentar o percentual. Na rede estadual, a Secretaria de Educação informou que tem trabalhado na extensão da oferta da modalidade, aumentando de 91 para 133 instituições com tempo integral ao longo do último ano. Entre as estratégias para contemplar mais estudantes, estão a revisão do currículo da Educação Profissional e a implementação das mudanças trazidas pelo Novo Ensino Médio. 

Em Porto Alegre, a rede municipal de ensino iniciou o ano letivo saindo do zero e implementando a modalidade em cinco escolas, de suas 48. A Secretaria Municipal de Educação (Smed) informou que abrange 1.566 alunos nessas instituições e que a meta é dobrar esse número em 2023, oferecendo a modalidade em mais cinco colégios.

Uma das instituições que já conta com tempo integral é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Novo, localizada no bairro Rubem Berta, onde os filhos de Bruna Bastos Oliveira, 35 anos, estão matriculados. Segundo a consultora de vendas, a jornada ampliada chegou a ser oferecida de 2017 a 2019 na escola, mas foi interrompida durante a pandemia e, agora, as famílias comemoram a retomada. 

— Eu prefiro mil vezes meus filhos bem assessorados na escola, com boa alimentação, bom estudo, coisas que vão agregar mais para eles do que ficar na rua. Eu ainda tenho com quem deixar meus filhos, tem a minha mãe, que cuidava deles e agora ainda está cuidando do mais novinho, mas muitas famílias tinham esse problema de que as crianças chegavam em casa e não tinham com quem ficar — relata Bruna, que é mãe dos alunos Luiza, 11 anos, e Adriano, 13. 

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Luiza e Adriano frequentam a escola Porto NovoMateus Bruxel / Agencia RBS

 

Outra instituição de ensino que passou a ter o tempo integral foi a Escola Municipal de Ensino Fundamental Mario Quintana, no bairro Restinga. Foi lá que Rosannelys Saraid Manrique, 29 anos, que é venezuelana e mora há três anos no Brasil, matriculou os dois filhos, Rosanny, nove anos, e Rodrigo, seis, e criou uma nova esperança de conseguir seu primeiro emprego formal aqui no Brasil.

— No meu caso, eu sou estrangeira, e a minha família aqui no Brasil é o meu esposo, que tem as filhas dele. Eu não tenho muita família aqui, então, eu preciso que as crianças fiquem mais tempo na escola para eu me dedicar a outras coisas. Eu não trabalho porque, antes, as crianças tinham diferentes horários e eu não tinha tempo de trabalhar com carteira assinada. Agora eu tenho mais possibilidade — explica Rosannelys. 

O horário de aula nas escolas de tempo integral de Porto Alegre é das 8h às 17h. Além de educação, os estudantes recebem cinco refeições diárias. A economia com a alimentação também tem ajudado as famílias. No entanto, há percalços na rede pública para que o planejamento das atividades seja mantido no dia a dia.

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Com as crianças estudando em tempo tempo integral, Rosannely acredita que será
possível buscar um emprego formal  
Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
 

— A escola teve problemas primeiro com a caixa d’água, que estavam desde o ano passado pedindo pra arrumar a bomba. Também deu problema de falta de gás na escola e eles não puderam fornecer almoço para as crianças, então, alguns alunos ficam das 8h às 13h, saem e voltam às 14h até as 17h. Isso prejudica crianças que têm como refeição principal o que é oferecido na escola — destaca Bruna.

Procurada, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) relatou que houve falta de gás em cinco escolas da rede, devido a problemas de fluxo de estabelecimento, mas que o cardápio foi adaptado à realidade e a orientação para as instituições era de que a alimentação na escola fosse mantida. A questão da caixa d’água está em fase de processo de aprovação do orçamento para fazer a obra, que envolve também uma parte elétrica, segundo a pasta. 

Vagas em creches

Além da Meta 6, o Rio Grande do Sul também corre atrás de alcançar outras metas, como a universalização das vagas em pré-escolas, e a garantia de que crianças e adolescentes dos seis aos 17 anos frequentem a escola na idade adequada. 

A Meta 1, por exemplo, previa que se universalizasse até 2016 a Educação Infantil na pré-escola para crianças de quatro a cinco anos e oferecesse vagas em creches para no mínimo 50% das crianças de até três anos até 2024. No RS, em 2019, 90,5% das crianças de quatro e cinco anos frequentavam escolas – percentual inferior ao brasileiro, de 94,1%. Por outro lado, o Estado contava com um índice superior de crianças de até três anos em creches, ainda que abaixo da meta – 41,2%, contra 37% em nível nacional. 

Entre os 10 municípios gaúchos com maior população de crianças de quatro e cinco anos, segundo dados apontados pelo Sistema de Monitoramento e Expedição de Alertas concebido pelo Grupo de Trabalho Atricon-IRB, que reúne integrantes da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e do Instituto Rui Barbosa (IRB), apenas quatro têm percentuais de alunos dessa faixa etária superiores a 80% – Pelotas, Santa Maria, Novo Hamburgo e São Leopoldo. Porto Alegre registra 65,2% de alunos dessa faixa etária matriculados, enquanto Alvorada possui o índice mais baixo entre os 10, de 42%. Os dados são de 2020.

No que se refere às matrículas dos pequenos de até três anos, Alvorada atende 3,9% dessas crianças, enquanto a Capital conta com 28,8% dessa população nas escolas. Dos 10 municípios gaúchos com maior população de crianças de até três anos, o mais avançado é Novo Hamburgo, com 35,3%. Mesmo assim, não alcança a meta de 50%. Aliás, apenas um terço das cidades do RS já alcançaram a meta.

Na Capital, há duas estratégias para ampliar a oferta: o aumento das vagas em escolas já existentes em instituições municipais e comunitárias e a compra antecipada de vagas em colégios privados. Conforme a Smed, houve acréscimo de 322 vagas nessa etapa em 2021 e de 101 em 2022, até o momento.

Ensino Fundamental

A Meta 2 é universalizar o Ensino Fundamental para toda a população de seis a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos estudantes concluam essa etapa na idade recomendada até 2024. Nela, o RS também aparece abaixo da média nacional em ambos os indicadores, especialmente no segundo, que prevê que o nono ano seja concluído até os 16 anos – no Estado, em 2020, o percentual era de 77,7%, contra 82,4% no Brasil. 

Em relação a essa meta, a Smed informou que o Ensino Fundamental está universalizado em Porto Alegre. No levantamento do Sistema de Monitoramento e Expedição de Alertas, contudo, o percentual de 2020 era de 87,89%. A Seduc, por sua vez, relata que tem realizado uma série de ações para garantir um aprendizado de qualidade, como aulas remotas, ações de busca ativa e o retorno presencial com iniciativas como o programa Aprende Mais, focado na aceleração e recuperação da aprendizagem. A pasta defende que as ações “colaboram para que os estudantes concluam as etapas dentro da idade recomendada” e que “não há falta de vagas para estudantes na rede estadual”.

No que se refere ao atendimento escolar para a população de 15 a 17 anos, que deveria ser universalizado até 2016 e envolver pelo menos 85% das pessoas dessa faixa etária, o RS tinha um percentual em 2020 de 93,8% e 71,3%, respectivamente. Sobre isso, a Seduc afirma que realizou uma “ampla campanha” no início de 2022 incentivando o retorno dos estudantes ao ambiente escolar e que, neste momento, a rede estadual conta com 45 mil matrículas no Ensino Médio a mais do que em 2021, quebrando uma série histórica de queda no número de matriculados. Entre as ações para manter os jovens da escola, está o pagamento de uma bolsa mensal de R$ 150 e a ampliação da carga horária de Matemática e Língua Portuguesa, além da implementação do Novo Ensino Médio.

Diferença entre municípios

O presidente da Atricon, Cezar Miola, relata que a perspectiva é de que as metas mais acompanhadas pela entidade, relativas à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, não sejam cumpridas até 2024. No entanto, destaca que é importante analisar a situação de cada município.

— A tendência é essa (de não cumprimento das metas), até por conta da pandemia, mas é importante olhar a situação de cada município, para, com isso, cada Tribunal de Contas fazer seu processo de fiscalização e uma recomendação específica — destaca Miola.

De acordo com o presidente da entidade, muitos municípios alegam que os baixos percentuais se devem à falta de procura por vagas, por parte das famílias. Miola salienta, entretanto, que a legislação estabelece a necessidade de se fazer uma busca ativa pelas crianças que não estejam em escolas.

— Não basta dizer que não tem fila de espera por vagas, porque sobretudo famílias mais carentes, com menos inclusão, acabam não exercendo os seus direitos, por acharem que não adianta procurar. Aliás, nesse contexto da pandemia, temos defendido a busca ativa para todas as crianças e adolescentes — recomenda o presidente.

Miola sugere aos municípios uma ferramenta eletrônica sobre busca ativa desenvolvida pela Unicef, que pode ajudar nesse processo. Além disso, ele ressalta a importância de oferecer alimentação de qualidade, transporte escolar seguro e acesso à internet para os estudantes, como formas de melhorar estes índices.

 

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2022/03/entre-2014-e-2020-rs-registra-140-mil-alunos-a-menos-no-ensino-de-tempo-integral-cl0wvpbn800bd017cyzfz1sqy.html