Militarização e privatização da educação

Militarização e privatização da educação

Desvalorização da escola pública opera pela militarização e privatização da educação

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Precária, ultrapassada, despreparada. Esses são alguns dos adjetivos que costumam acompanhar a menção à escola pública nos noticiários e nas conversas Brasil afora contribuindo para a construção do senso comum errôneo de que “escola privada é boa e a pública ruim.”

Apesar de em parte embasado, este discurso pejorativo sobre a escola pública e, consequentemente, sobre os professores que nela atuam muito se distancia da vontade de melhorá-la.

Pelo contrário, tem servido a propósitos escusos. “Se é inegável que é preciso em muito avançar, todavia muito já foi conquistado. A falta de confiança nas escolas e sua desvalorização operam em favor de duas ambições explícitas do governo Bolsonaro: privatizar ou militarizar as escolas”, diz Russel Dutra da Rosa, professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A Constituição Federal de 1988, no entanto, eleva a educação como o primeiro direito social que compete ao Estado garantir ao povo brasileiro. “Assim sendo, a militarização das escolas e a transferência da gestão escolar para a iniciativa privada, não importando se esta possui ou não fins econômicos, significam graves violações”, critica em relatório o Conselho Nacional de Entidades da CNTE.

As escolas militares limitam os princípios constitucionais do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas

A entidade acrescenta ainda que as escolas militares limitam os princípios constitucionais do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, falhando com a missão de cumprir os três objetivos nucleares da educação: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Agrava o quadro projetos de lei à la Escola sem Partido, que visam cercear a liberdade docente de ensinar. “Ao atacar os professores, se ataca o direito à educação e a ideia da educação como serviço público que precisa chegar a todos. Isso interessa aos que entendem educação como negócio privado”, complementa Andréa Gouveia, presidente da ANPEd.

Condições de trabalho

A desvalorização da escola pública e a exaltação das escolas militares também oculta uma discrepância entre os valores investidos em cada uma: um aluno de colégio militar custa ao País o triplo de quem estuda em escola pública, e os salários de seus professores passam dos 10 mil reais.

É preciso considerar que toda essa discussão sobre controle sobre os professores vem acompanhada de um silenciamento sobre o salário e suas carreiras

Enquanto isso, na maior parte das escolas regulares não se paga o piso salarial, muitos municípios atrasam e parcelam salários e não investem em formação continuada. Nestes cenários, os professores enfrentam ainda salas superlotadas, sem infraestrutura e por vezes fazem até três jornadas de trabalho por dia.

“É preciso considerar que toda essa discussão sobre controle sobre os professores vem acompanhada de um silenciamento sobre o salário e suas carreiras. Isso corrói a profissionalização”, diz Andréa.

A presidente da Anped vê ainda outro motivo pelo qual os professores e a escola pública têm sido alvos de ameaças. “Ensinar e aprender exige relação e confiança. É a potência desse trabalho que os coloca na berlinda”, afirma.

https://educacaointegral.org.br/reportagens/desvalorizacao-da-escola-publica-opera-pela-militarizacao-e-privatizacao-da-educacao/?fbclid=IwAR0SZp0NwG8pd2gZhAggCklo0K3VIgrqkYDMj7sQTbqELzNYGr91yO3XKLg

 

ESCOLA DE QUALIDADE NÃO É ESCOLA MILITARIZADA

13 de setembro de 2018

Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação é contra a militarização das escolas, monitora o processo pelo país e aponta caminho para escolas de qualidade sob a responsabilidade das pastas de educação

De 2013 a 2018, o número de escolas estaduais geridas pela Polícia Militar saltou de 39 para 122 em 14 estados da Federação — um aumento de 212% -, conforme apontou levantamento realizado pela revista Época neste mês. Em 2019, há previsão de que outras 70 escolas deverão ser colocadas sob a gestão de militares nesses estados. Norte e Centro-Oeste lideram o fenômeno, que já ocorre em todo o país.

Atualmente, Goiás conta com 46 escolas, com 53 mil alunos, sob administração da Polícia Militar, e outras 39 estão em processo de militarização. “Amazonas já conta com 15 escolas administradas pela PM. Mato Grosso pretende criar cinco escolas da PM no segundo semestre. Em Roraima, das 382 escolas da rede estadual de ensino, 18 unidades foram militarizadas, totalizando 20 mil alunos sob jurisdição militar. (…) A Região Sudeste é a única onde não houve transferência de escolas estaduais para a PM. Montanha, no entanto, um município no Espírito Santo com menos de 20 mil habitantes, anunciou que pretende ser o precursor da modalidade na região. A prefeita Iracy Baltar (PRB) afirmou que sua intenção é incentivar a moral e o civismo entre os alunos”, apontou reportagem da revista Época que realizou levantamento da situação de diversos estados do país.

Em reportagem de março do jornal A Tarde, apontou-se ainda que atualmente, calcula-se, 14 colégios da PM existem na Bahia. Nelas, 70% das vagas são destinados a filhos de policiais e 30% sorteados entre civis.

A Constituição Federal e a legislação educacional brasileira são precisas ao determinar que a educação básica é de responsabilidade prioritária das pastas de educação estaduais e municipais, e não de outros órgãos. “Tal movimento representa um desvio de função da política e dos órgãos militares em prover esse serviço público, inclusive considerando que não têm dado conta de cumprir com sua função primária, na segurança pública”, afirmou Catarina de Almeida Santos, coordenadora do Comitê DF da Campanha, que tem atuado no monitoramento dos casos de Goiás, o estado precursor dessa iniciativa.

Goiás – Segundo Catarina, a expansão teve como vetor a atuação do ex-governador Marconi Pirillo, apoiado por diversos outros gestores e atores políticos. “O processo de militarização em Goiás é um caso à parte, tamanhos são os absurdos e as justificativas utilizadas”, comenta a professora, explicando que há um processo anterior, de abandono da escola até seu sucateamento máximo, em todos os sentidos, para depois militarizar, sendo essa mesma tática utilizada para justificar a implantação das Organizações Sociais no estado.

“Temos travado uma luta para mostrar à população que esse não é um caminho viável, que polícia não entende de educação. Que se a polícia não cumpre o seu papel de garantir segurança, como militarizar as escolas para torná-las mais seguras? Se a polícia não faz o que, em tese, é competência dela, como ela pode fazer bem aquilo para o qual ela nunca foi preparada?”, questiona.

Amazonas – O Comitê da Campanha no Amazonas também está ativo no enfrentamento a esta problemática. Em Parintins, por exemplo, foi anunciado que uma escola estadual seria entregue à gestão da PM, o que ainda não foi adiante, e há projetos de levar também a escolas rurais, que funcionam em assentamentos. “Cobrei do Conselho Municipal de Educação um posicionamento”, afirmou Eliseu da Silva Souza, do Comitê AM da Campanha.

A coordenação da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação – UNCME/AM  já passou por enfrentamento ao problema em relação à criação de uma escola de educação infantil, após consulta sobre ato de criação, credenciamento e autorização de cursos da primeira escola Militar Municipal de Presidente Figueiredo, “com disciplina e filosofia das escolas policiais militares do Amazonas”, conforme consta no documento.

A análise da solicitação, por parte da UNCME/AM, trouxe à luz os artigos 206 da Constituição Federal e o artigo 3° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que explicitam os princípios do ensino no país, como a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a gestão democrática do ensino público; a gratuidade do ensino público em estabelecimento oficiais; entre outras. Trouxe ainda a violação do princípio de autonomia dos entes federados, expresso no artigo 211 da Constituição, em que os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

A conclusão da UNCME/AM se expressou, afinal, em contrariedade à criação da escola militar: “Atinente ao ordenamento jurídico pátrio, as diretrizes da educação nacional e a repartição de competência entre os entes federados com vistas ao atendimento do interesse público, esta Coordenação sugere o redimensionamento quanto à criação de escola com filosofia trazida do âmbito da Polícia Militar considerando os conflitos existentes em relação aos princípios e objetivo da educação e da República Federativa do Brasil, esculpidos na Constituição Federal e demais legislação.”

Piauí  No estado do Piauí, até 2013, existia apenas uma escola de ensino médio coordenada pela Polícia Militar. A partir de 2014, iniciou-se um processo de reorganização da Escola Estadual Dirceu Mendes Arcoverde para militarizá-la, nos moldes dos colégios militares de outros estados do Brasil.

Ainda no governo de Wellington Dias, há mais de 14 anos no governo do estado, foi inaugurada a escola no dia 11 de agosto de 2015, fato que motivou a gestora da Secretaria Estadual de Educação a promover uma processo de militarização intenso, sob diferentes roupagens na rede estadual de educação. O propósito da secretaria de educação era Militarizar 14 escolas da rede estadual de ensino para ano de 2016.

Os movimentos sociais organizados acionaram o Ministério Público, que notificou a Secretaria Estadual de Educação, recomendando a “suspensão imediata da implantação de quaisquer ‘Escolas Militares’ no âmbito das escolas geridas pela Secretaria Estadual de Educação”. A notificação aconteceu após representação do Fórum Estadual em Defesa da Escola, coordenado pelo Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que realizou estudo sobre a legalidade da implantação de escolas militares, manifestações populares, audiência pública com o governo do estado, e solicitou a suspensão imediata desse processo. O estudo demonstrou que, nestas escolas, policiais militares exercem funções de natureza civil, como diretor, coordenador, supervisor, entre outros cargos.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, juntamente com quase uma centena de organizações no estado, via Fórum Estadual em Defesa da Escola, se posicionou no manifesto contrário à militarização das escolas, explicitando que “a militarização da educação civil não pode ser a resposta de um governo democrático aos problemas da educação (indisciplina, evasão, violência no ambiente escolar, dentre outros) que são reais, mas para os quais existem outras e melhores soluções”. Esse coletivo, que se constituiu como Mobilização pela Educação Pública, conseguiu a partir dessas ações, barrar o processo de militarização das 45 escolas da rede estadual.

Em 2017, contudo, a Seduc tornou uma escola de ensino médio militar em Teresina, bem como intensificou a formação de vários “Pelotões Mirim” na capital e no interior do estado, por meio de parceria com a Polícia Militar do Piauí, a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), e a Secretaria de Assistência Social (SASC). “Tentamos barrar junto com as comunidades, mas perdemos. Sabemos que hoje o estado mantém um número que chega à casa dos milhares de crianças de 6 a 16 anos em projetos como ‘Cidadão Mirim’, ‘Combatentes Mirim’, entre outros, em inúmeras cidades do estado do Piauí”, comentou integrante do Comitê PI da Campanha.

Mato Grosso – As ações neste sentido continuam caminhando em uma parceria entre a Secretaria de Educação e a Polícia Militar, para os municípios que solicitaram. “Aqui, não se propuseram a construir escolas, mas de criá-las e colocá-las em funcionamento, por solicitação dos prefeitos. Os encaminhamentos neste sentido continuam, mas apenas nos municípios que solicitaram”, afirmou Regina Borges, do Comitê MT da Campanha.

Espírito Santo – Márcia Saraiva, integrante da coordenação do Comitê ES da Campanha, participou de encontro do Conselho Municipal de Educação em Montanha, em que a secretaria de educação anunciou medidas de segurança em projeto de assistência social vinculado ao Criança Feliz. “Questionamos sobre a militarização de escola e nada nos responderam”, afirmou Sumika.

Roraima – Neste caso, há também uma tentativa de expansão dessas escolas, o que tem gerado polêmica entre os educadores e servidores públicos: o Decreto nº 24.851, de 05 de março de 2018, resolveu “Criar, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação e Desporto, a rede de colégios militarizados do estado de Roraima”. “Já fui na mídia colocar nossa posição, é uma questão política”, explicou Ana Alice Monteiro dos Santos, coordenadora do Comitê RR da Campanha.

Rondônia – O procurador-geral de Justiça, Airton Pedro Marin Filho, a pedido do procurador Rodney Pereira de Paula, impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra leis e decretos que regulamentaram e aumentaram as escolas militares em Rondônia. As irregularidades apontadas pelo MP são: incompatibilidade com as atribuições do órgão de segurança pública, a retirada de autonomia das escolas, a falta de autorização do conselho estadual de educação e de diálogo com a sociedade, a possibilidade de abertura de privilégios em relação à reserva de vagas para dependentes de militares, a possível cobrança de taxas nas escolas que deveriam ser gratuitas, entre outras.

Bahia – No estado, já são 14 escolas militares da Polícia Militar. Procurada, a Secretaria Estadual de Educação da Bahia afirmou que no sistema estadual não há projeto em curso para militarização, apesar de alguns sistemas municipais terem buscado realizar esta ampliação. Foi afirmado que o governador garantiu que não será militarizada mais nenhuma escola, para além das que já existem.

Qualidade na educação

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação é criadora do principal mecanismo, previsto na Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação 2014-2024, que determina um salto de qualidade para as escolas de educação básica de todo o país, o Custo Aluno-Qualidade (CAQ). O CAQ prevê quanto custa por aluno por ano para garantir uma série de insumos necessários para uma educação de qualidade, em cada etapa e modalidade da educação básica, desde a educação infantil, até o ensino médio, passando pela educação no campo, indígena, quilombola, sendo todas inclusivas.

“Eu estudei em Colégio Militar e sou testemunha de onde reside a qualidade dessas escolas:  elas têm recursos para assegurar uma boa infraestrutura, materiais disponíveis, profissionais da educação bem formados, com condições de trabalho e valorização profissional. Tudo que se prevê no CAQ. A concepção pedagógica, contudo, não está alinhada com preceitos de gestão democrática, por exemplo, como prevê nossa legislação e diversos estudos da sociologia e da educação”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Ela explica que há uma inversão de lógica que não pode ser aceita. “É preciso investir recursos adequados para o cumprimento do CAQ nas escolas sob as pastas da educação, que é quem não só está preparado pedagogicamente para tal, como também a instituição predeterminada constitucionalmente para esta função. Como vimos reiterando nos últimos tempos, na fala de nosso coordenador geral, Daniel Cara, é preciso devolver a educação aos educadores. Não podemos achar normal realizar atalhos insustentáveis e inconstitucionais para garantir insumos de qualidade nas escolas”, reiterou.

Hoje, são investidos de 3 a 5 vezes menos em educação básica do que o que é previsto pelo Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) – um primeiro passo para a implementação do CAQ, com os insumos mínimos, abaixo dos quais não há dignidade na oferta de educação básica no país. “O cálculo leva em conta as condições mínimas que uma escola deve assegurar, independente de onde ela esteja”, diz José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da  Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, pesquisador que elaborou o mecanismo de cálculo do CAQi/CAQ junto com a Campanha, e membro do Comitê Diretivo da Campanha, representando a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA).

Inconstitucionalidade da proposta

A crescente militarização das escolas públicas é inconstitucional por diversas perspectivas e, além disso, viola os tratados internacionais assinados pelo Brasil.

Na perspectiva do direito à educação, viola frontalmente os princípios da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e da gestão democrática do ensino público, na forma da lei (incisos II, III e VI do art. 206, respectivamente). Por esses princípios, devem ser assegurados amplos canais que viabilizem a discussão aberta e democrática sobre todos os temas do processo educativo com a participação dos profissionais da educação (direções escolares, supervisões, coordenações pedagógicas, docentes e gestores), estudantes, familiares dos alunos e da comunidade local.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, por sua vez, ao regulamentar a prerrogativa de autonomia das escolas determina que esta deve ser progressivamente assegurada, em vertente oposta à intervenção de militares na gestão escolar (LDB, art. 15).

Essas garantias jurídico-constitucionais, por sua vez, dão base à construção das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, cujos objetivos e propósitos não comportam o princípio pedagógico das escolas militarizadas, comumente definido como “hierarquia e disciplina”.

Além disso, tal medida é um retrocesso inconstitucional na implementação dos princípios da valorização do magistério e da garantia do padrão de qualidade do ensino. No tocante aos profissionais do magistério, a militarização viola frontalmente o artigo 61 da LDB, que delimita quem está habilitado e legalmente autorizado ao trabalho no ensino: são eles os professores e os trabalhadores da educação com habilitação específica.

Em função disso, é evidente que a militarização escolar conflita abertamente com o modelo de educação estabelecido na Constituição de 1988, porque seus princípios de hierarquia e disciplina não podem ser compatibilizados com o caráter democrático processo educativo, único meio de garantir-se o próprio pluralismo e respeito aos processos de formação de crianças e adolescentes.

Há, nesse ponto, um patente desvio de função das instituições militares e, como consequência, dos servidores públicos militares, uma vez que, nas iniciativas de militarização, estes passam a exercer uma parcela significativa do trabalho atribuído aos cargos e funções do magistério.

A Constituição Federal determinou a existência de órgãos específicos para exercer missões de segurança pública, atribuindo-as às instituições das polícias federais e estaduais, a quem compete exclusivamente a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. As polícias militares estaduais, a quem cabe a função de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, exercem suas atribuições em regime subordinado ao poder civil, no caso, os Governadores dos Estados (art. 144).

Para o exercício dessas funções – magistério e polícia –, portanto, a Constituição exige a prévia definição de cargos ou funções a serem ocupadas, com atribuições específicas e requisitos de investidura estabelecidos em Lei. Essa investidura “depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei” (art. 37, incisos I e II).

Destinar, ainda que por Lei, a policiais militares o exercício de parcela das atribuições constitucional e legalmente destinadas aos profissionais da educação configura flagrante desvio de função, tanto quanto seria dar aos professores a competência para o exercício do policiamento ostensivo dentro ou fora da escola. Tal desvio de função pode configurar desvio de finalidade e, neste sentido, improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 1992, art. 11, inciso I); são anuláveis as decisões ou atos administrativos produzidos nessa condição.

Por fim, a militarização das escolas deve ser analisada no contexto da violência policial do país. Neste sentido, é medida que afronta abertamente as principais diretrizes internacionais de proteção a crianças e adolescentes, especialmente a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, ratificada e promulgada no Brasil na década de 1990 e que sujeita o país ao monitoramento internacional rotineiro.

No último relatório produzido pelo Comitê sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, em outubro de 2015, o Comitê se mostrou seriamente preocupado com a violência generalizada praticada pela Polícia Militar contra crianças, especialmente as mais pobres e marginalizadas, que vivem nas periferias das grandes cidades. Dentre as graves violações apontadas nas “Observações finais para o Brasil”, foram destacados casos de violência física nas revistas corporais, incluindo o assédio sexual.

 

Mais informações:
Andressa Pellanda    andressa@campanha.org.br

 

http://campanha.org.br/direito-a-educacao/escola-de-qualidade-nao-e-escola-militarizada/ 




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