Momento Crítico

Momento Crítico

Momento Crítico


Sou forçado a dizer uma palavra. Como de costume, peço que não aceitem. Tento justificar o que digo. Temos de pensar seriamente, pois o momento é crítico. Desculpem o tamanho, mas quero argumentar com cuidado. Quatro passos, interligados: 1. Um olhar histórico, estrutural. 2. Os últimos 12 meses, de maio a maio. 3. O papel crucial da Globo. 4. O momento atual. E concluo mostrando que há luzes...

  1. O HISTÓRICO-ESTRUTURAL

Nos seus mais de 500 anos o Brasil teve mais de três séculos de escravidão, cujas consequências perduram até hoje. Com todas as ressalvas possíveis, a expressão de Gilberto Freyre é a que mais diz de nossa história e nosso presente: A Casa Grande e a Senzala. Esse é o eixo fundamental que perdura até hoje. As melhores análises criticas retomam essa dicotomia recorrente: Jessé de Souza, Mino Carta, etc.

  1. OS ÚLTIMOS 12 MESES – DE MAIO A MAIO

Um fato novo na história política brasileira: a partir do início do século XXI, houve um choque, um estremecimento desse eixo básico: aparece alguém da “senzala” que chega lá, se intromete na elite e começa a tumultuar a cena. No início não se deu muita atenção, e esse estranho só conseguiu chegar lá porque fez, teve de aceitar, acordos conflitivos e quase contraditórios: Carta dos Brasileiros, por exemplo. Mas chegou. E deu um susto. E se reelegeu por outro período. E elege uma mulher para um terceiro. E essa mulher é reeleita para um quarto período. Foi então que a Casa Grande gritou: chega! E juraram – Aécio à frente, toda elite tucana acompanhando e a mídia sustentando e legitimando: “Essa mulher não vai governar! Faremos tudo o que for preciso para que ela não consiga governar. Vai ficar sangrando”. E fizeram! Confiram. De tudo o que foi jeito. Ela tentou por todos os meios, mas nada progredia. E a mídia conferindo, ao gosto dos futuros golpistas. Um parêntese ilustrativo: menos de um mês depois da eleição de Dilma, em novembro de 2014, Boaventura Santos publicou uma análise do momento e disse claramente que seria muito difícil, quase impossível, Dilma governar, a não ser que ela garantisse o apoio dos movimentos populares, controlasse o capital financeiro internacional e criasse uma política para a mídia - ver B. Santos: “A Grande Divisão”, 12.12.1914, CANALIBASE. Foi profético. Chama a atenção para a dimensão internacional da eleição e mostra como a mídia estrangeira a criticou ferozmente. Porque? E tivemos um ano sofrido, dolorido, legitimado momento a momento pela Grande Mídia.

  1. Quem é mesmo a Globo?

Tomo a Globo como padrão. Para mim, ela é a variável principal desse momento. Pela sua origem e sua história, a Globo sempre foi a porta-voz principal da Casa Grande e ela mesma se constitui como Casa Grande, é seu DNA. Basta ver o poder econômico dos Marinho. Nos últimos 50 anos ela sempre comandou o espetáculo. Foi assim na sustentação da ditadura; na tentativa de impedir, ou diluir as “diretas já” em 1984 (o espetáculo vergonhoso da falsificação do comício das ‘Diretas Já’ em S.Paulo); foi assim na eleição de Collor, com a reedição distorcida do debate entre ele e Lula; e igualmente na deposição de Collor. Brizolla foi uma zebra que ela nunca engoliu. Lembre-se a trágica falcatrua para derrubá-lo na apuração das eleições. E todas as vezes que a Globo não conseguia (como o segundo turno da eleição de Dilma), juntou-se em seguida aos futuros golpistas, colocando-se como o ator principal tanto nas convocações como no acompanhamento e implementação das passeatas e protestos, com um canal específico para isso: a Globo News, o canal do golpe.

Pergunto: Será diferente agora, nesse surpreendente episódio da delação de Temer e Aécio pelo executivo da JBS? Teria ela mudado sua prática consolidada por 50 anos? O inesquecível sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, dizia com extraordinária perspicácia e clareza: ”Só acredito em democracia no Brasil quando o Presidente das Organizações Globo for eleito por eleição direta!” E dizia ainda mais: “O termômetro que mede a democracia numa sociedade, é o mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação”. E concluía dizendo que não há democracia em nossa sociedade; vivemos um fascismo, pois são apenas 8 a 10 famílias que podem falar. E dentre essas famílias, a Globo detém quase 70% do poder. E as demais não conseguem se afastar dessa dependência a Casa Grande.

Chegamos à questão central: quem deu esse PODER à Globo?

Os meios de comunicação eletrônicos, que detém uma concessão, não foram eleitos pelo povo. E todo o poder vem do povo como diz o primeiro artigo de nossa Constituição. Mas o que acontece – e aqui o escândalo maior e criminoso – é que esses “donos” estão usurpando um poder que não é deles. É preciso gritar, gritar com toda força e coragem, que a essa usurpação é ilegal e ilegítima. Pela Constituição, os meios eletrônicos – rádio e TV – são concessões temporárias para fazer com que as pessoas possam se informar e formar suja opinião. Mas na prática se comportam como se fossem verdadeiros donos. Só eles falam. A maior censura é a do povo feita pelos monopólios da mídia. É a ditadura midiática. Repetindo Betinho: não temos uma democracia: vivemos um claro fascismo.

  1. O momento hoje

Agora o motivo principal dessa reflexão. Ninguém é senhor absoluto da história. As contradições se agudizam e chega o momento em que é preciso reajustar determinadas estratégias. Que significa esse escândalo Temer-Aécio? A deterioração do golpe estava se tornando insustentável. Não se estava conseguido que os intentos que o capital financeiro internacional (via Meirelles, via limitação de gastos, via mudança nas leis trabalhistas, via mudanças na Previdência) se concretizassem. Era preciso dar uma re-equilibrada. Além disso, a Globo, financeiramente, não anda bem. Uma conjuntura de problemas se avizinhava e corria-se o risco de se perder o controle. Era preciso retomar esse controle e garantir a continuação do projeto, pois os atores preparados para esse projeto não davam conta de realizá-los. Era urgente retirá-los de cena e pensar outra alternativa. Mas para isso – e aqui uma questão crucial – era preciso que a principal atriz desse processo, a própria Globo, construísse e garantisse credibilidade para executar essa importante tarefa.

A maioria da população - mais de 90 % - desacreditava de Temer. E nesse descrédito a própria Globo estava sendo atingida, ao menos indiretamente. Era preciso superar esse sério empecilho. Eis o momento estratégico: dispensa-se Temer e, de tabela, a Globo reconquista sua credibilidade!

Pensemos um pouco, sejamos realistas e sinceros: a população brasileira nesse momento teria chegado a esse tumulto generalizado de um quase “Fora Temer” se a Globo não o tivesse propiciado? O Brasil inteiro ficou fixado – e fisgado – pela Globo! Que tremendo poder tem essa Senhora! Arrisco até dizer mais: desconfio que muitos estão agora ingenuamente esperando que ela diga quais os próximos passos, as cenas seguintes da tragicomédia...

Concluindo

Permito-me, fundamentado no dito acima, revelar claro o que penso. Diz-se que o velho senador romano Catão, diante dos perigos que Cartago representava para o Império, toda vez que subia à tribuna terminava dizendo: “ Ceterum censeo, Carthaginem esse delendam!”, isto é: “De mais a mais, penso que Cartago deve ser destruída!” E por muitos anos repetia sempre: Delenda Carthago! Até que enfim conseguiu. Numa analogia bem próxima, com base em grande número de analistas críticos da mídia-política – pois, como diz Venício Lima, nos dias de hoje mídia é política e política é mídia – tendo à frente nosso querido Betinho, não há como não gritar com todas as forças: DELENDA GLOBO!

Isso não significa nada mais do que exigir que a mídia eletrônica – e a Globo na cabeça - deve ser no mínimo regulamentada, nada mais do que se respeitar a Constituição de 1988, artigos 220 a 224! Mas nem isso a Grande Mídia, representante legítima da Casa Grande hoje, aceita! Ela é o Poder, usurpado e roubado, pois não foi o povo que lhe deu esse poder. Ela – a Globo - comanda o espetáculo. Ela dá as cartas do jogo político. Bem diz Ricardo Capelli “Tirem a fumaça dos olhos. Globo prepara o IPPON. Tem o comando das cartas na manga. Crime perfeito!” Fico abismado: até há pouco todos gritando: “Fora Temer”. E, de tabela, “Fora Globo”. E de repente ela assume o espetáculo e a multidão fica perplexa, a ver navios! Ela rouba a cena e se coloca como a grande responsável pelo ‘Fora Temer”. Faturando em cima do fato e reconquistando sua credibilidade.

Qual o próximo passo? Aqui o alerta. Não sou adepto de nenhuma teoria conspiratória. Mas também não quero ser ingênuo. Vendo essa “guinada” da Globo e examinando sua história e seu DNA, herdeira legítima da Casa Grande, olhando sua prática “coerente” por quase 50 anos, fico me perguntando: que mudança e que conversão foram essas? Precisamos abrir os olhos.

E mais: será que ela vai permitir que alguém da Senzala chegue, ou retorne para o convívio da Casa Grande? Para impedir isso, serviria até mesmo uma “semi-prisão” desse rebelde que já desobedeceu aos seus preceitos sagrados e teimosamente quer repetir o crime... Repito: ninguém é dono da história nem da verdade. Numa verdadeira democracia todo poder emana do povo. Ela é construída e garantida pelo povo. Pode demorar, mas chega-se lá.

E nesse preciso momento de nossa história, para podermos ir em frente, é urgente gritar, copiando Catão: DELENDA GLOBO! Uma utopia, mas a utopia já é o começo da realidade!

Pedrinho A. Guareschi - UFRGS

https://pedrinhoguareschi.com.br/site/wp-content/uploads/2019/01/momentocritico84841.pdf 




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