Monteiro Lobato, racista?
Monteiro Lobato seria um racista?
Deixar de ler ou de ensinar as obras de
Monteiro Lobato às crianças e aos jovens
seria uma negação da verdadeira história do
nosso país e até mesmo das Américas.
Dias atrás, li um artigo que afirmava ser Monteiro Lobato um racista. Tomei um susto com essa opinião. Creio que não podemos afirmar qual o jeito de ser e agir da vida real de um escritor.
Não estou defendendo Monteiro Lobato, apenas colocando o meu ponto de vista sobre como as pessoas nos veem em relação ao que escrevemos. Às vezes somos confundidos com os nossos personagens. É preciso, pois, diferenciar o escritor do cidadão comum. Um age inspirado no seu mundo da criação e imaginação, o outro vive no mundo real.
Acompanho essa discussão sobre o racismo em Monteiro Lobato há alguns anos. Não sei se merece tanta atenção assim, mas creio ser importante levantar essa questão aos professores, gestores, pais e responsáveis por crianças e jovens.
O racismo é considerado crime no Brasil, atualmente. Porém, no tempo em que Monteiro Lobato viveu, urgiam nas grandes fazendas as senzalas, as amas de leite, os escravos domésticos e aqueles que trabalhavam na plantação de café. É preciso conhecer um pouco da História do Brasil para falar sobre a escravidão no nosso país.
O grande escritor Monteiro Lobato, que publicou livros para crianças e criou a personagem tia Nastácia do Sítio do Pica-Pau Amarelo, talvez não tenha tido a intenção de explorar a escravidão doméstica, mesmo porque tia Nastácia nunca foi tratada como uma escrava, apenas criou a personagem da forma como eram e se caracterizavam as coisas no seu tempo. Nas fazendas, havia muitas mulheres velhas e negras, na maioria das vezes, solteiras e de pouca instrução.
Naquela época, os negros não tinham espaço no mercado de trabalho, a maioria trabalhava em casas de família e, mais precisamente, eram cozinheiros ou cuidavam dos afazeres domésticos. No caso de tia Nastácia, ela é representada como a cozinheira de uma família que a trata com carinho e afeto. Nunca, em nenhuma página dos livros sobre o Sítio do Pica-Pau Amarelo, ela sofre preconceito. Dona Benta nunca aparece como racista, causando-lhe maus-tratos ou coisa parecida.
O problema maior de acusação de racismo em Monteiro Lobato pode ser encontrado na personagem Negrinha, que é maltratada pela sua senhora. O escritor Monteiro Lobato relata a feiura da negrinha, mas isso não quer dizer que ele seja um racista. Não é porque eu acho um negro feio que eu seja racista. Assim, também não posso achar uma pessoa branca ou parda feia? Precisamos parar de acusar as pessoas só porque elas não se encaixam naquilo que consideramos o politicamente correto.
A personagem Negrinha aparece sendo torturada por Dona Inácia, sua senhora, como eram chamadas as madames no tempo da escravidão. Mas quem tortura não é o escritor, ele apenas está relatando um fato que veio à sua imaginação.
Se existiu na vida real uma menina feia chamada Negrinha ou não, isso não ratifica que Monteiro Lobato seja um racista. A obra Negrinha é um convite à leitura em sala de aula para que os alunos reflitam sobre o quanto a escravidão foi dolorosa no nosso país. Não devemos rejeitar tal texto nas escolas, pelo contrário: trata-se de um convite à reflexão do aluno para o respeito às mais diversas raças, etnias e culturas; um respeito ao ser humano e ao próximo.
Também não é porque ele considera as bonecas louras e de olhos azuis das sobrinhas de Dona Inácia bonitas que esteja sendo racista. Naquela época, todo mundo louro e de olhos azuis era considerado alguém belo, imagine uma boneca. É possível que Negrinha só tenha tido contato com bonecas de milho ou de pano, talvez nenhuma boneca tivera antes. De repente, ver aquelas lindas bonecas chama sua atenção.
Nosso amado escritor para crianças, Monteiro Lobato mostra, na sua personagem, que a cultura herdada pelos europeus no nosso país, foi o marco da colonização. E agora desconstruímos essa cultura com a expressão “descolonial”, em que o eurocentrismo perde seu espaço. A descolonização visa à superação das verdades trazidas pelo eurocentrismo e atribui ao negro uma causa maior de expressões e valores humanos, respeitando a cultura dele.
Deixar de ler ou de ensinar as obras de Monteiro Lobato às crianças e aos jovens seria uma negação da verdadeira história do nosso país e até mesmo das Américas. O escritor é múltiplo, como dizia Fernando Pessoa e seus muitos eus, logo, Monteiro Lobato poderia vestir-se de racista nas suas obras de ficção para mostrar a verdadeira história da escravidão e ser um cidadão antirracista na vida real. Ninguém pode afirmar isso com certeza.
Não se analisa uma pessoa só pelo que ela escreve, mas, sim, também pela forma de viver e por seus feitos deixados para o mundo. Com isso, defendo, diante do exposto anteriormente, que a obra de Monteiro Lobato deve ser trabalhada de forma consciente e reflexiva por todos os alunos e professores e não vista como racista. Monteiro Lobato escritor nunca foi um racista, quanto ao cidadão não posso opinar.
O escritor Monteiro Lobato foi, dentre outros escritores e estudiosos, um dos pioneiros no resgate do folclore literário brasileiro.Saci-Pererê, o mais simpático dos mitos brasileiros, surge como contraponto aos monstrengos internacionais, como os contidos no Halloween, tanto é que a cada dia 31 de outubro foi criado o Dia do Saci e seus amigos. Sendo um menino livre da escravidão negra no Brasil, Saci, para ter visibilidade, apronta, como todo garoto, suas artes. No entanto, é especial, pois fruto da brutalidade, perdeu uma perna, significando que e a escravidão foi feroz também com as crianças afrodescendentes. (Eládio Vilmar Weschenfelder).