Mudar a formação dos professores

Mudar a formação dos professores

Precisamos mudar a formação dos professores para ter sucesso na implementação do Novo Ensino Médio

A articulação entre teoria e prática e mudanças no Ensino Superior são fundamentais para alcançar resultados positivos

POR:   Mozart Neves Ramos        05 de Maio | 2021



Há anos o Ensino Médio é uma das etapas mais desafiadoras da Educação Básica. Os baixos índices de aprendizagem evidenciados no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a alta evasão escolar mostraram o fracasso do modelo. No que se refere à aprendizagem, os resultados da última edição do Saeb, em 2019, mostraram que de cada 100 alunos que concluem o Ensino Médio, apenas 5 dominam os conteúdos previstos na disciplina de matemática. O abandono escolar nesta etapa gira em torno de 500 mil jovens ao ano. Com a pandemia, espera-se, infelizmente, um crescimento nesse número. Os especialistas notaram que, da forma que estava configurada, a última etapa da Educação Básica não dialogava com a realidade e as necessidades dos jovens. Também não dava conta de incorporar as mudanças constantes trazidas pelos avanços tecnológicos. Todos esses debates resultaram na aprovação do Novo Ensino Médio em 2017, e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a etapa em 2018.  

Entre as novidades trazidas pelos documentos, temos: a flexibilização do currículo com os itinerários formativos, os quais consideram a oferta de um eixo técnico profissionalizante; aumento da carga horária anual para 1000 horas; a BNCC trazendo as orientações de 60% do currículo com uma divisão por áreas do conhecimento e não por disciplinas - entenda as mudanças da etapa

Diante desse cenário, era preciso repensar a formação inicial e continuada dos professores. Por isso o Conselho Nacional de Educação (CNE) construiu a Base Nacional Comum da Formação Docente, cujas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), tanto a Inicial como a Continuada, já foram homologadas pelo Ministério da Educação (MEC). Cabe agora implementá-la mediante uma ação coordenada por este MEC em colaboração com as instituições de ensino superior e Secretarias de Educação. Essa deve ser a prioridade dos esforços. Estudos mostram que a melhor maneira de enfrentar a baixa aprendizagem escolar, é ter um professor bem formado tendo por base as três dimensões: conhecimento, prática e engajamento profissional.

Um novo olhar para a formação inicial

O que encontramos é a evidência de que se a universidade não mudar, as mudanças do Ensino Médio serão pouco eficazes. Precisamos preparar os educadores para a flexibilização do currículo e apoiar o projeto de vida dos alunos.

O Novo Ensino Médio traz a necessidade de uma maior interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento. O professor deve ser colocado em contato com essa ideia desde a universidade, quando da sua formação inicial. Precisamos romper com a fragmentação curricular e o foco na teoria. Os futuros educadores devem focar na prática e ter uma visão sistêmica de tudo que precisarão enfrentar depois da universidade. Afinal, de nada vale que o aluno termine a graduação dominando os conteúdos, mas sem saber como ensiná-los. 

Nesse sentido, uma proposta que ganha força é a maior colaboração entre o Ensino Superior e a Educação Básica. Isto significa a participação de professores que estão no chão da escola contribuindo com a formação prática dos estudantes de Pedagogia e das demais licenciaturas, mediante convênios de cooperação entre as instituições envolvidas. Acredito que está na hora da universidade exercer a humildade, de querer também aprender e não apenas ensinar.

Caberá ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) construir um novo exame de avaliação de egressos destes novos cursos de formação inicial, estruturados em competências e habilidades e que todos os licenciandos devem desenvolver ao longo de sua formação.

Naturalmente, a BNC da Formação Inicial Docente foi construída para toda a Educação Básica, mas começar essa articulação pela sua última etapa, que se configura como porta de entrada para o Ensino Superior e para o mundo trabalho, seria altamente recomendado.

A transição do velho para o Novo Ensino Médio

Essa transição passa necessariamente pela atualização e aperfeiçoamento dos professores que já estão lecionando nesta última etapa da Educação Básica. É preciso prepará-los para trabalhar em equipe na perspectiva de desenvolver o processo ensino e aprendizagem por áreas de conhecimento, incluindo os itinerários formativos que constituem a base do modelo flexível. Para isso, será preciso realizar um forte investimento na formação continuada.

Os professores também devem ser preparados para uma Educação digital, já que o Novo Ensino Médio permite que parte da carga horária seja realizada na modalidade de Educação à Distância (EaD) - 20% para os alunos do diurno e 30% para o noturno. Esse ponto também ganha relevância com o ensino híbrido como o modelo ideal no cenário após a pandemia da covid-19.

Portanto, para colocar em prática a flexibilização, diversificação, interdisciplinaridade e Educação integral, como alguns dos pilares deste Novo Ensino Médio, a formação continuada deve focar no conhecimento pedagógico, no uso de metodologias ativas e no trabalho colaborativo entre pares. E assim como na formação inicial, a continuada se apoia nas mesmas três dimensões: conhecimento, prática e engajamento.

Por fim, espera-se que o MEC, através do Inep, apresente com clareza como será desenhado e aplicado o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para este Novo Ensino Médio - algo que até agora não aconteceu. O Enem e o livro didático são elementos decisivos para que as mudanças na etapa se consolidem na velocidade que as redes e sistemas de ensino exigem. 

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto. Engenheiro químico de formação, possui doutorado e pós-doutorado na área, além de grande trajetória no Ensino Superior. Foi professor, pró-reitor acadêmico e reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atualmente é membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna. Eleito pela Revista Época como uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2008, também foi considerado Educador Internacional do Ano, em 2005, pela IBC Cambridge. Mozart atuou como secretário de Educação de Pernambuco, foi presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e presidente-executivo do Todos Pela Educação. Também é autor dos títulos “Educação brasileira: uma agenda inadiável” e “Educação sustentável”.

 

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