Não é obrigação do MEC
Lula defende fim do programa das escolas cívico-militares: "Não é obrigação do MEC"
Governo suspendeu o Pecim, uma das prioridades do Ministério da Educação na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro
ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não é obrigação do Ministério da Educação (MEC) garantir o ensino cívico-militar nas escolas da rede pública, mas uma educação civil igual a todos. O governo suspendeu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), uma das prioridades da Pasta na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
— Ainda ontem, o Camilo (Santana, ministro do MEC) anunciou o fim do ensino cívico-militar, porque não é obrigação do MEC cuidar disso", disse Lula, durante evento de sanção do programa Mais Médicos nesta sexta-feira (14).
— Se cada Estado quiser criar, que crie, se cada Estado quiser continuar pagando, que continue, mas o MEC tem que garantir educação civil igual para todo e qualquer filho de brasileira ou brasileiro.
A decisão, tomada em conjunto pelos ministérios da Educação e da Defesa, deve ser implementada até o fim do ano letivo, segundo documento enviado aos secretários.
As escolas cívico-militares têm a administração compartilhada entre militares e civis. São diferentes dos colégios militares, mantidos com verbas do Ministério da Defesa ou da Polícia Militar local e com autonomia para montar currículo e estrutura pedagógica.
Criado pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, o programa do Ministério da Educação tem 202 escolas, com aproximadamente 120 mil alunos. As unidades não serão fechadas, mas reintegradas à rede regular de ensino.
💥Não resta dúvida 'Escola militar não funciona!'
💥 Ministro derrubou tese bolsonarista com precisão!
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RS manterá programa estadual de escolas cívico-militares; modelo federal será encerrado de forma progressiva no Estado
Atualmente, 43 instituições gaúchas adotam o formato, sendo 25 vinculadas ao Pecim
ISABELLA SANDER
O governo do Estado informou que recebeu o ofício do Ministério da Educação (MEC) que tratou do encerramento progressivo do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Em nota, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) afirmou que encaminhará a comunicação aos municípios gaúchos – que contam com instituições de ensino com essa metodologia – e “seguirá o cronograma que for repassado por Brasília, por se tratar de iniciativa do governo federal”.
Hoje, o Rio Grande do Sul tem 43 estabelecimentos com esse formato. O documento enviado pelo governo federal diz respeito às escolas que aderiram ao programa nacional, que, entre as gaúchas, são 25. As 18 restantes fazem parte de uma iniciativa semelhante da gestão estadual, que, em vez de usar reservistas das Forças Armadas como monitores, contrata brigadianos aposentados. Conforme a Seduc, esse programa será mantido.
Na circular assinada pela Coordenação-Geral de Ensino Fundamental, o MEC relata que foi deliberado o “progressivo encerramento” do Pecim, e que será iniciada uma desmobilização dos profissionais das Forças Armadas vinculados ao programa, bem como a adoção de medidas que possibilitem a conclusão do ano letivo “dentro da normalidade necessária”. As definições das estratégias para fazer a transição dessas instituições caberão às próprias redes de ensino. A pasta informa, ainda, que a efetivação das próximas medidas depende de regulamentação ainda em tramitação. O anúncio vai ao encontro de expectativas de especialistas em Educação, de que o incentivo acabasse em 2023.
Especialistas explicam o processo
Pesquisadora sobre a militarização da educação e professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Iana Gomes de Lima destaca que o ofício enviado a Estados e municípios não extingue as escolas cívico-militares, uma vez que o Decreto nº 10.004/2019, que institui o Pecim, ainda está vigente.
— É semelhante ao que está sendo feito com o Novo Ensino Médio, por exemplo. Se sinalizou que alguns pontos estão sendo suspensos, mas continua existindo, assim como o Pecim. Obviamente, é muito importante que isso esteja sendo feito pelo governo federal e pode ser que a gente tenha um progressivo encerramento desse modelo, mas, para isso, o decreto precisa ser derrubado — pontua Iana, salientando, ainda, que o formato não abrange práticas de ensino ou pedagógicas, e que, por isso, não haveria prejuízo ao ano letivo se a norma fosse extinta.
A docente diz que uma das preocupações dela e de outros estudiosos que compõem uma rede de pesquisas sobre a militarização na educação, é de que, mesmo com a iniciativa federal sendo gradualmente desmobilizada, se continue implementando a política em níveis estaduais e municipais, onde já tem se visto uma ampliação nos investimentos em modelos como o cívico-militar.
Modelo adotado em níveis estaduais e municipais
Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas anunciou, em redes sociais, que ampliará a oferta do ensino com essa metodologia. No texto, indicou que seu governo editará um decreto para regular seu próprio programa nesse sentido e aumentar o número de unidades de ensino com esse formato. Além de Tarcísio, os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e do Paraná, Ratinho Júnior, disseram que manterão a modalidade.
Ex-vice-presidente do governo Bolsonaro e atual senador pelo RS, Hamilton Mourão (Republicanos-RS) classificou a decisão do MEC como “revanchista” e que causa “destruição” ao “tirar das crianças a oportunidade de construírem um futuro melhor, baseado em uma proposta pedagógica que abarca a formação conteudista junto da formação moral e cívica, gerando melhores cidadãos para o País. Já o ministro da Educação, Camilo Santana, assegurou, nas redes sociais, que não haverá fechamento de unidades de ensino e nem prejuízo a estudantes, e que a “descontinuidade do modelo atenderá a uma política de transição, com acompanhamento e apoio do MEC junto a estados e municípios”.
No Rio Grande do Sul
No governo Eduardo Leite, não há acenos, por enquanto, à expansão da quantidade de escolas com esse modelo. Desde novembro do ano passado, uma decisão judicial de autoria do 39º Núcleo do Cpers impede que novas instituições gaúchas venham a aderir ao Pecim. Apesar de a sentença citar apenas o programa nacional, o entendimento do advogado que moveu a ação, Rogério Coelho, é de que a metodologia em si, seja na esfera federal ou estadual, é impedida pela deliberação. Na próxima terça-feira (18), está marcada uma sessão para que o colegiado julgue a ação civil pública, que já foi considerada procedente em decisão monocrática.
Apesar de não haver sinalizações do governo do RS, movimentações acontecem para que o formato seja mantido nas escolas gaúchas. Autor do projeto de lei que criou o Programa Mais Efetivo, que prevê a presença de monitores cívico-militares nas instituições de ensino públicas, o deputado federal Zucco (Republicanos-RS) defende que o Estado pode assumir a modalidade naqueles estabelecimentos conveniados ao programa nacional.
Em Porto Alegre, a Escola Estadual Visconde do Rio Grande, no bairro Cavalhada, é a única da Capital a se tornar cívico-militar, e está vinculada ao programa nacional. Conforme a diretora da instituição, Ingrid Coutinho, a notícia sobre a descontinuação do Pecim foi recebida com preocupação e ansiedade pela comunidade escolar, que aprova o formato.
— Estou angustiada com isso, porque a minha escola passou por um processo democrático para fazer essa adesão. Foi gente da Seduc conversar com professores e funcionários num sábado. Em outro sábado, eles apresentaram a proposta para a comunidade, e apareceram muitos pais e alunos. Foi feita uma votação. Para colocar o programa foi feito algo democrático e, para tirar, ninguém foi consultado — critica a diretora.
Famílias aguardam novidades
Ingrid relata que o programa gerou bons resultados à instituição de ensino, como a melhoria na aprendizagem e uma maior disciplina entre os estudantes. A organização e a transparência da gestão também são elogiadas pelas famílias, o que levou muitas a entrarem em uma fila de espera por vagas – se, antes de se tornar cívico-militar, a Visconde do Rio Grande tinha 390 alunos, hoje são 740, e há uma lista aguardando para fazer a matrícula. O estabelecimento adotou práticas como o crachá de permissão para ir ao banheiro, a fim de evitar que grupos de adolescentes danifiquem as paredes, e como o momento cívico, no qual são feitas reflexões sobre convivência, respeito e relações interpessoais.
O funcionário público Diego Silva, 43 anos, é pai de dois estudantes da escola – Henrique, 17, e Nicole, 15 – e diz que a metodologia foi uma grata surpresa para ele, que transferiu os filhos para lá no início do ano.
— Meu filho é especial e, no colégio particular onde já estudou, não existia trabalho de inclusão. Aqui, os dois foram muito bem recepcionados. O Henrique foi abraçado por todos os professores, todos se interessaram em como lidar com ele. Os colegas em sala de aula aceitaram o Henrique muito bem. Eu não sei o que aconteceu ali, mas a escola é muito organizada. Todos sabem o que tem que ser feito, até como estudar. Hoje eles não tiveram aula por conta do ciclone, e os professores colocaram tarefas no aplicativo, para eles não ficarem sem estudar. Tanto os alunos quanto os pais estão sempre interagindo com escola. Foi uma surpresa muito boa, de verdade — comenta Diego.
O pai dos adolescentes comenta que pretende fazer um movimento entre os familiares dos estudantes, a fim de evitar que a modalidade seja encerrada na escola. No entanto, evita tirar conclusões precipitadas – espera que novas informações cheguem aos poucos, para que todos entendam como essa mudança aconteceria.