Não há o que comemorar
Não há o que comemorar no dia do servidor público
Pode-se dizer que o Estado é materializado na figura do servidor público. Sem servidor não há Estado. Qualquer mente minimamente instruída sabe que o Estado foi uma grande conquista civilizacional. Antes dele, só existia a barbárie, a lei do mais forte, mundo muito bom para quem era leão, péssimo para quem era cordeiro. Entendo Estado como um instrumento. Seu manuseio é o que determina o quão ele pode ser bom ou ruim. Há o Estado que promove a igualdade social, racial e de gênero. Existe o que está sedimentado no ideal de promover a justiça social por meio de políticas públicas, pelo investimento em áreas essenciais, como saúde, habitação, educação, etc.. É nesse sentido em que digo que a emergência do Estado constituiu-se como um fator civilizatório.
Mas essa conquista civilizacional está para ser destruída. E isso não é surpresa, já que foi anunciado previamente. “Não pense que vim para construir; vim para destruir”, dizia o discurso de campanha vencedor nas últimas eleições presidenciais. O objeto da destruição é, precisamente, o Estado. Eliminar essa entidade significa privatizar, destruir serviços essenciais à imensa população que não tem condição alguma de pagar pela prestação de determinados serviços. Mas destruir o Estado também significa, sobretudo, eliminar a figura do servidor. Uma das maneiras de destruir o Estado é privar de recursos a área que se deseja privatizar. Asfixiada, ela não tem como funcionar adequadamente. O segundo passo, relacionado ao primeiro, é criar uma campanha de difamação pública contra aquele serviço. O que é público passa a ser associado a uma série de coisas negativas, como à corrupção, à ineficiência, ao mau atendimento e às filas de espera pela prestação de serviços. A campanha de difamação envolve também a figura do servidor. Ele é apresentado, pelo discurso difamador, como ineficiente, irresponsável, incompetente e caro, já que é cheio de “privilégios”. Logo, vemos todo mundo falando, por uma boca só, que o “que é público não funciona” e que servidor “é gente que não quer trabalhar”. As pessoas nem se dão conta do quanto esse discurso é mentiroso. Não prestam a atenção aos serviços privados, em sua maioria, muito caros e muito ruins. Observe-se nosso serviço de telefonia, por exemplo, não há nada mais caro e nem tão ruim quanto ele. Entremos num supermercado e veremos que eles se tornaram sinônimos de longas filas; muitas vezes, ainda temos que nos deparar com um funcionário mal humorado. Usemos nosso plano de saúde e logo saberemos que, a despeito de pagarmos valores exorbitantes, não poucas vezes, temos que perder tardes inteiras em consultórios. Conforme nossos problemas de saúde se agravam, podemos ter péssimas surpresas, com o plano se recusando a cobrir determinados serviços. A lista de maus e caros serviços privados aqui no Brasil pode ser infinita.
A campanha difamatória contra o Estado/servidor público ainda aciona a ideia de que o público é corrupto e que o privado é honesto quando, na verdade, o setor privado é o grande corruptor. Uma operação jurídico/midiático/política, a lava a jato, apesar de ela mesma estar envolvida em diversos escândalos de corrupção e de ter contribuído, decisivamente para reforçar o ideário do público corrupto versus privado honesto, revelou que, das muitas empresas envolvidas em corrupção, 13 eram privadas, ao passo em que apenas 4 eram estatais.
“Estado mínimo”, defendem os gigantes grupos econômicos que querem mercantilizar a educação, a saúde, a segurança, a vida das pessoas; aqueles que não querem um Estado regulamentando as relações de trabalho entre uma elite escravista e uma classe trabalhadora extremamente explorada e mal remunerada. “Estado mínimo” para “quebrar os monopólios estatais”, defendem, hipocritamente, esses grupos, ao mesmo tempo em que praticam todo tipo de monopólios e cartéis. Privatização para combater a corrupção, diz o empresário que bancou a campanha política de um gestor público e que determina que vai se apropriar, como “pagamento”, de um setor de prestação de serviços por meio de um processo licitatório fraudulento; os mesmos empresários que bancam campanhas de difamação contra setores públicos que se opõem aos seus interesses criminosos.
Esses discursos são tão eficazes que se tornou comum, hoje em dia, ver funcionários públicos defenderem o fim do Estado. Ao assim procederem, defendem o próprio fim. Se não houver conscientização, esse fim virá, e pode ser lento; uma morte por asfixia, talvez; mas pode ser uma morte mais rápida, se levarmos em consideração o que foi afirmado por um dos sujeitos que desejam implodir o Estado: “Nós já botamos a granada no bolso do inimigo”. Entenda-se por inimigo a figura do servidor público.
Imagem de destaque: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil