Negacionismo e o direito à verdade
O negacionismo e o direito à verdade
25 de junho de 2021
No ano em que celebramos o centenário de Paulo Freire, nascido em 19 de setembro de 1921, vivemos também o luto pela morte de mais de meio milhão de brasileiros e brasileiras vítimas de uma doença para a qual já existe vacina. Vemos também o Brasil voltar ao mapa da fome e mais de 110 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar. Para além disso, assistimos ao crescimento da violência, principalmente contra as pessoas mais pobres, aos negros e negras e à população LGBTQIA+.
Paralelamente, num período em que a nação vive um apagão educacional, com milhões de crianças e adolescentes sem acesso à escola, uma vez que não têm acesso à tecnologia necessária para acompanhar as atividades de ensino remoto, vemos também uma série de projetos no legislativo – nas esferas municipais, estaduais e federal – que, de alguma forma, buscam negar o direito à educação. A situação torna-se mais grave diante dos cortes de verbas públicas destinadas à educação básica, ao ensino superior e ao desenvolvimento de pesquisas científicas. Temos ainda projetos que buscam amordaçar professores e professoras, como, por exemplo, o Projeto Escola Sem Partido. Em nível nacional, vemos também o Movimento Mães do Agro que reivindica que os livros didáticos não apresentem termos considerados – de acordo com a liderança do Movimento – ultrapassados, tais como “latifúndio” e “proletariado”. A defesa do homeschooling, já aprovado em alguns estados e em discussão na Câmara dos Deputados, busca subverter a lógica do direito que todas as crianças e adolescentes têm à escola como espaço de aprendizagem e também como espaço de convivência social. Em diversos municípios brasileiros, vêm sendo apresentadas propostas no sentido de proibir o uso e o ensino de uma linguagem inclusiva e neutra.
Tudo isso é coroado, ainda, por discursos e práticas políticas que buscam negar a ciência e o saber científico. Nega-se a eficácia da vacina e do uso de máscaras contra a COVID-19, nega-se o conhecimento histórico sobre a escravização de pessoas negras no Brasil, nega-se a história e os saberes dos povos originários. Chega-se mesmo a negar que o planeta Terra tenha uma forma arredondada…
Qual a relação entre o negacionismo, o combate ao direito à educação e o genocídio e a violência que vêm sendo vivenciados pelo brasileiro? Em que sentido a memória e a história de Paulo Freire podem contribuir para que possamos enfrentar tão grandes desafios?
Paulo Freire nos deixou um legado de compromisso com o conhecimento emancipador e com a necessidade de que o saber seja contextualizado. Para o patrono da educação brasileira, as palavras geradoras devem ser o ponto de partida para que educandos e educandas possam ler o mundo, antes de ler a palavra em si. Um processo educativo que leve ao compromisso ético de transformação social e defesa da dignidade humana. E o compromisso com uma educação emancipadora pressupõe a rigorosidade nos processos de ensino e de aprendizagem e a vivência democrática do princípio da autoridade – que nada tem a ver com autoritarismo – nas relações entre aqueles e aquelas que educam (e que também são educados e educadas) e seus educandos e educandas.
E é a partir da contribuição de Paulo Freire, a partir da leitura rigorosa e atenta de suas obras, que podemos compreender a estreita relação entre o negacionismo científico, o combate ao direito à educação e o cenário de violência e miséria que se abate sobre o povo brasileiro neste momento tão triste de nossa história.
Uma educação para a emancipação requer dos sujeitos um compromisso com a verdade e com a transformação de uma realidade injusta, requer o compromisso com o combate à desigualdade social, uma vez que possibilita a compreensão dos processos históricos que levaram à construção dessa desigualdade. O conhecimento científico proporcionará a homens e mulheres os argumentos necessários para combater o racismo, por evidenciar a inexistência de raças entre os seres humanos, para combater o machismo, a misoginia, a lgbtfobia por colocar em questão os processos históricos de construção de uma sociedade estruturada no patriarcado. Um processo educativo que supere os limites de uma educação bancária nos levará a questionar todo e qualquer tipo de fanatismo e de verdades absolutas que se busca impor negando a possibilidade do debate.
Compreende-se, pois, a estreita relação entre as políticas econômicas que promovem a concentração de renda e condenam milhões à miséria e ao negacionismo científico. Trata-se de um articulado projeto político: o negacionismo sustenta o apoio às políticas econômicas liberais. A necropolítica – que promove a morte – alimenta-se da negação do conhecimento.
É gigantesco o desafio que temos pela frente! E neste enfrentamento há que se reafirmar a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu artigo XXVI defende o direito à educação. E o legado histórico de Paulo Freire pode ser nosso farol, nosso guia.
Imagem de destaque: Wolfgang Claussen / Pixabay
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