Negacionismo vira palco de desinformação

Negacionismo vira palco de desinformação

Com capitã cloroquina, negacionistas ganham voz e CPI da Covid vira palco para desinformação

Mayra Pinheiro e senador Marcos Rogério fizeram dobradinha para defender o medicamento sem eficácia

Por Dri Delorenzo       25 maio 2021

Foto: Agência Senado

 

Em seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, nesta terça-feira (25), a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, reforçou teses defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Ela defendeu o uso de medicamentos que não têm eficácia comprovada e se posicionou contra o lockdown, medida adotada em diversos países para o combate ao coronavírus.

Não é difícil imaginar que trechos de suas falas logo estarão circulando em grupos de WhatsApp gerando desinformação. O resultado é uma população confusa num momento em que especialistas já alertam a preocupação com uma terceira onda da pandemia no país. A cepa indiana já chegou ao Brasil e há cidades com altas taxas de ocupação em UTI’s. Curitiba, por exemplo, chegou a 100% nos leitos de enfermaria para Covid. No estado de São Paulo, a ocupação de UTI voltou a ficar acima de 80%. E nesta segunda-feira (25), o país alcançou a marca de 450 mil mortos pela doença, o segundo no mundo em número de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos.

Mesmo diante desse quadro, a médica Mayra Pinheiro defendeu o uso da cloroquina no estágio inicial da doença. “A humanidade teve um grande prejuízo de pessoas que poderiam não ter sido hospitalizadas e não terem ido a óbito se a gente não tivesse criminalizado duas medicações antigas, seguras e baratas”, disse a médica Mayra, pediatra, que nunca participou de qualquer estudo de infectologia, como afirmou à CPI. Para ela, há uma perseguição aos médicos que receitam esses medicamentos. Incrível como em nenhum lugar do mundo a cloroquina salvou tantas vidas, será que foi uma perseguição mundial? Afinal, hoje já são 3,5 milhões de mortes no mundo segundo o Worldometers.

“Narrativa homicida, não tome remédio que não tenha prescrição na bula para Covid-19, vai tomar o quê?”, chegou a questionar o senador bolsonarista Marcos Rogério (DEM-RO), esquecendo que existe vacina contra o coronavírus. Vacina, que foi negligenciada pelo governo Bolsonaro. Enquanto o presidente fazia campanha contra imunizantes e o isolamento social, o Ministério da Saúde deixou a Pfizer sem respostas. O Brasil poderia ter recebido 1,5 milhão de doses da vacina em dezembro do ano passado. Quantas vidas foram perdidas?

O senador Marcos Rogério, que na semana passada, durante o depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello, apresentou vídeos do início da pandemia, quando havia estudos em andamento sobre a cloroquina, como se fossem de agora, voltou a dizer que estados de Alagoas, Bahia e São Paulo adotariam o tratamento precoce. No entanto, o senador cita orientações de que o paciente deve procurar atendimento para iniciar o tratamento, como se fosse o uso de cloroquina.

O senador ignora todas as evidências e traz informações de protocolos do início da pandemia para reforçar sua defesa do governo Bolsonaro. Em julho de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) interrompeu todos os estudos com cloroquina porque concluiu que o medicamento “produz pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados, quando comparados ao padrão de atendimento”.

Para o jornalista Kennedy Alencar, “a CPI hoje virou palco para desinformação assassina. São criminosas a intervenção do senador Marcos Rogério e a resposta da Capitã Cloroquina”.

Para o médico infectologista e pesquisador Daniel Dourado, “Mayra Pinheiro acaba de defender cloroquina como tratamento precoce contra Covid e a imunidade de rebanho por contágio. E se manifesta contra lockdown. Está se entregando. É a primeira que está bancando o discurso negacionista abertamente na CPI”.

“Um em cada quatro brasileiros tomou kit covid. Se vivêssemos no mundo de faz de conta onde isso funciona contra a Covid, não seríamos o 2º país em mortes registradas no mundo. Ou o 10º em mortes proporcionais”, afirmou o biólogo Atila Iamarino.

médico e senador Otto Alencar (PSD-BA) também rebateu a médica Mayra Pinheiro, que disse que a hidroxicloroquina tem ação antiviral comprovada desde 2005. “Corrija isso. A hidroxicloroquina é antiparasitário, antiprotozoário, não tem estudo nenhum, a não ser estudo que não tem comprovação pré-clínico e clínico para dizer uma bobagem dessa”.

“Imunidade de rebanho e lockdown”

No começo da sessão, o senador Renan Calheiros apresentou um vídeo de Mayra, de março de 2020, onde ela defendia que só idosos ficassem em casa e criticava “legisladores em um estado de exceção, que criavam pânico na população”, em referência às medidas de distanciamento social. Segundo ela, o lockdown atrapalharia a obtenção da imunidade coletiva, já que a contaminação em massa criaria a tal “imunidade de rebanho”.

Na CPI, Mayra afirmou que se referia apenas às crianças. E se colocou contra a suspensão das aulas. Questionada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), sobre toda a equipe escolar em risco e que as crianças vão voltar para casa, disse que “o lockdown foi adotado de forma inadequada” e que só seria efetivo para fome e miséria, citando a OMS.  

Estudos recentes comprovam a efetividade da medida de isolamento que foi responsável por salvar vidas. Um deles (Hsiang et al), publicado na revista científica Nature, analisou o lockdown em 1,7 mil locais da Ásia, Europa e EUA. “Descobrimos que as políticas anti-contágio reduziram significativa e substancialmente esse crescimento. Algumas políticas têm efeitos diferentes em diferentes populações, mas obtemos evidências consistentes de que os pacotes de políticas que foram implantados para reduzir a taxa de transmissão alcançaram resultados de saúde amplos, benéficos e mensuráveis. Estimamos que, nesses 6 países, as intervenções preveniram ou atrasaram na ordem de 61 milhões de casos confirmados, correspondendo a uma redução de aproximadamente 495 milhões de infecções totais”, dizem os autores.  

fala atribuída à OMS de que David Nabarro, enviado especial da OMS, teria dito que “lockdown não salva vidas e faz os pobres muito mais pobres”, na verdade foi retirada de contexto para gerar desinformação de que a organização seria contra o isolamento. Foi dita pelo presidente Jair Bolsonaro durante uma live e agora pela médica.

Equipe de checagem do Senado, criada pelo relator Renan Calheiros, elencou 11 mentiras da “capitã cloroquina”. Infelizmente elas já devem estar editadas em vídeos nos celulares pelo país, de pessoas que não acreditam mais na imprensa e acham que as mortes são exageradas e não subnotificadas. Resta saber quem irá convencer essa parcela da população do contrário.   

Dri Delorenzo

Jornalista, especializada em Meio Ambiente e Sociedade (FESPSP) e mestre em Comunicação Digital pela UFABC. É editora executiva da Revista Fórum.

https://revistaforum.com.br/politica/negacionistas-ganham-voz-na-cpi-da-covid-e-defendem-o-oposto-de-evidencias-cientificas/

 

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De 'pênis na Fiocruz'; a cloroquina na OMS, as notícias falsas na CPI

Em 4 semanas de depoimentos, a CPI da Covid teve que lidar não só com contradições e versões conflitantes de testemunhas para os mesmos fatos, mas com informações falsas que circulavam pela internet e acabaram encontrando palco na investigação do Senado.

Letícia Mori - Da BBC News Brasil em São Paulo    26/05/2021

Em quatro semanas de depoimentos, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid teve que lidar não só com contradições e versões conflitantes de testemunhas para os mesmos fatos, mas com informações falsas — fake news — que circulavam pela internet e acabaram encontrando palco na investigação do Senado.

As fake news não estiveram presentes apenas nas falas de testemunhas - chegaram a embasar falas e perguntas de alguns senadores.

A presença de informações falsas foi tão marcante que o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse na semana passada que talvez fosse necessário contratar uma agência de checagem de fatos para verificar em tempo real se o que está sendo dito é verdade.

A comissão não chegou a fazer a contratação, mas checagens jornalísticas independentes, como as da Agência Lupa, encontraram informações falsas tanto na fala de testemunhas como o ministro da saúde Marcelo Queiroga quanto na de senadores como Eduardo Girão (Podemos-CE) e Luis Carlos Heinze (PP-RS).

'Pênis' na porta da Fiocruz e aplicativo TratCov

O depoimento da secretária do ministério da Saúde Mayra Pinheiro, na terça (25/05), foi especialmente marcado por uma discussão envolvendo notícias falsas.

Pinheiro, conhecida como 'Capitã Cloroquina' pela sua defesa do uso do medicamento de efeito não comprovado contra a covid, confirmou à CPI que foi realmente ela quem fez um áudio que circulou pelas redes sociais espalhando notícias falsas sobre a Fiocruz.

No áudio, Pinheiro dizia que "tudo deles envolve LGBT" e que "eles têm um pênis na porta da Fiocruz", que "todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara" e as "salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle Vive".

A Fiocruz não tem uma figura de um pênis na entrada nem tapetes nas portas com a imagem de Che Guevara. Também não há envolvimento da fundação em campanhas de apoio a Lula ou sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco.

Questionada pelo senador Randolfe Rodrigues se ainda pensava dessa maneira, Pinheiro afirmou que o áudio era antigo e que "nessa época isso era constatação de fatos".

"Existia um objeto inflável em comemoração a uma campanha na porta da entidade", disse ela.

Uma checagem da Agência Lupa mostrou que pelo menos outras cinco das declarações feitas pela secretária continham informações falsas.

Pinheiro afirmou que o aplicativo TrateCov não foi lançado, e que houve uma "extração indevida de dados por um hacker", que depois ela nomeou como sendo o jornalista Rodrigo Menegat.

Mas o TrateCov foi efetivamente colocado no ar para auxiliar médicos em Manaus, com direito a um programa sobre seu uso na TV Brasil.

Também não houve hackeamento nem extração indevida de dados por parte de Menegat - o jornalista acessou o código da página que estava público, segundo a Agência Lupa, processo que pode ser feito em qualquer site e que não é ilegal.

Pinheiro também citou três notícias falsas sobre a OMS (Organização Mundial de Saúde). Disse que a entidade "retirou a orientação desses medicamentos [cloroquina e hidroxicloroquina] para tratamento da Covid", que indica amamentação por mães soropositivas e que afirmou que o lockdown é responsável pela miséria.

A OMS nunca indicou cloroquina para tratamento de covid-19 e declarou em 2020 que não havia eficácia comprovada do medicamento contra o coronavírus.

A entidade também não indica a amamentação por mães soropositivas em qualquer caso, deixando claro que isso não é seguro. A posição da OMS é que, em locais onde o acesso a recursos é muito restrito e muitas crianças morrem por desnutrição, como em alguns países do continente africano, é preferível que as mães amamentem os bebês nos primeiros seis meses a deixá-los passar fome.

A OMS continua indicando medidas de isolamento social e lockdown para combater a pandemia. E embora reconheça que populações possam ter dificuldades devido à medidas, a entidade afirma que é responsabilidade dos governos cuidar para garantir a segurança alimentar dos mais vulneráveis.

A BBC Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre as afirmações da secretária, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

Eficácia de medidas de isolamento

As medidas de isolamento foram tema de outras afirmações inverídicas na CPI.

Em seu depoimento, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que não existe comprovação científica para eficácia de medidas de isolamento contra a covid, o que é incorreto.

"As medidas de isolamento não são também, da mesma forma que outros medicamentos, outras ações, também não são cientificamente comprovadas", afirmou Pazuello no dia 20 de maio.

Na verdade, diversos estudos já comprovaram a eficácia das medidas. Entre eles, estão um estudo publicado na revista científica The Lancet , feito com dados de 131 países, um estudo na Science e um estudo na International Journal of Infectious Diseases.

STF e a atuação do governo federal

Algumas notícias falsas foram citadas por mais de uma testemunha. Tanto o ex-ministro Pazuello quanto o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disseram que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o governo "não pode intervir nos Estados" para ajudar no combate à pandemia.

"A decisão do STF em abril de 2020 limitou ainda mais a atuação do governo federal nessas ações. Não há possibilidade do Ministério da Saúde interferir na execução das ações dos Estados na saúde sem usurpar as competências dos Estados e municípios", afirmou Pazuello na primeira parte de seu depoimento, em 19 de maio.

Isso não procede. O STF não impediu que o Governo Federal tomasse ações de combate à pandemia ou limitou sua atuação, pelo contrário. A corte confirmou no ano passado que os municípios, Estados e a União têm competência "concorrente" para ações de saúde pública - ou seja, que a responsabilidade pelo combate à covid é dividida pelas diversas instâncias governamentais.

O Supremo também decidiu que os Estados e municípios também podem, tanto quanto o governo federal, decretar medidas de isolamento social, quarentenas e restrições de transporte. O governo Bolsonaro argumentava que somente a União poderia fazê-lo.

Fake News pautando perguntas

Não foram apenas as testemunhas que foram confrontadas com a inveracidade de suas informações.

Alguns senadores membros da CPI também basearam falas e perguntas em notícias falsas.

Ao questionar o executivo da Pfizer Carlos Murillo, o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) afirmou que a informação que tinha "é que a vacinação nos EUA não começou em dezembro".

Rogério questionava Murillo sobre o cronograma de entregas da Pfizer apresentado junto com as propostas de compra, em 2020 — que o governo rejeitou.

No entanto, a informação de que a vacinação nos EUA começou no dia 14 de dezembro de 2020 foi amplamente divulgada na época. Ela começou com vacinas da Pfizer/BioNTech, alguns dias depois de a FDA (agência regulatória americana) aprovar, em 11 de dezembro, uma autorização emergencial para o seu uso.

Rogério também apresentou informações equivocadas quando disse, na terça (25/05), que a cloroquina ainda "faz parte do protocolo de tratamento contra covid dos Estados" e citou, entre outros, São Paulo e Bahia.

O governo do Estado de São Paulo emitiu uma nota afirmando que "nenhum medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19 foi adotado em São Paulo" e que o "senador mente em CPI sobre protocolo de uso de cloroquina em SP" e "manipula informações".

Segundo o governo de São Paulo, a cloroquina é usada para diversas outras doenças (artrite reumatoide, lúpus, artrite idiopática juvenil, dermatomiosite, polimiosite e malária), para as quais há eficácia comprovada, e que a distribuição do remédio é feita para uso contra essas enfermidades, e não para covid.

Em junho do ano passado, a Bahia admitia o uso do medicamento apenas para casos graves, mas disse à Folha de S. Paulo que ignoraram a orientação do Ministério da Saúde para ampliar o uso também para casos leves por falta de comprovação científica.

Em julho de 2020, uma nova portaria da Secretaria da Saúde da Bahia foi publicada deixando claro que não há recomendação do uso de cloroquina contra covid, porque os estudos mostraram que não há eficácia comprovada e pode haver efeitos colaterais adversos.

A BBC News Brasil procurou o senador sobre os episódios, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Combate às fake news

Notícias falsas sobre o coronavírus como as citadas durante a CPI da Covid são abundantes nas redes sociais e no Whatsapp desde o início da pandemia.

Para apurar os possíveis responsáveis por disseminar mentiras no contexto de crise sanitária, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um requerimento para que a CPI das Fake News compartilhe informações com a CPI da Pandemia.

Randolfe citou exemplos de mentiras que precisam ser combatidas, como a notícia falsa de que haveria instalação de "chips" por meio das vacinas e que imunizantes que usam a tecnologia de RNA mensageiro, como a da Pfizer, seriam capazes de "alterar o DNA". Ambas as afirmações são falsas, como mostrado nesta reportagem da BBC.

O senador também solicitou documentos sobre mais de 30 canais de vídeo no YouTube que, durante a instalação da CPI, removeram quase 400 vídeos de fake news sobre a covid-19.

Randolfe afirmou que "canais de apoiadores do bolsonarismo no YouTube têm promovido uma limpa de vídeos sobre tratamento precoce de sua base de vídeos" e citou um levantamento do site Congresso em Foco que identificou que 385 vídeos sobre tratamento precoce saíram do ar entre 14/4 e 6/5.

 

https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/bbc/2021/05/26/interna_internacional,1270335/de-penis-na-fiocruz-a-cloroquina-na-oms-as-noticias-falsas-na-cpi.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=escolha_editor_20210526&utm_content=pos1&utm_term=noticia-internacional&utm_email=e24c463bc81d808a4c558c478ebc507b 




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