Nem elogios e nem heroísmo
Nem elogios e nem heroísmo: reconhecimento aos professores e professoras
Estamos em outubro, mês dedicado aos professores e professoras. Parece que 2020 não permite comemorações que não Celebração da Vida, tão ameaçada pela Pandemia que assola gravemente nosso país e o mundo. Estarmos vivos e promovendo a vida é parte da nossa dimensão humanizante de professores e professoras.
Celebrar a vida dos professores e professoras parece ponto central deste Outubro Educador. Celebrar as vidas que foram preservadas a partir do isolamento físico e social, com a contribuição das aulas remotas, bravamente elaboradas pelos professores e professoras, sim.
Cuidar da dignidade da profissão docente, alertar para a pressão desmedida exercida pelos gestores educacionais sobre os professores e professoras, denunciar as medidas que são tomadas em prejuízo da carreira e dos direitos, isto sim, deve ser o foco das organizações sindicais que representam esta tão importante profissão.
Conversamos com dois professores da rede municipal de Passo Fundo, também dirigentes do CMP Sindicato (Sindicato dos professores municipais de Passo Fundo) no intuito de contribuirmos com a reflexão e celebração da vida dos professores e professoras neste Outubro Educador.
Professor Eduardo Albuquerque e professora Débora de Araújo Soares.
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SITE NEIPIES: Comecemos nossa conversa com este ponto. Como celebrar e o que celebrar neste Outubro Educador?
Professor Eduardo Albuquerque: Nós temos sempre o que celebrar. O Magistério brasileiro é único, pois mesmo que historicamente maltratado, ele mostra capacidade de resiliência e consegue se superar e, mesmo com as precariedades estruturais, oferecer um trabalho de qualidade e de muita dedicação e compromisso. Compare com outras categorias com muito mais estrutura e condições salariais e diga se estou errado.
Professora Débora de Araújo Soares: Celebrar a vida, num contexto desolador como o que temos vivido nos últimos meses. Celebrar a força e a perseverança que nos fizeram passar por esse período tão desafiador buscando novos conhecimentos, aprendendo e ensinando com os recursos disponíveis, sem perder de vista nosso compromisso com os educandos. Celebraremos este Outubro Educador mantendo a união e a luta que sempre fizeram parte da classe do magistério, e que hoje, mais do que nunca, é fundamental para reafirmarmos nosso papel fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e mais humana.
SITE NEIPIES: A pandemia colocou em xeque toda a organização da sociedade, também da educação. Qual é o papel que professores e professoras vem exercendo, não importando os contextos? O que não muda na função e papel do professor?
Professora Débora de Araújo Soares: Diante de tantas mudanças e desafios vivenciados este ano, parece que ficou evidente a importância do papel do professor na sociedade, especificamente na formação das crianças e jovens. Quando as escolas fecharam e as famílias se viram com a difícil tarefar de auxiliar seus filhos na execução das tarefas escolares, muitos foram os relatos sobre as dificuldades encontradas. Por outro lado, os docentes também enfrentaram imensos desafios no encontro com as novas tecnologias e no planejamento de aulas remotas, até mesmo para crianças da Educação Infantil. A plataforma e a metodologia mudaram, mas o que não mudou foi o compromisso do educador com a formação dos seres humanos que lhe foram confiados. A busca pela forma mais adequada de interação com os alunos, mesmo que não seja a ideal, também esteve presente nesse conturbado período que temos vivido.
Professor Eduardo Albuquerque: A pandemia colocou em xeque muitas coisas e uma delas foi o velho, anacrônico e carcomido sistema educacional brasileiro. Um sistema fracassado que, mesmo em uma pandemia sem precedentes, continua a se preocupar em avaliar, em excluir, em medir números e não em educar.
Parece que a pandemia não serviu para aqueles que pensam educação repensar porque fracassamos na educação e tentar algo novo. Os professores foram responsáveis por manter o único elo dos alunos com a educação. Foi seu esforço que não permitiu que tivéssemos um desastre total para toda uma geração. O que não muda no papel do professor é a sua centralidade e importância compartilhada com o aluno. A pandemia colocou em xeque teorias obscuras como homeschooling e outras que sempre depreciaram o papel do professor. Ele volta fortalecido enquanto autoestima.
SITE NEIPIES: Vínhamos sofrendo, recentemente, ataques duros e questionamentos de nossa função na escola por parte da sociedade brasileira. Com o advento da Pandemia, que resultou na suspensão física das aulas, fortalece-se a importância da nossa profissão?
Professor Eduardo Albuquerque: Como disse, sim. A pandemia tratou de acabar com teorias de caráter obscuro e cerceadores do papel do professor que vinha tomando corpo na sociedade. Teorias estas patrocinadas por grupos extremistas que servem a determinados interesses econômicos e que vinham atacando o papel da escola e dos professores, com discursos falaciosos e ambíguos tais como escola ensina família educa. Mais do que nunca, as famílias precisam e precisarão de que a escola também eduque, como sempre fez e como está na própria constituição.
Professora Débora de Araújo Soares: Penso que a função do educador é imprescindível, e isso ficou claro nesse período de pandemia. Ainda assim, os ataques não cessaram, tendo até aumentado em alguns casos. Como servidora pública, vivencio constantemente ataques ao serviço público, algo potencializado pelo uso equivocado das redes sociais. A grande polarização política e a disseminação em massa das chamadas fake news contribuíram para que sofrêssemos duros ataques por parte da sociedade, que vê o servidor público como uma pessoa privilegiada. No caso do magistério, em especial durante a pandemia, ouvimos inúmeras atrocidades, como a ideia de que os professores não querem voltar a “dar aula”, pois estão ganhando sem trabalhar, dentre outras.
SITE NEIPIES: A sociedade sabe que foram e são os professores e professoras que estão garantindo as aulas remotas durante a pandemia? E que, quando voltarem as aulas, as escolas públicas estarão na mesma (pouca estrutura, sem internet, sem recursos humanos para o pleno atendimento)?
Professora Débora de Araújo Soares: Parte da sociedade, essa parcela da população que dá crédito a falas tendenciosas que retratam o professor como um profissional acomodado, parece não perceber que a categoria do magistério está garantindo as aulas durante a pandemia. São esses trabalhadores, que tiveram que se reinventar para continuar dando aula, usando os seus próprios recursos para planejar aulas num contexto remoto, que tornaram possível o seguimento do ano letivo.
As pessoas que criticam os docentes, na maioria das vezes, não conhecem o chão da escola, não têm ideia da estrutura precária das escolas públicas e das enormes dificuldades enfrentadas diariamente. Essas condições ditarão o futuro tanto dos profissionais quanto dos alunos, em caso de retorno às aulas presenciais. As escolas que rotineiramente não contam com materiais e suprimentos básicos para seu funcionamento, certamente não disponibilizarão os EPIs necessários para o trabalho seguro. Isso sem falar na falta de recursos humanos, que já prejudica o ensino em época de normalidade, que será crescente devido ao afastamento dos profissionais doentes ou em grupos de risco.
Professor Eduardo Albuquerque: Parece que isso é evidente. Se alguém está garantido algum vestígio de educação nestes tempos terríveis, este alguém é o professor. Porém, talvez não tenham tanta clareza que vivemos hoje um momento trágico na educação.
O projeto de educação para o Brasil é inexistente. O governo Bolsonaro será conhecido como o grande desastre para educação na história, pois não tem a mínima preocupação com educação básica de qualidade. Ele consegue ser pior que todos os outros governos que já passaram no Brasil.
Aqui no estado não é diferente. O governo estadual demonstra apreço nenhum por educação pública e por vezes se porta de uma forma quase patológica principalmente quando não hesita em colocar toda a sociedade em risco, ao retornar com aulas presenciais em um contexto ainda complexo sob o ponto de vista pandêmico. Mas, é bom que se diga que ambos,
Bolsonaro e Leite, foram muito claros com relação a este tema. Só não entendeu quem não quis entender.
SITE NEIPIES: Onde está a maior força e onde está a maior fragilidade dos professores e professoras?
Professor Eduardo Albuquerque: Sem dúvida alguma, a nossa maior força e nossa maior fragilidade estão na nossa capacidade de superar obstáculos, na nossa resiliência. Somos capazes de coisas incríveis, mesmo sendo mal tratados sistematicamente, governo após governo. Mesmo sendo uma qualidade positiva e inegável, esta nossa característica tem sido nosso ponto franco, pois confundimos resiliência com aceitação e, por vezes, conformismo. O professor tem que se dar conta do quanto é forte, do quanto é importante e o quanto é decisivo para a melhoria da sociedade.
SITE NEIPIES: Professor: profissão. Educador: nossa missão. É necessário diferenciar?
Professor Eduardo Albuquerque: Não vejo como necessária e vejo que isso tem sido um problema histórico pois tem a ver como nasce a profissão do professor no Brasil.
Quando falamos em missão somos remetidos a ideias equivocadas no que tange a etimologia da palavra missão: a missão enquanto cunho religioso, a missão enquanto objetivo empresarial, a missão como doação sem a devida recompensa, enfim, há nada de positivo em continuarmos com este discurso de missão.
O professor é um sujeito que estuda muito, que investe muito, que treina muito para um dia ficar na frente de um grupo de alunos. Ninguém é professor porque nasce com este “talento” e também não somos ungidos pelos deuses ou pela natureza para tal atividade.
O bom professor é fruto, de estudo, treinamento, prática, atualização, mais estudo, mais treinamento, mais prática, mais atualização. Não viemos ao mundo cumprir missão alguma. Somos professores porque, em dado momento, optamos por esta profissão e a partir disso nos preparamos para tal. Lembra daquela história do profissional de notório saber? Pois é. Esta ideia de “missão” resulta nisso.
SITE NEIPIES: Por que professores e professoras não precisam de elogios e nem de atitudes heróicas, mas precisam de reconhecimento (em todas as dimensões)?
Professor Eduardo Albuquerque: Porque somos profissionais e dispendemos muito tempo e dinheiro na nossa formação inicial e continuada e porque no final do mês tem a conta da luz, da água, do aluguel. Elogios são bem vindos. O problema é que nos últimos 60 anos só recebemos elogios e eles tem sido usado por governos de os matizes para nos convencer de que temos uma “missão” a cumprir. Reconhecimento é o que mais temos e mais ouvimos, mas que não se concretizam na prática. Determinadas profissões não tem a metade dos discursos elogiosos, mas são altamente prestigiadas na prática. O magistério brasileiro precisa justamente deste reconhecimento prático.
Professora Débora de Araújo Soares: Mais que elogios, o reconhecimento é o maior presente que os professores poderiam ganhar. O discurso é bonito na data que comemora o seu dia, assim como na promessa do político em véspera de eleição. O que precisamos é de condições dignas de trabalho, de respeito aos nossos direitos, de tranquilidade para trabalhar sem ter de se defender de ataques, provar seu valor ou se preocupar com a supressão de direitos já adquiridos. Precisamos de reconhecimento sobre o papel fundamental que desempenhamos na formação e no desenvolvimento de seres humanos.
SITE NEIPIES: Que mensagem deixar aos professores e professoras neste Outubro Educador?
Professor Eduardo Albuquerque: Reconheça-se como sujeito principal no progresso de uma nação. Reconheça-se como pertencente a classe trabalhadora e não a uma elite. Somos parte de uma classe média e como tal somos trabalhadores. Classe média vive do seu trabalho.
Colega professor ou professora, preste atenção na política, nas eleições, nos movimentos da sociedade. Não fique a deriva e a mercê de interesses obscuros. Trate sua profissão com carinho. Aperfeiçoe-se mesmo com todas as dificuldades impostas por governos que governam para meia dúzia de banqueiros e empresários.
Junte-se ao seu Sindicato, mesmo que você discorde dele. Imponha-se diante da sociedade e ande sempre de cabeça erguida. Não dependa de políticos oportunistas e de favores e lembre-se que você está trabalhando em algum lugar é porque ou você foi contratado ou passou em um concurso pelo seu mérito e qualidade profissional e não deve favor algum a quem quer que seja.
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