Nem Mandela
Novo ensino brasileiro não aceita nem Mandela
Por Gilvandro Filho, do Jornalistas pela Democracia
A notícia publicada esta semana no G1 é de estarrecer. Em Brasília, uma escola pública do Centro educacional 1, na Estrutural, foi obrigada a retirar um painel com a pintura do rosto do líder sul-africano Nelson Mandela e apagar frases pintadas por alunos e artistas voluntários. A ordem – a matéria fala em “pedido” – partiu da Polícia Militar do DF, que será a gestora da escola a partir deste ano.
Tinta branca é o que vê, agora, no local onde estava o painel. E na parte externa do muro, onde crianças com necessidades especiais faziam pintura livre, sobre o branco está escrito o nome dos novos donos do pedaço, em letras de tamanho a não deixar dúvidas: Colégio da Polícia Militar do Distrito Federal.
Em Brasília, já são três unidades de ensino que passam pelo mesmo enquadramento militar. De Ceilândia, do Recanto das Emas e de Sobradinho. A previsão é de que o mesmo aconteça em mais 36 escolas do DF. Segundo a matéria, o governo do distrito Federal (GDF) justifica a adoção do regime militar nas escolas por estarem em áreas de alto risco de violência e baixo desempenho escolar.
Para resolver esses dois problemas, nada melhor, apostam os “gestores”, que começar eliminando exemplos “perigosos” como o de Mandela, das paredes das escolas. Afinal, ali estavam frases como “Educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. Em um país cuja primeira ação do novo governo foi liberar a venda de quatro armas de fogo para habitante “habilitado” (75% da população), uma coisa dessas chega a ter ares de deboche.
O que acontece nas escolas de Brasília é uma situação emblemática de para onde caminha o ensino no governo atual. É o Ministério da Educação e Cultura sob gestão do bolsonarismo e do olavismo. O titular do MEC, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, é uma figura emblemática do governo Bolsonaro. Foi indicado pelo teórico do grupo político, o “filósofo” Olavo de Carvalho, seu mentor e mestre.
O titular do MEC encarna, como poucos, a nova cara que se pretende dar ao ensino no país: Escola Sem Partido, mas com ideologia de extrema-direita; nenhuma chance ao pensamento crítico e à reflexão; substituição imediata das referências, como Paulo Freire, por figuras bisonhas como o próprio Olavo ou torturadores do antigo regime militar.
Com um currículo extenso formados por uma gama de obras e livros desconhecidos, Vélez Rodrigues é protagonista de tiradas intelectualmente bizarras que têm deixado a imagem do Brasil no chão diante da comunidade internacional. Já acusou os brasileiros de canibais e ladrões de hotéis; citou, sem fundamento, o compositor Cazuza como exemplo de incivilade; puxou briga com a atriz e diretora do filme “Carlota Joaquina”, Carla Camuratti, que, claro, nem deu ouvidos; expeliu teses como a que classifica faculdade como coisa só para ricos e a doutrinação ideológica para crianças como o cerne do problema educacional no País. Seu preparo técnico é questionado até mesmo dentro do governo.
Nos programas de TV transmitidos pelo Youtube e nos cursos de filosofia online que ministra, o escritor e guru Olavo de Carvalho sempre defende a a eliminação do “marxismo cultural”, segundo ele, implantado pela esquerda, sobretudo na mídia e na educação do País. Uma das primeiras medidas que ele orienta é justamente atacar a memória e o imaginário popular, dizimando referências “comunistas”.
Um prato cheio para Bolsonaro e seus filhos e adeptos, que tem como modelo de cidadãos figuras como o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, único militar brasileiro até hoje condenado por tortura e cuja marca de sadismo era torturar presas políticas na presença dos filhos pequenos da vítima. “Verdade sufocada”, de sua autoria, é o livro de cabeceira do presidente e já foi sugerido por militares e parlamentares aliados para ser adotado no ensino público. Junto com a volta do ensino de Moral e Cívica, outra bandeira clássica do ministro Vélez Rodríguez.
Estamos indo bem...
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Frase do ex-presidente da África do Sul também foi coberta com tinta branca e direção alega que medida foi uma solicitação da Polícia Militar