NEM, o senso crítico tolhido

NEM, o senso crítico tolhido

Novo Ensino Médio em SP: o senso crítico tolhido

Primeiro estado a adotar a reforma curricular reduz drasticamente as aulas de Artes, Filosofia e Sociologia. Nega a formação crítica. Prejudicará alunos no vestibular e Enem. Ideário neoliberal infiltrou-se na Educação. Como barrá-lo?

por   12/12/2023

 

 

Imagem publicada no site Viomundo

 

Ato primeiro do governo empossado após a reviravolta política que marcou o fim da Nova República e o recente desmonte da nossa rede de proteção social, a Reforma do Ensino Médio, promovida por Michel Temer via Medida Provisória, veio cercada de incógnitas. Desde o início, sabia-se que seu objetivo era conformar o ensino básico às regras do mercado e aos ditames do Capital. De todo modo, até sua implementação, que começou em 2020, pouco era possível afirmar antes das adequações curriculares que as redes de ensino fariam dali em diante.

Pioneira na implantação do novo modelo, a Seduc de São Paulo publicou, no último dia 17 de novembro, as matrizes curriculares dos ensinos Médio e Fundamental II que vigorarão no ano de 2024. No que toca ao Ensino Médio, surpreendendo a todos, o texto promove uma redução drástica no oferecimento das aulas de Artes, Filosofia e Sociologia ao longo dos três anos de curso. No caso da última, a situação é a ainda mais crítica, uma vez que o conteúdo de formação geral fica reduzido a apenas duas aulas semanais no 2º Ano e, diferente das demais, ela não é sequer contemplada como itinerário formativo de aprofundamento.

Um currículo firma projetos ideológicos e este que foi apresentado vem sem caráter oculto e sem disfarces. Ele é completamente identificado com o ideário neoliberal que defende ser a escola um mero mecanismo que antecede a profissionalização. O novo currículo abre mão da formação para a cidadania e fica restrito apenas à formação para o mundo do trabalho, num claro desrespeito à LDB.

A operação visa retirar da grade de ensino matérias que estimulam o senso crítico dos estudantes, colocando em seus lugares Educação Financeira (duas aulas semanais por turma), Liderança (duas aulas no 2º e duas no 3ºAno), além de manter o Projeto de Vida (uma aula por turma). Em conjunto, tais conteúdo institucionalizam saberes tidos pelo mercado como capital humano e oficializam a lógica neoliberal no ensino público da maior das redes estaduais de ensino básico do Brasil.

Mudanças curriculares desta ordem são próprias de momentos históricos e regimes políticos onde a alienação, a apatia e o pensamento único se tornam objetivos governamentais. A última vez que a educação brasileira passou por tal cerceamento do pensamento crítico no âmbito escolar foi durante a ditadura civil-militar, quando Sociologia e Filosofia foram retiradas da grade escolar em favor da Educação Moral e Cívica. Como a “ditadura” hoje é do capital financeiro, não fica difícil entender a razão da troca das referidas disciplinas por outras ideologicamente identificadas o neoliberalismo.

Ao tratar como obsoletos saberes historicamente acumulados e consolidados, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) nega aos estudantes da rede estadual uma parcela significativa dos conhecimentos necessários para entender melhor as configurações sociais do país, além de prejudicar sensivelmente aqueles que pretendem prestar vestibulares e o Enem. O abismo entre escola pública e privada também tende a crescer, uma vez que as redes particulares continuam contemplando tais disciplinas em suas grades curriculares. Isso tudo para não falar dos docentes das matérias retiradas que dificilmente completarão suas cargas em uma única escola, o que precariza e desgasta ainda mais o dia a dia da categoria.

A lógica utilitarista é incorporada completamente ao currículo, ao passo que cada estudante se vê tolhido em seu direito de aprimorar sua atitude crítica, a imaginação sociológica e o senso estético. Medidas desta ordem revelam o quão falacioso é o discurso dos movimentos que afirmam existir alguma espécie de doutrinação ideológica de esquerda na educação básica do país. Que a mudança seja promovida por aqueles que há pouco repetiam tal cantilena não chega a surpreender, pois os bolsonarismo já provou que não cora ao sequestrar em seu benefício nossas instituições republicanas.

Embora impacte decisivamente nas vidas dos docentes e na formação dos jovens, a medida ainda carece de uma análise mais aprofundada e crítica na grande mídia. Por ora, apenas algumas associações de professores de Filosofia e Sociologia se manifestaram publicamente. Intervindo no currículo e não no cotidiano escolar, tal como a tentativa de reorganização escolar de 2015, a Seduc claramente se antecipa a uma reação estudantil, uma vez que anunciou a mudança às vésperas das férias escolares.

As previsões mais sombrias a respeito do Novo Ensino Médio, ainda em 2017, já alertavam para a possibilidade de aparelhamento das instituições escolares e educacionais por governantes integralmente identificados com os princípios neoliberais. A negativa do governo federal em revogar a Reforma do Ensino Médio, apesar da ampla mobilização de estudantes, pesquisadores e professores, corrobora com este tipo de medida discricionária, unilateral e antipedagógica. As consequências logo serão sentidas por todos e a Seduc paulista deixa cada vez mais clara que tipo de subjetividade quer desenvolver em nossos jovens.

O cenário que se forma em São Paulo, e que deve servir de referência para as demais redes estaduais, é caracterizado pela incompetência técnica e condução ideológica da pasta da Educação. A parceria entre o governador Tarcísio e o secretário Renato Feder tem sido marcada por experimentalismos, confusões e medidas autoritárias. Num claro movimento de ataque, realizado no apagar das luzes do ano letivo, a Seduc promove uma sabotagem pedagógica que tem absolutamente tudo para ser questionada ao longo de 2024. Acompanhemos com bastante atenção, pois os estudantes logo perceberão o tipo de ensino que Fundações, empresários e governantes alinhados a tais grupos lhes reservam neste período de evidente hegemonia de direita no Brasil.

FONTE:

https://outraspalavras.net/direitosouprivilegios/novo-ensino-medio-em-sp-o-senso-critico-tolhido/ 




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