Nem toda Luana que reluz

Nem toda Luana que reluz

Nem toda Luana que reluz é ouro

Por Peterson Pacheco, cientista social.

 

Não gosto do papel de estraga-festa.

Mas, da mesma forma que escrevi me posicionando com cautela diante de um estranho encantamento com Henrique Mandetta, hoje, sou forçado a assumir uma função de contrapeso em relação ao recente encantamento com a cientista Luana Araújo.

Mandetta é médico e tem alguma inteligência. O suficiente para notar que é inviável seguir a nau fascista do presente. Mas o ex-ministro sempre foi notório crítico do SUS na sua forma ampla, pública e gratuita. Nem entro nos meandros das mil e uma arestas com a lei acumuladas por Mandetta. Com isso, no caso dele, fiquei bem incomodado quando o indivíduo foi alçado ao posto de baliza de oposição à catástrofe que nos assola.

Nada disso. Mandetta é parte desse caos terrivel. Político profissional, sempre esteve na linha de frente da construção das pontes que nos trouxeram até aqui. Mas isso foi ontem. Hoje o caso é com Luana Araújo. Talvez mais bem preparada que Mandetta, mas, do ponto de vista da posição política, navega nas mesmas embarcações daquele ex-ministro.

Luana apagou todas as suas redes sociais e substitui por um blog sobre ciência.

Jefferson Rudy/Agência Senado

Ocorre que a leitura dos depoimentos de professores e pesquisadores muito sérios explicam o motivo. Diferente do blog atual, centrado na divulgação científica, as redes sociais de Luana eram repositório do pensamento conservador. Inclusive, nessas defuntas redes sociais, jaz regozijos em função do golpe contra Dilma Rousseff e a posição em favor do candidato Bolsonaro.

Luana é tão ativa, do ponto de vista político, quanto Mandetta. Mas Luana tem o mesmo estômago do privatista e bolsonarista Nelson Teich. Quem não se lembra do vídeo em que Salles baba numa reunião a sanha indigesta do fascismo bolsonarista? Quem se esquece da cara de espanto-nojo do então ministro da saúde? Não tardou, o indivíduo pulou da nau miliciana, necrofágica e petencostal.

Luana, hoje, fez a mesma cara. Foi quando Randolfe expôs o candidato apiado pela médica dizendo as idiossincrasias de sempre. Sempre disse, é verdade. Mas, há bolsonaristas (de carona) que não paravam pra pensar nisso. Mas, alguns, como são os casos de Mandetta, Teich e Luana, não tem/tiveram a opção de fingir demência. A torpeza da trupe fascista lhes espanca a face. Faces branquinhas, saem sempre ruborizadas e enauseadas.

Mas, a náusea de hoje não redime a posição de ontem. E, vale repisar, ontem todos riam e, nalguma medida, destilavam seus ódios. Cada um deles tinha os seus preferidos. A médica Luana parece que era especialmente convencida de que o esquerdismo era o mal maior do pais. Isso estava vivo nas, agora mortas, redes sociais da cientista.

Mas, então, se a médica apagou o passado, sobrou algum vestígio?

SIM, sobrou.

A oposição acrítica de Luana sobre a ciência. Quantas vezes aplaudi hoje as suas defesas sobre a centralidade do método científico? Inúmeras. Quantas vezes achei estranhíssimo a cientista dizendo que a ciência não tem lado? Todas.

A moça é cientista brilhante, ponto. Mas defendeu que a Ciência e a Política não se conversam. Nem na ciência de base é assim, muito menos na ciência da saúde pública.

Ocorre que ela mesma é resultado das imbricações entre ciência e política. Ela nunca trabalhou com o atual ministro, não era das suas relações pessoais. Mas esse atual ministro, que assumiu muito consciente do seu papel político a frente do M.S., não exitou indicar Luana.

Ela, a indicada, sabe que as redes que a levaram até a indicação ao cargo no M.S. são intrinsicamente políticas. Só isso deveria fazer a médica refletir sobre sua posição de que a Ciência é algo que não se imiscui com a Política. Ciência e Política são vetores indissociados da produção do conhecimento. Vou assumir a premissa que meus leitores não precisem que eu aprofunde isso. Meus alunos tem obrigação de saber.

Luana foi conservadora, simpática até ao novo governo. Mas, parece, não vai tão longe quanto o centro desse campo político. Luana segue conservadora. Isso fica claro na defesa que ela faz sobre o que é ciência.

Também, mais um forte sinal, Luana dedicou ao atual ministro da saúde total confiança e apoio. Mas, bem sabemos, o atual ministro nada mais é do que uma espécie de versão menos tosca e mais tecnicamente adestrada do general ignóbil que o antecedeu.

Luana é um quadro de valor. Do ponto de vista da atualização acadêmica, melhor do que Mandetta, Teich, Capitã Cloroquina e Nise cloroquiner. Mas Luana não é o apanágio da defesa da saúde pública. Passa desapercebido, mas em dois momentos eu escutava a TV e ficava de orelhas em pé ao ouvir de Luana que o SUS tem problemas de eficiência e de dispersão no financiamento.

Não pareceu que os problemas de ineficiência e financiamento referidos no depoimento fossem consequência do assalto e do compadrio por que tanto sangra o SUS. Luana Araújo foi uma gigante na CPI. Enfrentou com rara capacidade técnica os bolsonaristas. Eu que sempre trabalhei com metodologia nas salas de aula me senti representado pela acadêmica.

Mas... calma... Luana Araújo é uma valiosa aliada conjuntural, não quer dizer que ela navega nas águas da emancipação dos vulneráveis, da proteção integral das pessoas, nas águas onde a iniquidade é uma patologia a ser combatida pela saúde pública. Assim como o encanto por Mandetta mereceu algum toque de realidade, o encantamento por Luana Araújo também precisa ser mediado por uma colher de café de práxis.




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