É vergonhosa a maneira como nossos professores têm sido tratados pelo governo estadual. Não basta terem o menor piso salarial do país (justo aqui, no Estado que se orgulha de seu alto nível cultural e intelectual), não basta estarem há quase 50 meses recebendo atrasado ou parcelado, eles agora veem suas carreiras ameaçadas pelo pacote de reformas do Eduardo Leite. O que o governo quer é que, depois de dedicar a vida à educação, o professor que chegue no alto da carreira receba R$ 3.887,30. Menos de quatro mil reais por mês, caso o professor tenha feito mestrado e doutorado e dedicado a maior parte da sua vida a dar aulas.

Parte dos nossos atuais governantes considera que esse é um salário justo e digno para professores, uma vez que 80% da população brasileira ganha menos de R$ 2 mil por mês. Que argumento esdrúxulo, hein? Isso não significa que são privilegiados os que ganham mais de R$ 2 mil: significa que tem um mar de gente ganhando pouco, mas muito pouco mesmo neste país.

Agora imagine o professor. Estou falando sério: imagine mesmo o professor estadual. Imagine que você tem um dos empregos mais exaustivos do mundo, de maior responsabilidade do mundo, que você fez mestrado, doutorado, assumiu cargos de chefia, e então um dia você chega ao ápice, e no ápice recebe menos de R$ 4 mil ao mês. Agora imagine que você tem seus próprios filhos, que seus pais estão idosos e precisam de cuidados, que seu irmão é motorista por aplicativo sem nenhum direito trabalhista e sofre um acidente e você precisa sustentá-lo durante a recuperação. Ok, não precisa imaginar tanto, já deu para entender o sufoco. Quatro mil reais é o que outras famílias mais abastadas gastam para manter duas crianças numa escola particular.

Na Finlândia, o exemplo supremo quando se fala de reforma educacional, o caminho para melhorar o ensino foi acabar com as escolas privadas. Hoje, 98% das escolas são públicas, e o filho do dono da multinacional é colega do filho do porteiro da multinacional. Mesmo as escolas privadas são financiadas com dinheiro público e proibidas de cobrar mensalidade (elas existem apenas porque oferecem ensino religioso ou de outro segmento). A educação lá não é mercadoria nem pode gerar lucro. Uma informação nada chocante: os professores recebem bons salários.

Não sou louca de sugerir um sistema inteiramente público para o Brasil porque eu não teria tempo de responder todas as mensagens raivosas que me chegariam, mas não custa lembrar que escola pública de qualidade é bom para todo mundo, inclusive para os alunos da escola privada. A escola pública é o parâmetro ao qual se comparam as particulares, e, quanto melhor forem as públicas, mais as particulares precisam se esforçar para serem atraentes. Mas estamos longe, muito longe da Finlândia. Enquanto os professores de lá têm autonomia e dignidade, os nossos professores estão pedindo empréstimo no Banrisul e sendo expulsos do Palácio Piratini a pauladas.

 

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