No país do fim do mundo
Este é um texto didático de História.
Jair Bolsonaro discursou para milhares de pessoas ontem, 25 de junho, em Balneário Camboriu, durante a "Marcha para Jesus". Foi mais um espetáculo deprimente de toda esta completa idiotice que está nos sufocando. Seguido por centenas de fanáticos, ía na frente o atual presidente, liderando alguns mais exaltados que, gritavam "Mito", pediam intervenção militar e repetiam o intraduzível dialeto ida primeira dama, que alega entrar em transe e falar com propriedade a língua dos anjos.
Havia dentre esta farta tropa, também, defensores da Terra plana, localizadores de pirâmides na Amazônia, os que queriam o voto impresso e um grupo suigeneris, que defendia a compra de fuzis. Imagens de fuzis em cartazes saldavam as falas do atual presidente, que pedia, sem nenhum remorso, que os presentes se armassem para evitar uma derrota nas eleições.
Não é só no Brasil, porém, que líderes evangélicos e políticos extremistas vão às ruas pedindo pena de morte e o direito de portar armas. Esta moda, é bom que se lembre, começou entre as seitas neopentecostais norte-americanas radicadas no Sul dos Estados Unidos. Sobretudo lá, entre os pântanos e as plantações de algodão, onde portar armas é tão natural quanto tomar chá, estas seitas se proliferaram rapidamente, baseadas no discurso da "Democracia rural" e na independência financeira dos Yeomen.
Durante a Guerra Fria, estas seitas chegaram à América do Sul com apoio da CIA. A Agência de espionagem norte-americana, pagava as passagens dos missionários, financiava a construção de sedes e obras de caridade, e potencializava a propaganda ideologica dos líderes religiosos. Na esteira destas muitas seitas que aqui fincavam suas garras, viria futuramente um pastor chamado Jim Jones, perseguido nos Estados Unidos por sonegação fiscal.
Era preciso, segundo a visão de Washington, no auge da Guerra Fria, combater as ideias do Concílio independente de Medelin, que em 1968, aprovou que a Igreja Católica nas Américas deveria combater as Ditaduras, os desrespeitos aos Direitos Humanos, o aumento da fome e fazer "uma opção pelos pobres". Segundo relatórios do governo dos Estados Unidos, "indivíduos comunistas estavam infiltrados na Igreja Católica" e sua ação junto às camadas mais pobres fortaleciam a ideia de socialismo, e a aproximação com o mundo Soviético.
Obviamente o irresponsável atual presidente não conhece esta história. Ele, e a imensa maioria dos seus seguidores, não tem grande alcance sobre temas sociológicos. Jair foi adestrado na AMAN, sob o discurso repetitivo de infiltração comunista, mas nunca teve nenhuma capacidade intelectual de ler sobre o assunto.
Empurrado para o batalhão de paraquedistas, ele próprio admitiu, em 2018, que nunca havia lido nenhum livro sobre temas políticos ou econômicos.
Portanto, Jair Messias até hoje apenas repete o que os seus comandantes lhe disseram no passado. Isto não quer dizer que milicianos não tenham posição política. Eles têm. Mas devemos enxergar de onde brota tanto prurido na mente deturpada de Jair.
Voltemos um pouco no tempo, quando Jair Messias, futuro Mito, era cadete. Entre os comandantes que mais exerceram influência sobre o jovem Bolsonaro, estavam Carlos Alberto Ustra e não por acaso, o general Sílvio Frota. Frota exercia muita influência na direção da Academia Militar das Agulhas Negras, que aderiu ao Formato das Escola das Américas, nos anos 1950.
O famoso general, responsabilizado pela morte do jornalista Vladimir Herzog, foi demitido por Ernesto Geisel em 1977, quando intentava dar um segundo Golpe militar naquele ano, prolongando a Ditadura. Frota, representante do grupo "Linha dura", considerava Geisel um fraco, e conspirou contra o general gaúcho. Era justamente na AMAN, onde estudava Bolsonaro, porém, que se concentrava o grupo de apoio à Silvio Frota.
Este grupo, tão influenciado por Frota, mesmo após seu afastamento do governo, continuou agindo sob forte espionagem do SNI, o Sistema Nacional de Informações, comandado pelo general riograndino Golbery do Couto e Silva. Foi dentro do próprio SNI que um grupo extremado, paranóico, tramou o atentado terrorista do Rio Centro em maio de 1981. A ideia era, a princípio, simples: realizar um atentado à bomba, sacrificar dezenas de pessoas, inclusive crianças, e no dia seguinte inchar os jornais com notícias responsabilizando os comunistas.
Como se percebe, Bolsonaro não vem do nada. Ele e seus perversos filhos, são fruto de toda uma paranóia anti-comunista, que mesmo em 2022, parece ligar lé com cré quando adubada com desinformação. Este mundo distópico, que mistura todo o tipo de perversidade e teoria sem pé nem cabeça, parece ter ganho liga com a presença de Steve Bannon.
O que Bannon fez nos Estados Unidos, e exportou para o Brasil, foi proliferar um verdadeiro culto ao ódio. Este culto, que mistura cretinismo, idiotia, analfabetismo político, ignorância, preconceito, anti-comunismo, perversão, e toda a sorte de teorias sem pé nem cabeça, não era visto no Brasil desde a ascensão da Seita católica Tradição, Família e Propriedade, a TFP.
Em 1964, este grupo recebeu como cortesia da CIA, dezenas de fuzis para derrubar o presidente João Coulart. Para o seu líder, Plínio Sampaio, era preciso aproveitar a ebulição de um Golpe militar no Brasil, para abater civis e adversários, gerar a Bagarre e aproximar o Juízo Final. A CIA adorou a ideia e cedeu alguns fuzis para a missão, que só não acabou acontecendo porque o movimento liderado pelo general Olimpio Mourão Filho derrubou, sem resistência, João Goulart em março de 1964.
Grupos armados tomados por fanáticos imbuidos de uma Bíblia, entretanto, não são novidades na História. Na Idade Média, antes da Inquisição, surgiram as Milicias de São Domingos. A despeito de papas, senhores feudais e reis, montadas por soldados veteranos das Cruzadas, estes grupos invadiam aldeias, puniam mulheres solteiras e separadas, empalavam judeus, e queimavam mães e bebês a seu bel prazer. Leitores do Velho Testamento, não havia Estado, lei, ou sequer piedade, que lhes freiasse. Pelo contrário, era com a Bíblia em punho que chacinavam.
A ausência da Ideia de um Estado na Idade Média, sem dúvida, contribuiu para os massacres. Por isto, Bolsonaro repete como mantra a ideia de Terra devastada, distopia e fraude eleitoral. Para ele, a Bagarre já começou.
Ontem, quando o atual presidente afirmou que há indícios de fraudes nas eleições, ele não passou de um completo idiota, que não pode provar o que afirma. Mas quando ele disse que as instituições deixaram de funcionar, que estão minadas, que é preciso reagir ao que se mostra, ele acertou: somente um Estado tomado pela corrupção, uma sociedade profundamente doente e um povo completamente desconhecedor de política poderiam estar assistindo a isto pacificamente.
Nós estamos no país do fim do mundo. Ou, ao menos, quase na Bagarre.
Fabiano da Costa.
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O presidente brasileiro voltou a se tornar notícia, e mais uma vez, por uma declaração desastrosa. Depois de chocar o mundo inteiro, ao afirmar que Genivaldo de Jesus era um bandido e minimizar sua execução através de uma câmara de gás, montada por policias rodoviários federais, na terça feira, o mandatário chamou de "aventura", a expedição que o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira estavam conduzindo no Amazonas, antes de desaparecerem.
Desaparecidos desde domingo, dia 5 de junho, a suposição é de que o jornalista e o indigenista tenham sido emboscados por Amarildo Costa de Oliveira, que faz parte de um grupo de garimpeiros que estaria invadindo territórios indígenas na região. Amarildo foi preso na terça, dia 7, por portar munição restrita. Antes disto, ele teria sido visto perseguindo os dois no domingo. No sábado, enquanto dialogavam com indígenas, três outros homens, armados, teriam ameaçado a dupla.
O indigenista, entretanto, teria contraido o ódio de Amarildo, vulgo "Pelado", bem antes, em 2019, desde que era agente da FUNAI. Desde domingo, a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e a PM amazonense iniciaram as buscas em Atalia do Norte, cidade a 1000 km de Manaus.
A política de Bolsonaro tem forte impacto no conjunto do caso. Não é segredo que o atual presidente tem simpatia pelos garimpeiros. Em diversas ocasiões, ele afirmou que as riquezas naturais nas terras indígenas deveriam ser exploradas por grupos privados. Além disto, na segunda feira, dia 6, afirnou que se o STF rejeitar a tese do Marco temporal, ele não cumprirá as decisões legais de demarcação de territórios indígenas.
A declaração de Bolsonaro não foi gratuita: ela veio 24 horas antes da deputada Carla Zambelli, de Extrema Direita, convocar uma nova tentativa de Golpe para julho, justamente para intimidar o STF e pressionar o TSE antes da homologação das candidaturas à presidência. Bolsonaro usou a demarcação de terras dos povos originários como objeto fálico para despertar o desejo nos fazendeiros que o assistiam, mas seu objeto de preocupação é a eleição.
Fazendeiros e garimpeiros são dois dos grupos que exercem influência política na região do Extremo Noroeste brasileiro, e que mais sentem orgasmos com o discurso racista de Bolsonaro, que vocifera ódio contra os indígenas. Da mesma forma que as Milicias no Rio, estes grupos têm interesses diretos no voto impresso para intervir na gestao pública e facilitar seus negócios. É aí que Jair Bolsonaro e seu discurso, exercem influência direta ou indireta, sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Philips.
Bruno Pereira atuava na FUNAI na divisão de indígenas isolados. Em outubro de 2019, após ações que devastaram garimpos ilegais e permitiram a prisão de vários, sem justificativa alguma, ele foi exonerado do cargo pelo atual presidente. Na época, funcionários da FUNAI comentaram que o afastamento de Bruno se deu justamente porque Jair Bolsonaro não havia aprovado o desmonte do garimpo.
Em um caso incrível e que merece atenção, e que só poderia acontecer em um país minado pela corrupção sistemica, Bruno então se licenciou da FUNAI e passou a exercer em ONGs ambientalistas, o que não podia mais realizar na sua função pública de origem: proteger os indígenas atacados pelo garimpo, preservas as matas em seus territórios e manter a etnobiodiversidade da região dentro dos marcos legais.
É aí que os laços do desaparecimento chegam à política, e começam a ficar mais densos: os procuradores dos municípios de Atalaia do Norte e Benjamim Constant, Ronaldo Caldas e Davi Barbosa de Oliveira, apesar de procuradores, passaram a exercer a defesa de Amarildo. Eles justificam que, como advogados, poderiam defender Amarildo. Poderiam sim, mas a questão é: por que deveriam?
O que chama atenção é como Amarildo, o Pelado, um homem humilde e potencialmente violento, tido como pistoleiro na região, passou a exercer tanto carisma junto a advogados e políticos. Quando Amarildo foi detido, o prefeito de Atalaia do Norte, Denis Paiva, visitou a família de Amarildo e prestou solidariedade. Denis, que foi eleito prefeito em 2020 pelo ultraconservador PSC (Partido Social Cristão), é um conhecido simpatizante do atual presidente na região, mas entretanto, se solidarizou com Amarildo.
Atalaia do Norte é uma cidade relativamente isolada na borda do Rio Amazonas e próxima ao Rio Itaguaí. Tem 20 mil habitantes, e uma dos maiores indícies de mortalidade infantil do Amazonas. O pequeno municipio, a 1000 km de Manaus, é tomado por comunidades isoladas ligadas somente pelo leito do Rio Amazonas. Em uma delas, morava Pelado. A cidade mais próxima, Benjamin Constant, fica a 18 km, e também desperta tanto o interesse do garimpo ilegal como das multinacionais, que sustentam o lobby de deputados que defendem que a demarcação de terras passe somente pelo crivo do Congresso.
A região onde está Atalaia vive conflitos de disputa de terra há anos, mas que explodiram de vez em 2019, ano de ascensão de Jair Messias Bolsonaro à presidência. O discurso do miliciano de que os índios ocupavam terras demais e que impediam o progresso, foi o adubo teorico que os garimpeiros precisavam para uma nova escalada de violência. Em seguida, os Bolsonaro passaram à prática: a FUNAI foi desmontada. Nisto, um dos agentes da FUNAI, o indigenista Bruno Pereira foi exonerado.
Outro ponto sensível é o aumento substâncial da atividade do tráfico de entorpecentes na região. Esta nova rota, que atravessa o Rio Itaguaí, passou a despertar mais interesse de traficantes ainda pelo desmonte da FUNAI.
Enquanto o país aumenta a política repressiva nas periferias, gerando uma guerra que mata a população preta, pobre e jovem nos bolsões urbanos de miséria, na outra ponta, quem morre, nesta mesma guerra, são os indígenas. Suas terras são atravessadas por traficantes, garimpeiros e fazendeiros, enquanto o atual presidente desmonta, sabe-se lá porque, o órgão que os ampara: a FUNAI. Descriminalizar a venda e a compra, legitimar o uso recreativo para adultos, identificar quem compra e legalizar quem vende, são debates necessários e que tem forte impacto também na vida destas comunidades isoladas.
Hoje, sexta, dia 10, brasileiros e ingleses voltaram protestar na frente da Embaixada brasileira em Londres. Eles afirmam que não há interesse prioritário do governo brasileiro em localizar os dois, e que as buscas da Marinha e do Exército foram ativadas com atraso de dois dias. Afirmam também que a política de Bolsonaro, que beneficia grupos criminosos, leva ao aumento de casos parecidos na região. O próprio prefeito de Atalaia, que não quis comentar a frase descabida e trágica do atual presidente, assumiu que houve desmonte da Polícia Federal e da FUNAI na região nos últimos anos. Ou seja: ao contrário do que pensam os manifestantes londrinos, o desinteresse do Estado brasileiro não se refere somente aos dois desaparecidos, mas à toda a região.
Jair Bolsonaro só tem um interesse agora: não cair na cadeia quando deixar o Planalto. Genocida, acusado de ter cometido crimes contra a Humanidade, e cercado da pior escória criminosa (eleita ou não) deste país, ele começa a se preocupar vendo que a estrutura está desmoronando, e se interessa em não se afogar. O resto para ele, portanto, pouco ou nada interessa. Nisto, estão Bruno, Philips, os indígenas, as comunidades tradicionais, o povo de Atalia do Norte, e todos nós.
Fabiano da Costa.
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